Para quem Philip Roth escreveu Operação Shylock, publicado no Brasil em 1994? Para todos? Para ninguém? De toda a obra polêmica, provocativa e deliciosa do escritor americano esta é sem dúvida a mais alfinetadora da condição judaica.
Depois dele, Roth escreveu vários outros, entre os quais, O teatro de Sabbath, Pastoral Americana, um de seus melhores romances, e recentemente, Complô contra a América e A marca humana. Operação se diferencia dos demais pela contundência com que o autor ataca seus irmãos.
Roth foi o enfant terrible dos judeus do pós-guerra nos Estados Unidos. Filho de família judia, nasceu em 1933, na pequena Newark, New Jersey. Aos 26 anos publicou seu primeiro livro, Goodbye, Columbus, em que usa o humor e a ironia para espinafrar seus pares.
Em 1969 lançou um dos livros mais comentados na década seguinte nos Estados Unidos: Complexo de Portnoy; um hino ao sexo e à porralouquice, irreverente, calcado na teoria psicanalítica, em que Alexandre Portnoy é um sujeito viciado em masturbação, e que não consegue esquecer a mãe por nenhum segundo, em tudo que faz.
Foram tantos romances maravilhosos e cheios de artimanhas de linguagem até Operação Shylock que um jornalista americano, ao resenhar o livro, chegou a perguntar: “o que falta aparecer nas obras de Roth?”, e responde: “o próprio Roth em dose dupla”.
Não mais. Em Operação Shylock, o autor mistura ficção e realidade e aparece ele mesmo como o escritor famoso Philip Roth e um sósia que se faz passar por ele, em Israel, articulando uma campanha estranha, a fim de arrecadar dinheiro para levar os judeus de volta à Europa.
E aí começa toda a confusão. As alfinetadas apontam para o dorso fino daqueles judeus que pregam sua eterna condição de vítima. Quem toca nesse assunto sempre corre o risco de uma acusação de anti-semitismo. Mas é Roth quem fala, um igual, e aqui segue apenas o que se passa em seu polêmico romance.
Em certa passagem, por exemplo, um árabe chamado Ziad que mora em Jerusalém e é amigo do Roth escritor, lhe diz: “Adorei o Complexo de Portnoy, Philip. É sensacional! Passo-o para meus alunos na universidade. ‘Aqui está um judeu’, eu digo a eles, ‘que nunca teve medo de dizer o que pensa sobre os judeus. Um judeu independente, e tem sofrido por isso, também.’ Tento convencê-los de que existem judeus no mundo que não são absolutamente como os que temos aqui. Mas pra eles o judeu israelense é tão mau que acham difícil acreditar. Olham em volta e pensam: que foi que eles fizeram? Cite uma única coisa que a sociedade israelense tenha feito! E, Philip, meus alunos estão certos – quem são eles? Que fizeram? As pessoas são rudes, barulhentas e empurram a gente nas ruas. Eu morei em Chicago, em Nova York, em Boston, morei em Paris, em Londres, e em lugar nenhum vi gente assim na rua. Que arrogância! O que criaram eles como vocês judeus lá fora no mundo? Absolutamente nada. Nada além de um Estado fundado na força e na vontade de dominar.”
O esquema da obra se estrutura como histórias extraídas de um diário de Philip Roth. O que é uma farsa. Não é de fato o Roth tal como se conhece, embora pretenda sê-lo. Pretende ser o homem e não a ficção do homem, mas não o é.
Para começar, Roth aborda o caso real de John Ivan Demjanjuk, que em 1988 foi acusado de executar judeus no campo de concentração de Treblinka, como operador da câmara de gás, na Segunda Guerra Mundial. Demjanjuk fora encontrado em Cleveland, nos EUA, como operário da indústria automobilística e levado a Israel para julgamento.
Mas a história é só um pretexto para Roth fazer sua ficção. No ano do julgamento de Demjanjuk, Philip Roth descobre que o tal sósia está em Jerusalém, agindo em seu nome por uma causa pouco convencional, o diasporismo. E resolve viajar para lá, sob o pretexto de entrevistar um escritor, seu amigo, como de fato o faz, mas no fundo o que quer mesmo é saber mais sobre o usurpador.
O falso Roth – que a certa altura da história passou a ser chamado de Moíshe Pipik, por Roth – havia publicado um artigo dizendo que os judeus deveriam voltar para a Europa, que lá era mais a sua casa do que o próprio Estado de Israel, e que, ao voltarem, eles estariam impetrando uma vitória a Hitler e ao nazismo.
