terça-feira, 13 de maio de 2008

POESIA E RITMO: um pequeno estudo sobre a função poética

“Monta, amigo, e vai guiando, que eu te sigo na andadura que te parecer”. Dom Quixote de la Mancha, a seu fiel escudeiro, Sancho Pança


Tudo tem seu ritmo. Tudo, portanto, pode virar poesia. Tornaram-se poemas os sapos de Manoel Bandeira, a cidadezinha de Drummond e o barco bêbado de Rimbaud.

Do mesmo modo, a depender do talento e do trabalho do poeta, podem se tornar poemas a construção de um edifício em São Paulo, Nova York ou Shangai, a armação de uma choupana, às margens do Rio Negro, o carrinho de picolé sendo empurrado por um garoto nas ruas de uma cidade pequena e o rumor do deserto, com fios de sons cortando o silêncio.

Qualquer ação no espaço pode virar ritmo na palavra. Qualquer movimento intercalando o tempo pode se tornar poesia.

Primeiro capta-se o ritmo, depois encontram-se as palavras e o sentido. É o que nos ensinam os formalistas russos sobre a criação poética. Segundo Osip Brik, ritmo é toda alternância regular, e ritmo poético “é a alternância das sílabas no tempo.”

Mas a poesia não depende apenas do ritmo para existir. Sua matéria-prima é a palavra, e por isso, após encontrar o ritmo de seu objeto poético, o poeta ainda precisa achar as palavras que possibilitem a cadência interior dele mesmo, encaixando as duas alternâncias rítmicas de modo a produzir um sentido, e assim o poema ressoará a outra voz (na concepção de Octavio Paz).

Assim como todas as coisas, todo mundo tem um ritmo interior, poeta ou não. E é aí que talvez esteja a resposta para qual seja a função da poesia. Se tal função existe, ela é estética, sem dúvida. E a estética contida na poesia toca o sentimento estético contido no leitor.

É possível que esse contágio se dê pelo ritmo que há no leitor, cujo procedimento estético apresenta certas linhas rítmicas semelhantes ao do poema lido. Talvez, por esta mesma razão, alguns poemas sejam reconhecidos como profundos e geniais, mas que ainda assim, não conseguem tocar a sensibilidade profunda de determinados leitores, enquanto outros poemas o fazem facilmente.

Ao se tornar universo e fazer de sua polissemia um banquete explosivo de prazer estético, o poema demonstra sua função. Esta seria a de retirar o leitor da monotonia da vida, do ritmo único, automático a que foi submetido pela invariabilidade cotidiana.

De acordo com Viktor Chklovski (outro formalista russo), a arte é um conjunto de procedimentos cujo objetivo é assegurar a percepção estética de seu objeto, seja ele uma escultura, um quadro ou um poema.

Essa percepção é capaz de modificar a vida do apreciador do objeto artístico, é capaz de alterar seu ritmo interno, de modo que perceba certos aspectos da vida que ele antes não notava. Em outras palavras, oferece-lhe um novo olhar, como bem explica o crítico russo:

“Se examinarmos as leis gerais da percepção, vemos que uma vez tornadas habituais, as ações tornam-se também automáticas. Assim, todos os nossos hábitos fogem para um meio inconsciente e automático. (...) Eis que para devolver a sensação de vida, para sentir os objetos, para provar que pedra é pedra, existe o que se chama arte.”

A literatura é “arte carregada de significado”, diz Ezra Pound. E a poesia é sua expressão máxima, por concentrar no menor número de palavras o mais elevado grau de significado. Essa carga de significado que, segundo Pound, é feita de três tipos de condensação, a saber, fanopéia (imagem do objeto), melopéia (correlações emocionais pelo som) e logopéia (associação intelectual pelas palavras empregadas), é a responsável pelo sentido poético percebido pelo leitor.

E essa condensação é o corpo da poesia, cujos procedimentos são construídos de acordo com o efeito que quer o poeta, exigindo muito de uns procedimentos e pouco de outros; entre eles estão o ritmo, as figuras de linguagem (metáfora, comparação, aliteração etc.), o paralelismo, a rima e a repetição. A poesia passeia pelo espírito como quem cavalga, sempre na andadura que nos parece melhor.

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