domingo, 10 de junho de 2012

Um igual, um irmão

Paulo Francis (1930 - 1997) foi um sujeitinho interessante. Passou da esquerda para a extrema direita sem pestanejar. Nisso, temos de admirá-lo. Tinha estômago para escolher o que queria, sem modismo. Era mais ou menos como as prostitutas que não escolhem a cara, nem o cheiro, do homem no qual têm de praticar a felação.

Nunca foi pobre. Portanto, provavelmente, nem sabia por que um dia admirou as ideias de Trotski, para depois ter de descartá-las em nome de uma trama maior e um pagamento superior, para viver em Nova York. Era de lá que expelia seu veneno inteligente e mal humorado sobre tudo e sobre todos.

De Albert Camus (1913 - 1960), por exemplo, disse aquilo que qualquer provinciano aplicaria sobre si mesmo: Segundo ele, Camus era “de um palavrório estático, solene, pomposo, típico do provinciano que aprendeu as cadências majestosas dos clássicos franceses.”

No Brasil, Francis sequer tinha a desculpa dos clássicos, porque havia Machado de Assis apenas. Guimarães Rosa, o gênio mor, falava a quem pudesse interessar, mas não das tribunas, dos parley da metrópole. Era universal sem precisar passear na Broadway.

Francis, portanto, para ser o que era em Nova York, teve de se alimentar dos clássicos franceses e dos ingleses. Neste sentido, foi exatamente como Camus, que saíra da atrasada Argélia para estudar filosofia na Sorbone, enquanto se tornava um respeitável escritor.

No Brasil, repito, Francis até podia se passar por um ilustrado e dotado de uma inteligência sarcástica e célere, mas, em Nova York, não passava de mais um provinciano saindo da roça da América do Sul para tentar se dar bem na cidade mais urbanizada do mundo. Era – como muitos outros – apenas mais um bocó.

Pergunta em Nova York quem foi Paulo Francis, como quem pergunta quem foi Paul Bowles, e ninguém saberá responder. Francis teve a sacada de entender Camus não exatamente pela brilhante inteligência freudiana-lacaniana, mas pela experiência de ser um igual, um irmão.

11 comentários:

Revistacidadesol disse...

Oi, Giba. Francis sempre foi esse individualista boêmio, esse curtidor q conhecemos, que tinha até talento, mas era basicamente um divulgador de coisas de fora, um novidadeiro. O difícil é que a direita não encontrou substituto à altura.

O próprio Trotsky é uma farsa.

Gilberto G. Pereira disse...

Boa, Lúcio! Obrigado, rapaz!

Revistacidadesol disse...

Oi, Giba. Trotsky, não sei se vc sabe, surge em trabalhos acadêmicos recentes como um cara que, enlouquecido em conquistar o poder, colaborou com os nazis e japoneses contra a URSS.

Outra hipótese que fiquei sabendo é que o cara que o matou se chamava Jacson Monard e era seu seguidor e namorado da tb trotsquista Sylvie Ageloff. Quando Trotsky lhe disse para ir para a URSS fazer sabotagens e que ele não podia se casar com Ageloff, ele se desiludiu com o socialismo e terminou por assassinar Trotsky. Existem muitos elementos, mesmo na web, que reforçam essa hipótese.

Abs do Lúcio Jr.

Gilberto G. Pereira disse...

Pois é, Lúcio. Eu não sabia disso. Não li aquela biografia de Isaac Deutscher, que talvez não traga essas considerações novas, né. O que eu li foi O livro negro do comunismo, e ali a gente vê o horror das guerras e conspirações russas. É claro que, por um lado, a gente sabe que isso não é privilégio dos comunistas, dos soviets. Em toda a história da humanidade, sempre que se quis o poder, a primeira forma de tomá-lo (e não de conquistá-lo) foi pela violência.

Mas em O livro negro do comunismo, as citações sobre Trotski e seus métodos violentos não são poucas.

Abç!

Revistacidadesol disse...

Oi, Giba. O livro de ouro do anticomunismo é lixo. Se tiver um lixo aí perto, jogue o livro nele agora! Sugiro Stálin: uma lenda negra, do Losurdo. Esse sim, tem argumentação diferente da propaganda pura e simples da Guerra Fria.

O Deutscher, segundo o Grover Furr (historiador norte-americano que pesquisa na Rússia e lê russo) sabia, por exemplo, dos envelopes com nomes de pessoas na URSS que foram deixados no Arquivo Trotsky que está em Harvard. Significa que Trotsky mentiu para a comissão Dewey, pois disse textualmente que não tinha, desde os anos 20, contato com ninguém na URSS. Pq ele não menciona, embora fosse muito possível que ele conheça esses envelopes, mencionados tb por J. Arch Getty, outro historiador do período? Pq ele temia destruir a reputação do Trotsky.

