domingo, 21 de outubro de 2007

O DEDO APONTADO PARA BENAZIR BHUTTO


“Não aponte o dedo para Benazir Bhutto, seu puto. Ela está de luto pela morte do pai.”

A primeira vez que ouvi sobre a ex-premiére paquistanesa Benazir Bhutto foi quando ouvi a música de Chico César, cujo trecho é citado acima. Uma música linda, de frêmito africano, com mescla de ritmos de música clássica, como sugere o som do bandolim, e de música pop, com releituras de clássicos brasileiros, ao fundo, de leve. E por ser assim, encantadora, que nos convida a entrar na dança, a cair no frenesi do ritmo, a entrar mesmo em transe, a música me fez perguntar quem seria Benazir.

Fui à Biblioteca, pesquisei por assunto, e nada. Não conhecia nenhum título que falasse da mulher, aliás, só sabia que era mulher por causa do pronome pessoal feminino na letra da canção. Entrei na internet, e nada, em Português. Joguei frases em inglês para achar alguma coisa, e encontrei parcos textos referentes a Benazir Bhutto, que teve pai assassinado na década de 70 e irmão idem, e que teria sido primeira-ministra do Paquistão por duas vezes, e por duas vezes teria sido destituída do cargo, sob acusação de corrupção.

Mas a Benazir da música continuou a soar em mim com mais força, retumbante. E ainda ouço Chico César, até hoje sem saber porque ele falou dela numa música nitidamente afro-brasileira, linda na expressão, mais bela ainda na melodia.

Na quinta-feira, dia 18 de outubro, não é que vi pela primeira vez uma notícia quente sobre Benazir Butho? Voltando a seu país, após seis anos de exílio voluntário numa nação da Europa. Voltando, foi recebida em meio a estrondos de ovações e bombas, que mataram – as bombas, claro – 139 pessoas.

Seja lá por que motivo Chico César falara de Benazir Bhutto, sua canção ainda ecoa, ainda é atual, ao dizer que não se aponte o dedo para Benazir Bhutto, porque nunca na história desse país, ela esteve tão assustadoramente de luto pela morte de paquistaneses. País que não conheço, mas pelo qual sinto, e sinto muito – no compromisso com o humano, e contra a bestialidade, seja lá de que lado este mal esteja, não importando de onde venha – pelo coro da violência, que é a mesma, no Rio, em São Paulo, Bagdá, Jerusalém, ou Lahore. Sinto muito. Mas, “o olho que existe é o que vê”, eu sei.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

UMA PEDRA NO MEIO DO COW MINHO















Sentada ao lado do poeta Drummond uma vaca lê. De costas para o mar de Copacabana, de olhos afundados na leitura, uma vaca, de patas cruzadas e rabo muito bem agasalhado, lê com toda a atenção, com uma concentração jamais vista entre os leitores humanos. Ali, parada nas palavras secretas do livro, na articulação da voz do autor com sua própria voz, a vaca se desliga do mundo e se petrifica diante do encanto do livro, da magia empedernida da leitura, remoendo palavras, ruminando um destino qualquer.

O que diria Drummond sobre dividir seu banquinho com uma vaca, em tempos de cultura pop e pós-moderna, seja lá o que for tal conceito? O que será que ela lê? Um manual de técnicas veterinárias? “Como negar leite ao seu dono pela manhã”?, “Como vencer o brejo em cem passos”? Mas talvez esses assuntos não sejam tão encantadores assim. Será que lê uma antologia poética do velho Drummond? Boitempo I?, Boitempo II?

Uma vaca sentada ao lado de um de nossos maiores poetas é surreal. Vem de Lautreamont, vem de Aragon, de André Breton? Ou será apenas uma cena idílica pintada por Dali, num momento de profunda depressão? Será uma vaca de nariz sutil? Sim. Ela tem, portanto, bom faro para a leitura. Seu olhar perscruta a vida e a arte. É uma junção do belo com a simpleza das mentes atuais, da criatividade moderna, que não sabe para onde ir, mas sabe que tem de criar impacto, enquanto a vaca passa. Mas a vaca não passa. Ela está sentada no banco de Drummond, lendo o poema de sete faces. A vaca, meu Deus, está parada!