sábado, 3 de maio de 2008

O TEMPO E A NÉVOA

A memória é um sulco no chão da vida, estrada no meio do pântano. É ela que nos faz viver melhor, cheios de planos e organizados, sem dúvida. Mas ela mesma é apenas reflexo do que um dia existiu e se transfigurou.

A memória é um continente, em que contêm imagens pouco reversíveis, que não se podem realizar, nem se erigir para o céu do contentamento real, imagens que não podem surgir do tempo e abrir os braços para um possível afago.

Não é possível, não seria, não será, nem nunca haverá possibilidade de se fazerem renascer do baú de ossos os fatos em carne, os fatos em sua real dimensão.

Memória é o que vivi ou tangenciei, é o que se apega a mim e permanece como alimento da linguagem, rodeado de palavras, na bruma dos sentimentos, das sensações, envolto à sinestesia e à consciência.

Apesar de ser vão, ou talvez por isso mesmo – curso do rio –, a memória é o suporte mais poderoso no processo da linguagem. É o que possibilita o confronto entre o passado e o futuro, o que nos permite avaliar o tempo das coisas, sentir o belo. O que é belo está inserido na passagem do tempo.

Rio não corre em terra plana.

Memória: o labirinto dentro de nós; o que nos permite apenas sentir, e nunca tocar – ainda que fosse apenas uma vez mais –, a delícia do impossível.

Eu lembro, logo posso redirecionar a minha vida.

Em meio a fantasmas e demônios, anjos e espectros, permaneço pela memória, até o fim.

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