quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Literatura e reflexão

Ler não é o bastante. Mas a leitura é oxigenadora de um tipo de vida dominante, a que nos trouxe para a modernidade, para o rico universo simbólico e tecnológico em que vivemos agora. E a literatura tem certa responsabilidade nisso, seja impulsionando os melhores cérebros, ou possibilitando a diversidade de mundos, forçando-nos a compreender nossa própria complexidade.

Nesse sentido, a literatura que expõe a vida como “o choque impiedoso do eu contra o mundo”, segundo Giulio Carlo Argan, e que nos dá certa dimensão da existência e até joga luz sobre nossa identidade, é de suma importância. Um dos escritores brasileiros mais significativos das últimas décadas, justamente por escrever romances tão reveladores de nossa alma e do choque transformador que se dá entre o Brasil rural e as grandes cidades, é Luiz Ruffato.

Mineiro de Guataguases, interior do Estado, Ruffato é filho de um pipoqueiro semianafalbeto e de uma lavadeira analfabeta. O contato com os livros, as leituras fortuitas e depois as sistematizadas fizeram dele jornalista e escritor. E veio para modificar a estética literária. Seus romances trazem um discurso diferente do que se costuma ver até mesmo no chamado ciclo regionalista.

Seus livros, quase todos, mas principalmente a pentalogia Inferno Provisório (Mamma, Son Tanto Felice, O mundo Inimigo, Vista Parcial da Noite, O Livro das Impossibilidades e Domingos Sem Deus), falam de homens que saem do campo e das pequenas cidades rumo às metrópoles, mas não em um enfoque centralizador, elitista. Pelo contrário. Parte da periferia para o centro, com inúmeras vozes de homens e mulheres buscando um lugar ao céu. Na maioria das vezes, essas pessoas só encontram as duras penas do inferno, entre oásis de contentamento.

Ruffato, no entanto, é consciente de sua arte, e sabe dar vida a seu comboio de almas. Não se trata de um feixe de miséria e de pobreza exposto à luz da literatura. Trata-se de uma riqueza humana, de sujeitos que se constroem à revelia do Estado que os ignora, e que seguem suas vidas, completando o bojo da nossa sociedade. Somos muitos como os retratados pelo romancista mineiro.

Quem lê seus livros é capaz de perceber que ali, bem antes do entendimento da palavra, vem o sentimento, a emoção fisgada do vivido. Ruffato retrata o drama social, as diferenças e o impacto da metrópole sobre a alma interiorana de forma pungente. Ele nos dá uma outra dimensão da vida.

Em discurso proferido na Feira do Livro de Frankfurt, em outubro de 2013, ele diz que “a literatura tem o papel de fazer uma reflexão da sociedade.” É nisso que ele acredita, e é por esse viés que sua obra nos toca. Não deve ser este o único papel da literatura, mas sem dúvida é um dos mais importantes. A linguagem escrita nos tornou complexos, e a literatura pode ao mesmo tempo nos aprofundar nesse veio humano e também nos revelar essa complexidade.

(Gilberto G. Pereira. Publicado originalmente em O Popular, 23/01/2014)