sábado, 25 de abril de 2015

O Messias das essências

Como diz Bloom, vivemos em uma era em que a sensação (vídeos, imagens, sabores) nega o pensamento. Um cara percebeu isso na década de 1980, Patrick Süskind, e escreveu O perfume, delicioso e original best-seller em torno de um sujeito completamente marginalizado e parvo (estúpido, não sabia pensar, não sabia usar as palavras na consciência), largado pela mãe instante após ser parido, e criado como um animal caseiro por um bruto qualquer, na Paris do século XVIII.

Jean-Baptiste Grenouille, o personagem de Patrick Süskind, não exalava cheiro nenhum. Desse modo, nenhum tipo de animal o estranhava, a não ser os homens, que julgam pela aparência antes de julgar por qualquer outra coisa. Ele não exalava cheiro, mas era capaz de sentir o cheiro de qualquer coisa e diferenciar suas nuanças. Cada coisa, cada ser (mineral, vegetal e animal) tem um cheiro geral e tonalidades odorais que os particularizam.

Grenouille foi ignorado pela capacidade do pensamento imediato, nasceu náfego desse potencial humano, e por isso jamais conseguiu convocar as palavras para apoderar-se do pensamento mediato e racional. Mas a natureza é incrível. E Grenouille, por mais diferente que seja de sua espécie, também faz parte da natureza. Começou a sentir o poder da consciência ao organizar o cheiro, e o mundo tornou-se uma realidade incrível para ele.

Descobriu que podia valorar o mundo pelo aroma. Jurou para si mesmo que havia encontrado o segredo da beleza absoluta, da bondade verdadeira, sabia que se tratava de um fenômeno que tinha um perfume original e poderoso, do qual só ele conhecia a fórmula. Já aqui Grenouille sentia-se um Messias das essências.

O filme é muito fraco para explicar a ideia original de Süskind por trás do romance que ele escreveu. Mais fica aqui um aperitivo do livro:

“Há sempre um poder de convicção no perfume que é mais forte do que as palavras, do que o olhar, sentimento e vontade. O poder de convicção do aroma não pode ser descartado, entra dentro de nós como o ar em nossos pulmões, nos ocupa completamente, não há antídoto contra ele.”

E o despertar da consciência de Grenouille: “Quem dominasse os odores, dominaria o coração das pessoas.”


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terça-feira, 7 de abril de 2015

Quiero, de Marta Rodrigues Santamaria


                            Foto: Daniel Garcia/AFP/2013

Marta Rodrigues fotografada em mostra sobre
os cem anos do nascimento de Vinicius no RJ


La luz
se transformó en tormenta
y la pasión encerrada
encarcelada
y sedienta
camina por los bordes
- tienes -
de mi cuerpo.

Quiero
hundirme en tu mar
y sus instantes
quiero tu rayo en mi noche
tu lluvia y el cansancio
quiero la muerte
y el silencio
quiero la vida y la locura.

Quiero el cielo y el infierno.
y tu ternura.


O poeminha acima, Quiero, não seria nada demais se não fosse feito por uma das mulheres de Vinicius de Moraes, Marta Rodrigues Santamaria (foto), que o roubou de Gesse Gessy, em 1975. Marta, argentina, escrevia poesia, e nos vem com esse, falando de instantes e mar. Quem mandou o poeta falar tanto de infinito, instante, eterno, mar? Quem mandou? Mas ela fecha o poema muito bem. Não é de todo ruim.

A gente que não sabe inventar é tão exigente com a invenção alheia, não é mesmo? Ok, é razoável. Ok, cintila imagens em torno do bardo carioca. Ok, ela é no mínimo uma ótima leitora da poesia de Vinicius, e não a copia aqui, faz uma leitura amorosa. Uma leitura atenta, e demonstra isso ao rimar corpo com morte.

Ok, há lá em cima céu e inferno, e cá em baixo luz e tormenta. E rima loucura com ternura. Uma rima pobre, mas, ok, traduz a inquietude do amor, a sofreguidão do desejo. Que amor é esse, meu Deus! O amor é mesmo como um rio, “noturno, interminável e tardio.” Vinicius for ever.

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