domingo, 19 de novembro de 2017

Dia Nacional da Consciência Negra – o farol dos dias

Mulher mina, xilogravura de autor desconhecido, publicada em A travessia da Calunga Grande, de Carlos Eugênio M. de Moura (org.)    

Levamos porradas de todos os lados todos os dias, físicas e psicológicas. Somos desacreditados e desencorajados a desenvolver qualquer trabalho intelectual. À nossa força de trabalho são reservadas as piores funções. Nascemos pra isso, somos assim, dizem os racistas sem usar palavras. Eles dizem isso por meio do cinismo e do poder que têm nas instituições, no mercado de trabalho.

Somos figurinhas abjetas para a maioria dos olhares transversalizados pelo discurso do poder que historicamente nos fez negros oriundos de um mundo mau. Na época da escravidão, tratavam-nos como animais. E ainda hoje nos veem com esse mesmo olhar, disfarçadamente.

Ser negro no Brasil é uma condição qualificativa negativa, uma pele revestida de dificuldade. E quando você é negro, se for mais alguma coisa além de negro, aí ferrou: mulher negra, gay negro, pobre negro, menino negro, padre negro, cadeirante negro, velho negro, negro negro (porque existem os negros brancos). Existem várias tonalidades de negros, do retinto ao moreno claro, claro, mas o negro mais desenraizado é aquele que acha que é branco, enquanto os brancos o olham e têm certeza de que ele é negro.

Poderíamos antes de tudo ser negros para nós mesmos, e talvez assim enxergássemos alguma força realizadora, poderosa e consciente, qualquer poder de resistência. Muitas vezes, por não sermos negros para nós mesmos, somos ignorados pelos outros, vilipendiados, subestimados, negados como sujeitos.

Apanhamos assim. Somos mortos assim, por policiais (que a rigor espancam negros e pobres sempre que têm oportunidade, e as oportunidades são inúmeras, porque o que mais existe nesse país são negros e pobres), muitas vezes. Somos barrados no baile (como Ícaro Silva, barrado no próprio local onde fizera show minutos antes, em fevereiro deste ano), somos isto e aquilo porque somos um raro artefato esportista do pensamento e do ato racistas.

Não existe racismo no Brasil, dizem os racistas e seus replicadores de discurso. Se não existe racismo no Brasil, existe, então, uma frustração geradora de ódio por parte de um grupo branco, por não ter continuado fazendo-nos escravos e por ter percebido que os elementos culturais mais fortes do país foram forjados por negros e brancos que não se odeiam.

Se não existe racismo, essa prática destruidora e negadora do negro no Brasil é tão forte que não há outro nome para qualificá-la que não seja racismo. Logo, existe racismo no Brasil, sim. Existe racismo, seja qual for a denominação que queiram dar a ele, para disfarçar.

Racismo é a crença de superioridade de uma etnia sobre a outra, de um grupo definido pela língua e pela cor, pela cultura e sua prática, sobre o outro, crença dentro da qual o racista reivindica para si o direito de exercer o poder (da economia, da linguagem, da arte, da prática religiosa, dos costumes, do uso moral do imaginário, do uso do corpo, do uso da violência) absoluto e sem contestação (se contestar, está com mimimi) para dominar o outro e reduzi-lo à insignificância.


O Dia Nacional da Consciência Negra (20 de novembro) é um momento de reflexão sobre o que é ser negro, em que se busca compreender que ser negro é uma construção identitária; é o dia em que se para para olhar ao redor e compreender como se dá a prática racista e como se deve agir para combatê-la; é uma espécie de farol, que deve ser usado para iluminar todos os outros dias dos negros no Brasil.