O sionismo deve acabar, dizia ele. Hitler foi um problema menor do que é o conflito com os palestinos, dizia ele. A idéia de um extermínio dos judeus em Israel com uma bomba atômica é menos absurda hoje (década de 80) do que era a do Holocausto naquela época. Era a tese do falso Roth.
E nesse esqueminha montado pelo autor, a trama se desenvolve com uma liberdade incrível para falar do que ele quiser sobre os judeus, a favor e contra, porque no fim das contas o responsável pela história toda é o falso Roth, o Moíshe Pipik, que em iídiche quer dizer Moisés Umbigo, significando um sujeito, pejorativamente, pregador de peças.
Quem não se lembra do E.T. de Spielberg, quando o garotinho descobre a criatura na dispensa da casa e diz que há alguém lá, e ninguém acredita, e sua mãe o chama de Pipik? Pois é. Eis aqui o Pipik de Roth, ou seu próprio lado pícaro, risonho e travesso, cujo propósito é dar algumas cutucadas na história de seu povo.
Trechos:
“Os judeus têm fama de serem inteligentes, e são inteligentes. O único lugar em que estive onde todos os judeus são burros é Israel.” (Ziad, p. 112)
“Sabem o que é um judeu? Um judeu é um árabe que nasceu na Polônia.” (numa fita gravada pelo falso Roth, uma fita inteira de ofensa aos judeus, logo ele, que se dizia defensor da causa judaica, né!; p. 229)
“‘O Mossad vai mandar me matar, como fez o aiatolá com Rushdie?”’ (Philip Roth narrador, p. 342)
O falso Roth havia fundado uma associação, a A-SA: Anti-Semitas Anônimos; um grupo de recuperação de pessoas que odeiam os judeus (puro sarcasmo de Roth), que tem até uma lista com dez princípios anti-semitas. Eis alguns desses princípios:
“1) Admitimos que somos pessoas de ódio, inclinadas ao preconceito e impotentes para controlar nosso ódio.
“4) Nossos problemas de dinheiro não são criação dos judeus, mas nossa.
“5) Nossos problemas de emprego não são criação dos judeus, mas nossa (e também nossos problemas sexuais, conjugais, comunitários).
Depois dele, Roth escreveu vários outros, entre os quais, O teatro de Sabbath, Pastoral Americana, um de seus melhores romances, e recentemente, Complô contra a América e A marca humana. Operação se diferencia dos demais pela contundência com que o autor ataca seus irmãos.
Roth foi o enfant terrible dos judeus do pós-guerra nos Estados Unidos. Filho de família judia, nasceu em 1933, na pequena Newark, New Jersey. Aos 26 anos publicou seu primeiro livro, Goodbye, Columbus, em que usa o humor e a ironia para espinafrar seus pares.
Em 1969 lançou um dos livros mais comentados na década seguinte nos Estados Unidos: Complexo de Portnoy; um hino ao sexo e à porralouquice, irreverente, calcado na teoria psicanalítica, em que Alexandre Portnoy é um sujeito viciado em masturbação, e que não consegue esquecer a mãe por nenhum segundo, em tudo que faz.
Foram tantos romances maravilhosos e cheios de artimanhas de linguagem até Operação Shylock que um jornalista americano, ao resenhar o livro, chegou a perguntar: “o que falta aparecer nas obras de Roth?”, e responde: “o próprio Roth em dose dupla”.
Não mais. Em Operação Shylock, o autor mistura ficção e realidade e aparece ele mesmo como o escritor famoso Philip Roth e um sósia que se faz passar por ele, em Israel, articulando uma campanha estranha, a fim de arrecadar dinheiro para levar os judeus de volta à Europa.
E aí começa toda a confusão. As alfinetadas apontam para o dorso fino daqueles judeus que pregam sua eterna condição de vítima. Quem toca nesse assunto sempre corre o risco de uma acusação de anti-semitismo. Mas é Roth quem fala, um igual, e aqui segue apenas o que se passa em seu polêmico romance.
