quinta-feira, 27 de junho de 2013

Polícia brasileira: muito músculo e pouco cérebro


A onda de manifestações que assola o Brasil pode servir para muitas correções necessárias, uma delas é o modo de agir da polícia. Esta possui muito músculo, mas pouco cérebro, e quando sai às ruas para combater alguma ação fora de controle não leva o único olho que tem (não sei se não leva porque já lhe caiu ou se porque seu comandante entrincheirado ficaria às cegas de onde está sentado) e aí não enxerga absolutamente nada.

Se num grupo de 100 manifestantes, três jogam uma pedra e fazem barulho, ou lançam um coquetel molotov, que explode em algum lugar, todo mundo da polícia, mas todo mundo mesmo, começa a descer a lenha em qualquer um, como boi enfurecido que abaixa a cabeça e acerta os chifres em quem está na frente, em ambos os lados e, de vez em quando, rodopia para chifrar quem está atrás também.

Digo polícia como um corpo de profissionais que deveriam ser preparados para situações como estas das manifestações que acontecem num Estado democrático de direito, em que cidadãos têm o direito de protestar. Caso alguém saia dos eixos e comece a ser violento contra o patrimônio público, contra a propriedade privada, contra outras pessoas ou mesmo contra a polícia, este alguém deve ser neutralizado.

Mas não é o que se vê, de modo geral. De modo geral, membros da polícia fecham os olhos e mandam ver em qualquer um. Desse jeito, até eu, que sou um covarde para medidas enérgicas, para a violência, conseguiria ser policial. Desse modo, com uma farda, capacete e a liberação para bater em qualquer um que tivesse à minha frente, até eu conseguiria ser da polícia.

terça-feira, 25 de junho de 2013

Gertrude Stein pela CosacNaify


A CosacNaify acaba de lançar uma coleção de livros da escritora e patrona das artes americana Gertrude Stein. Com tradução de José Rubem Siqueira e Júlio Casanon Guimarães, Gertrude Stein (Companhia das Letras, 2013) parece ser bom. Eu adoraria lê-lo, se pudesse pagar os R$ 120 merecidos.

Ela morava em Paris, onde recebia o fino das artes, todos exilados voluntários, como Pablo Picasso, Ernest Hemingway, Djuna Barnes, Scott Fitzgerald, Woody Allen, ops, este último não era seu contemporâneo.

Woody Allen fez o filme Meia-noite em Paris, em que seu alter ego Gil (em ótima interpretação do baixinho e narigudo Owen Wilson) entra numa de nostalgia e acaba esbarrando num portal do tempo que o leva para a época da geração perdida, termo cunhado por Stein para designar aqueles jovens talentos da década de 20 do século passado que escolheram a capital francesa para fazer sua festa.

No filme de Allen, Stein recebe a deliciosa interpretação de Kathy Bates (aquele filme é um grande acerto da cinematografia recente e itinerante de Allen).

Gertrude Stein (1874 - 1946), uma mulher talentosa cuja obra ainda não tive a oportunidade de ler, mas cuja alma leio em outros autores.

Parece que está na moda falar da geração perdida. O grande Gatsby, de Fitzgerald, foi relançado para acompanhar o lançamento do filme baseado no livro. Só falta Paul Robeson voltar também. Aí, é pedir demais, né. I`m tired of living, and scared of dying...

sábado, 22 de junho de 2013

A democracia é feita de um material desgastante


A democracia é feita de um material desgastante, não descartável, mas de um material que se não for cuidado com certos critérios de discernimento se desmancha como papel na água. O uso da violência em protestos, de relinchos e coices em meio a uma pauta enorme de reivindicações como a nossa, pode ser fatal.

Na calada da noite vem um general de pijama, de tendências pirotécnicas, e faz um trabalho sujo. Mas ninguém em sã consciência é capaz de negar que sabe de onde vem o fomento da revolta que cresceu como massa em fermento, aos poucos, durante anos, sob os descasos dos agentes do poder público, e que agora está explodindo.

