segunda-feira, 5 de maio de 2008

TINHORÃO JÁ CHAMOU OS BAIANOS DE ANALFABETOS: mas não fez sucesso

Quem faz afirmações que não traduzem o íntimo de si mesmo pode não ser do mal, sem dúvida. Mas traduz certa capciosidade ou burrice. Eis aí uma ambigüidade perigosa.

O coordenador da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Antonio Natalino Manta Dantas, renunciou ao cargo nesta semana, após ter declarado que os baianos têm "déficit de inteligência" (declaração idiota e inconseqüente), por terem deixado a faculdade cair no conceito do MEC.

O curioso é que, em agosto de 2004, o crítico e historiador da música José Ramos Tinhorão também teve seu dia de Manta Dantas (ou teria sido o contrário?). Numa entrevista ao Caderno Mais!, da Folha de São Paulo, passa-se o seguinte:

Folha de S. Paulo: Sobre Gilberto Gil?

José Ramos Tinhorão: Os baianos são impressionantes, são semi-analfabetos inteligentíssimos. Apanham as coisas no ar com uma grande facilidade, captam e conseguem coisas impressionantes.

Já viu Gilberto Gil falando? Esses discursadores do povo, como têm pouca cultura, são pernósticos. Você ouve, aquilo é bonito. Mas, se pára para pensar depois, você diz: "Mas o que ele falou?". Não falou nada de importante.

Mas de repente o cara produz um treco que é uma das coisas mais originais de toda a música popular brasileira, que é "Domingo no Parque" (67). Na parte da melodia, a novidade é que parte do ritmo monocórdio de um berimbau de capoeira.

O cara parte de algo tão rudimentar quanto um ritmo de uma corda só e constrói uma história fantástica, conta uma história resultando num todo de letra e música completamente fora de padrão.

Aquilo não é samba, não é canção propriamente dita, não é uma canção sentimental. É uma história contada-cantada, mas admirável pela originalidade. E, ao mesmo tempo em que faz isso, é compositor jamaicano, essas baboseiras.

FSP: Não é exagero seu tratar Gil e Caetano, que são homens cultos, como "semi-analfabetos"?

JRT: Não. É cultura de almanaque. Acho que nenhum deles leu nenhum livro do princípio ao fim. Leram gibi. Pela obra de Caetano dá impressão que o cara leu muito, mas não acredito. Não, é divinatório mesmo.

(In: Era uma vez uma canção. Mais!, FSP, 29 de agosto de 2004)

Não me lembro de ter lido qualquer protesto sobre esta entrevista. Tinhorão não obteve a repercussão que queria, enquanto Dantas teve a que não desejava.

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