Em certa passagem, por exemplo, um árabe chamado Ziad que mora em Jerusalém e é amigo do Roth escritor, lhe diz: “Adorei o Complexo de Portnoy, Philip. É sensacional! Passo-o para meus alunos na universidade. ‘Aqui está um judeu’, eu digo a eles, ‘que nunca teve medo de dizer o que pensa sobre os judeus. Um judeu independente, e tem sofrido por isso, também.’ Tento convencê-los de que existem judeus no mundo que não são absolutamente como os que temos aqui. Mas pra eles o judeu israelense é tão mau que acham difícil acreditar. Olham em volta e pensam: que foi que eles fizeram? Cite uma única coisa que a sociedade israelense tenha feito! E, Philip, meus alunos estão certos – quem são eles? Que fizeram? As pessoas são rudes, barulhentas e empurram a gente nas ruas. Eu morei em Chicago, em Nova York, em Boston, morei em Paris, em Londres, e em lugar nenhum vi gente assim na rua. Que arrogância! O que criaram eles como vocês judeus lá fora no mundo? Absolutamente nada. Nada além de um Estado fundado na força e na vontade de dominar.”
O esquema da obra se estrutura como histórias extraídas de um diário de Philip Roth. O que é uma farsa. Não é de fato o Roth tal como se conhece, embora pretenda sê-lo. Pretende ser o homem e não a ficção do homem, mas não o é.
Para começar, Roth aborda o caso real de John Ivan Demjanjuk, que em 1988 foi acusado de executar judeus no campo de concentração de Treblinka, como operador da câmara de gás, na Segunda Guerra Mundial. Demjanjuk fora encontrado em Cleveland, nos EUA, como operário da indústria automobilística e levado a Israel para julgamento.
Mas a história é só um pretexto para Roth fazer sua ficção. No ano do julgamento de Demjanjuk, Philip Roth descobre que o tal sósia está em Jerusalém, agindo em seu nome por uma causa pouco convencional, o diasporismo. E resolve viajar para lá, sob o pretexto de entrevistar um escritor, seu amigo, como de fato o faz, mas no fundo o que quer mesmo é saber mais sobre o usurpador.
O falso Roth – que a certa altura da história passou a ser chamado de Moíshe Pipik, por Roth – havia publicado um artigo dizendo que os judeus deveriam voltar para a Europa, que lá era mais a sua casa do que o próprio Estado de Israel, e que, ao voltarem, eles estariam impetrando uma vitória a Hitler e ao nazismo.
O sionismo deve acabar, dizia ele. Hitler foi um problema menor do que é o conflito com os palestinos, dizia ele. A idéia de um extermínio dos judeus em Israel com uma bomba atômica é menos absurda hoje (década de 80) do que era a do Holocausto naquela época. Era a tese do falso Roth.
E nesse esqueminha montado pelo autor, a trama se desenvolve com uma liberdade incrível para falar do que ele quiser sobre os judeus, a favor e contra, porque no fim das contas o responsável pela história toda é o falso Roth, o Moíshe Pipik, que em iídiche quer dizer Moisés Umbigo, significando um sujeito, pejorativamente, pregador de peças.
Quem não se lembra do E.T. de Spielberg, quando o garotinho descobre a criatura na dispensa da casa e diz que há alguém lá, e ninguém acredita, e sua mãe o chama de Pipik? Pois é. Eis aqui o Pipik de Roth, ou seu próprio lado pícaro, risonho e travesso, cujo propósito é dar algumas cutucadas na história de seu povo.
Trechos:
“Os judeus têm fama de serem inteligentes, e são inteligentes. O único lugar em que estive onde todos os judeus são burros é Israel.” (Ziad, p. 112)
“Sabem o que é um judeu? Um judeu é um árabe que nasceu na Polônia.” (numa fita gravada pelo falso Roth, uma fita inteira de ofensa aos judeus, logo ele, que se dizia defensor da causa judaica, né!; p. 229)
“‘O Mossad vai mandar me matar, como fez o aiatolá com Rushdie?”’ (Philip Roth narrador, p. 342)
O falso Roth havia fundado uma associação, a A-SA: Anti-Semitas Anônimos; um grupo de recuperação de pessoas que odeiam os judeus (puro sarcasmo de Roth), que tem até uma lista com dez princípios anti-semitas. Eis alguns desses princípios:
“1) Admitimos que somos pessoas de ódio, inclinadas ao preconceito e impotentes para controlar nosso ódio.
“4) Nossos problemas de dinheiro não são criação dos judeus, mas nossa.
“5) Nossos problemas de emprego não são criação dos judeus, mas nossa (e também nossos problemas sexuais, conjugais, comunitários).
“6) O anti-semitismo é uma forma de fuga da realidade, uma recusa a pensar honestamente em nós mesmos e em nossa sociedade”. (p. 91).
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