A gente sabe que a violência não traz nada que presta, porque se trouxesse, o Oriente Médio seria o paraíso na terra. Mas não é. A gente sabe disso. Mas não vemos deputados, governadores, senadores, vereadores, prefeitos, falando o quão são responsáveis pela revolta, pela carência, pela dor, pela falta de absolutamente tudo que depende do poder público, absolutamente tudo, não vemos ninguém fazendo mea culpa. Difícil é imaginar como essa democracia ainda está de pé.

Aliás, a democracia é um troço frágil, sempre foi, porque precisa acolher todas as diferenças no mesmo nível de direitos. Mas não é bem assim que acontece em nossa democracia. Sabemos disso.

Deputados, governadores, senadores, vereadores, prefeitos, jornalistas bem informados, formadores de opinião, sociólogos, todos sabem disso. O que fazem, muitos destes, principalmente os que representam o poder público, o que fazem agora é preparar discursos para colocar na conta de vândalos e arruaceiros toda a desgraça do que está acontecendo.

Não é verdade. Senhores políticos, do legislativo, do executivo, senhores magistrados, senhores da alta patente militar, todos os senhores são responsáveis, em primeiro lugar, antes de qualquer coisa, pela onda de violência nas ruas das cidades brasileiras. Todos os senhores são responsáveis duas vezes. Na primeira vez, porque todos nós cidadãos somos responsáveis pela lastimável violência que foi para as ruas, junto com os protestos legítimos. Na segunda vez, são responsáveis sozinhos, só o grupinho dos senhores, e esta responsabilidade é maior.

Se é para prender os vândalos, então prendamos. Mas mostrem a cara dos policiais que excedem a força todo santo dia contra pretos e pobres, contra favelados. Pergunte para a jornalista Mariana Albanese que levou um tapa na cara de um policial na comunidade do Vidigal, no Rio de Janeiro. Ela vai explicar bem a sensação. Depois pergunte para os garotos favelados como eles são tratados.

Converse com Gilberto Kassab, o ex-prefeito de São Paulo, e pergunte porque ele chamou um homem de safado, e repetiu safado com espuma na boca. Ou melhor: pergunte para o homem que foi chamado de safado por Kassab qual foi a sensação que ele sentiu ao ser chamado assim em público por um prefeito, uma autoridade. Ele estava protestando contra a falta de ação do executivo de São Paulo, sob o comando de Kassab na época.

Mil e um casos de abuso de poder, de abuso de autoridade, de uso indevido do dinheiro público, de roubo escancarado da verba pública, de cinismo em discursos políticos diariamente, casos de homens que enriqueceram às custas do erário público e que depois de rico são apontados como ladrões e se sentem ofendidos, ou são presos e logo saem, ajeitando a gravata como cidadãos de bem.

Violência não resolve o problema dos cidadãos. Mas não apenas a violência física. Então porque ao longo da história, um grupelho de pessoas sempre fez uso dos aparelhos de repressão e ideológicos do Estado para cometer tudo quanto foi (e é) tipo de violência contra a maioria dos cidadãos e quase ninguém fala nada, e a mídia fica quieta, fala pela metade, como se sempre estivesse se rendendo ao medo da repressão, alegando sempre os direitos do cidadão, mas apenas quando o cidadão é aquele que dispõe de recursos para usar a Justiça  a seu favor.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Sistema judiciário precisa mudar com urgência

Durante as manifestações na noite de quinta-feira, em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, o motorista de um SUV Land Rover, identificado como sendo Alexsandro Ishisato de Azevedo, de 37 anos, que é dono de uma academia e lutador de jiu-jitsu, atropelou várias pessoas e matou uma delas.

Segundo a polícia, em reportagem publicada nesta sexta-feira no Portal UOL, Alexsandro Ishisato “responde a 20 processos na Justiça, sendo cinco criminais.” Ou seja, uma Justiça que deixa um criminoso desse porte à solta, sem pagar pelos crimes cometidos, está praticamente autorizando-o a ser bandido. E é por causa de um sistema judiciário como este – além de um número imensurável de outras reivindicações – que as pessoas estão nas ruas.