Agora, pq Francis morreu sob a benção de um quadro de Trotsky? Ambos eram contra-revolucionários, diria eu.

Abs do Lúcio Jr.

Gilberto G. Pereira disse...

heheh! Obrigado pela sugestão, Lúcio! Mas mesmo no lixo, é possível encontrar preciosidades. Às vezes pela ética dos restos construímos um sentido moral mais acurado do que aquela das grandes certezas. Sei que essa conversa não tem muito a vê com nossas ideologias propriamente, imagino, mas há sempre os significados esquivos, e para quem nos leia nesses comentários, devo dizer que, sendo contrário a Stalin, não estou me pondo do lado de Bush. Abç!

Revistacidadesol disse...

Oi, Giba. Entre Trotsky e Stálin fico com o Stálin, mesmo...

Já quanto ao Francis, o buraco é baixo, muito baixo. Lembro uma vez, depois dele morto, o Lucas Mendes dizendo que o partido republicano era o partido do coração dele. E o Caio Blinder completou: não só do coração, mas do bolso.


Creio que esse foi o motivo da síncope que matou Francis: ele temeu, possivelmente, que isso viesse à baila na mídia brasileira.

Abs do Lúcio Jr.

Gilberto G. Pereira disse...

Oi, Lúcio! Concordo com você. Com Francis, o buraco é baxíssimo no que diz respeito ao compromisso ideológico, às ideias e tal. Minha brincadeira com o título "um igual, um irmão" na comparação com Camus, claro, você sabe, era só em relação ao negócio do provincianismo, mas Camus tinha mais o que dizer de importante do que Francis. Já entre Trotski e Stálin, acho que os dois eram mais iguais e mais irmãos, com a diferença de que Trotski não teve a oportunidade do poder absoluto para pôr em prática seus ideais de violência. Neste sentido, Stálin foi mais cruel, ou pôde demonstrar mais sua crueldade. E aí, apenas por isso, se eu tivesse de escolher, na minha funda ingenuidade política, ficaria com Trostiki, se houvesse somente os dois como líderes no mundo, e nenhuma outra opção. Agora, nós dois sabemos, e muitos outros leitores que passarem por aqui, que essa questão é tão mais ampla e complexa que esse nosso papo solapa no mar das variáveis (ética, política, ideológica, filosófica, da condição humana, das forças e dos jogos do poder, dos jogos de linguagem, dos discursos, dos ideais e, sobretudo, daquilo que se quer para si e para os outros, de onde se está, em que classe, que privilégios se querem, que coragem se tem, que bravura e que luz de sabedoria perpassa nossos corações no momento de escolher lutar por um ideal), né. Obrigado, Lúcio, pela importância que você dá a este humilde blogueiro. Abç!

Revistacidadesol disse...

Oi, Giba. O negócio é que Trotsky no poder seria um Gorbachev, ele restauraria o capitalismo. Ele era um menchevique, só aceitou participar da revolução russa pq julgou que a revoluçaõ aconteceria, a partir dela, na Europa.

A teoria da revolução permanente é isso: ou ele levava a revolução para a Europa através da invasão militar ou voltava ao que havia antes de 1917. A questão não é a violência. O método violento por vezes é necessário, não pq é ódio, mas é amor à solidariedade, à humanidade, é amor de ação e transformação. Antes Jango e Brizola tivessem agido violentamente com os golpistas em 61 e 64, p. ex.


E ele tinha fracassado ao tentar exportar a revolução para a Polônia em 1920.

Abs do Lúcio Jr.

Gilberto G. Pereira disse...

Seus comentários são sempre muito bons, Lúcio. Abç!

Revistacidadesol disse...

Oi, Giba. Francis virou um mito do jornalismo de direita nacional. O grande genérico dele agora é Pondé, que tem uma sintonia fina com o chefinho Otavio Frias Filho.

Agora, se a gente lê os textos do Francis, vê que ele sempre está numa posição dúbia, ambígua, mesmo nos anos 60. Logo depois do golpe, ele escreveu que ocorreu a falência das esquerdas. Eu creio que ele percorreu um longo caminho para voltar ao jornalismo maistream onde ele estava antes de 64 (ele vivia regado a uísque e encontrando-se com Arraes, Jango, Brizola). Como Serra, ele foi para os USA para se reambientar com as orientações dos patrões...

Abs do Lúcio Jr.

Abs do Lúcio Jr!