Nós, os cidadãos, não queremos acabar com as instituições, mas queremos mudá-las. O sistema judiciário é uma dessas instituições que precisam mudar, e mudar por dentro urgentemente, mudando as leis, a maneira de aplicá-las, o modo como ela estende seus tentáculos para agarrar apenas quem não tem dinheiro, esse lugar comum tão verdeiro e cruel.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Indignação não é moeda sem valor, não mais



Indignação parecia ser moeda sem valor no Brasil. Os gestores e legisladores do Estado, eleitos para fazer a cidadania funcionar, há muito tempo vinham ignorando os anseios da maioria. Até que um grupo de jovens corajosos e indignados conseguiram despertar a vontade de lutar das pessoas. Com esse sem número de protestos, a cidadania sai revigorada. À sociedade incorpora um tipo novo de sentimento.

Não sei até quando, mas neste momento, a multidão indo às ruas é uma espécie de ícone da esperança, além de um luta concreta e legítima contra o descaso dos governantes, que, ao lado da maioria dos gestores públicos, nunca estão nem aí para os cidadãos, nunca ouvem ninguém, depois de serem eleitos e se esconderem atrás de planilhas e discursos cínicos.

Se os protestos começaram para forçar os governos a baixarem as tarifas do transporte coletivo, isso foi apenas o pontapé inicial de uma série de reivindicações. Primeiro porque a diminuição da tarifa não alivia os usuários da desgraça que é pegar ônibus todos os dias com a qualidade abaixo do sofrível que o transporte coletivo tem em todas as cidades do país que fazem uso desse serviço.

Depois, não há em nenhum setor das coisas do Estado alguma coisa que funcione de forma pelo menos satisfatória. As pessoas foram às ruas e cresceram em número, intensidade e insistência, enfrentando a brutalidade da polícia, em vários momentos, porque chegou-se ao limite dessa indignação.

A polícia, incompetente sempre, do ponto de vista de lidar com o cidadão, só se eleva como eficaz quando o assunto é espancar os indefesos (sem fazer distinção entre cidadãos de bem e pequenos párias da sociedade, bandidinhos pés de chinelo). De vez em quando prende bandidões, mas estes ganham o direito de não sofrer violência policial quando são rendidos.

O atendimento nos hospitais públicos é um display do horror e da negligência. Todo mundo, sem exceção, que depende do Estado para se tratar, e um dia teve de recorrer aos médicos e sua arrogância (nem todos fazem parte desse círculo) ou à estrutura falida do serviço, já sofreu algum tipo de descaso, ou não foi atendido – porque o médico saiu mais cedo, não veio, viajou, entrou em férias – ou ficou esperando cinco horas porque a fila era enorme, foi medicado sem resultado de exames, sem diagnóstico, sem uma conversa prévia, apenas perguntas monossilábicas diante de um paciente indefeso.

Na Justiça, é a mesma coisa. Na Previdência Social, na educação jogada às moscas, idem. Mas nada acirra a indignação mais do que o cinismo dos governantes, eleitos para resolver os problemas e nada fazem, deixam (e participam) a corrupção correr solta nos trâmites do Estado. Não fazem nada porque são incompetentes? Pedem pra sair. Não fazem porque não querem? Não deveriam estar lá, e aí, precisamos repensar nossa maneira de avaliar os candidatos (dessa geração que está no poder hoje, de cada 100, pelo menos 95 não merecem estar lá, contando os executivos e os legislativos).

Não fazem nada porque a estrutura social é complexa e a democracia exige um sem número de ações e negociações com grupos de pressão, com grupos de interesse que têm muito dinheiro e manipula o sistema? Incompetência do mesmo modo, porque venderam ao eleitor, à sociedade, uma capacidade que não tinham.

O Leituras do Giba é um exercício de análise literária, não é um blog político, mas também não se pretende alienado. Este autor está ligado nos assuntos políticos, nas demandas sociais. E por isso mesmo sabe que é bom distinguirmos Nação de Estado e de Governo.

A Nação somos nós, o conjunto de valores que trazemos na nossa cultura, transportada pela língua, somos o que pensamos, fazemos, a maneira como agimos e lidamos com nossos problemas coletivos. O Estado é o conjunto de leis que asseguram a existência dessa Nação no espaço, no território, formando o país, dentro do qual há a sociedade. O Governo é a composição transitória escolhida pela maioria para gerir os negócios do Estado. O Governo deve ser cobrado sempre, porque é por meio dele que o Estado pode melhorar, tornar-se mais justo, e a sociedade progredir.

Apoio as manifestações no país inteiro porque também sou cidadão. Também sofro o descaso nos serviços públicos, as ações de governantes que acham que depois do dia do voto não há mais nada. Há, sim. Há o anseio dos cidadãos e precisa ser atendido.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Para que serve a literatura



Primeiro é preciso responder à questão: a quem serve a literatura? Ela serve a quem tem sensibilidade e inteligência e quer entender o mundo pela perspectiva da arte, que não encerra uma verdade absoluta.

A arte permeia os poros do mundo, escaneia suas esquinas, iluminando os cantos absconsos da alma humana, aonde nem a psicologia, nem a filosofia conseguem chegar com tanta força. Suas técnicas captam melhor a mensagem ambígua, os “olhos de cigana dissimulada”, as alternâncias profundas do espírito.

É bom não duvidar do poder do artista como revelador dos significados mais escondidos da vida. Por detrás das manifestações sociais, há pensamentos solitários, reações, sentimentos e vontades, individuais e coletivos, sobre os quais a literatura joga luz. A princípio, o que se lê pode parecer uma mensagem difícil, por causa da complexidade do próprio ser, mas há sempre uma revelação.

O que se lê em literatura, os personagens em ação, suas qualidades e defeitos, virtudes e gênios, são atributos, nada existe de fato, mas mostra como poderia ser, e sempre é. Há sempre em algum lugar alguém semelhante ao que se lê, esteja o texto falando de um bom príncipe ou de um crápula. No fim das contas, o sujeito e suas características são o objeto literário.

O espírito humano é como o mar, ora calmo, ora revolto, e às vezes, quando menos se espera, é jogado sobre a terra firme arrastando milhões de coisas, em função de um abalo sísmico que nasceu de alguma movimentação das placas num ponto distante e profundo. A literatura como arte serve às pessoas que querem entrar nessa floresta da vida.

Não importa a origem social, nem econômica, não importam posições ideológicas. A literatura aceita servir a qualquer um que a busque. E mesmo no meio da multidão ignara, há sempre aqueles ávidos pelo saber aberto na seara da literatura que, no primeiro contato com ela, se iluminam.

A literatura como corpo de saber, como obra humana desde o surgimento da escrita, e mesmo antes dela, a arte da palavra tecendo o espírito, oscilando entre o poder e o chão da vida, entre as iluminações do verbo e o silêncio, é capaz de abrir clarões, mostrar caminhos inimagináveis de novas perspectivas, da capacidade de se saber olhar para dentro.

É claro que saber olhar para dentro de certas estruturas sociais, políticas, psíquicas, não é garantia de saber o que fazer depois, o aftermath da leitura sedutora. Sempre dependerá de como o sujeito se construiu. A literatura pode até ajudar nessa construção, e ajuda. Ela ensina a se descobrir a própria voz e mostra como surgem e funcionam as outras vozes. Mas há sempre muitos outros saberes em jogo, e, principalmente, há sempre o poder, e sua microfísica, roçando a tessitura da vida.

Texto é tecido. Conhecimento é o tecido da alma. A literatura é um fio poderoso desse tecido que, a rigor, junto com toda palavra, toda leitura de mundo, é o que erige a consciência.

(Gilberto G. Pereira. Publicado originalmente em O Popular, 03/06/13)