quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

O fim de Umberto Eco

                             Foto: AP Photo/Luca Bruno/2010
Umberto Eco: "Ser culto não significa necessariamente ser inteligente"

A morte de Umberto Eco (1932-2016) deixa um vazio tremendo no espírito dos interlocutores da literatura. Ele foi um dos últimos autores-leitores, daqueles que demonstravam prazer em ler e escrever sobre o que aprendia nas leituras. Tinha prazer em falar do prazer da leitura. A companhia real de Eco não era presenciada apenas pelos amigos de fato, era também sentida pelos que liam seus livros, seus textos na coluna publicado na seção de notícias Internacionais do Portal do UOL ou suas entrevistas. Ele era um espírito vivo e atuante do mundo do livro.

Lendo Umberto Eco, aprendi uma série de coisas. Eu poderia citar vários aprendizados dos 15 livros que li de seus mais de 40 livros publicados. Mas cito três coisas importantes que trago comigo e que certamente surgiram de suas leituras. A primeira delas é senso comum: o entendimento de que um livro pode conter elementos eruditos e populares de modo igualmente brilhante e instigador, como em todos os seus romances.

Outra coisa igualmente importante é a ideia de que a literatura é uma floresta imensa de informação estética, ética e lúdica. Foi com esse espírito, depois de ter lido Seis passeios pelo bosque da ficção, que li sem medo, apenas com um frio na barriga por adentrar em tão frondosa mata, Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust, procurando entender o caminho de Swann como uma marcação para poder voltar e me aventurar de novo, e do mesmo modo, os volumes seguintes, e assim fui entendendo o grandioso jogo que me ensinava a história da arte, a história da literatura, a história da música, e a filosofia profunda dos sete tomos do romance-rio de Proust. Só mais tarde, li um livro esclarecedor de Gilles Deleuze, Proust e os signos.

Um terceiro aprendizado, dos inúmeros que tive com a companhia de Eco, foi a questão das listas, no livro A vertigem das listas. Antes, quando eu me deparava com um ror de nomes e coisas enfileirados numa narrativa, eu os colocava na conta da enumeração, figura sintática que aprendi no estudo da língua portuguesa. Essa enumeração está em várias narrativas. Em Grande sertão: veredas, Riobaldo enumera uma fila imensa de pessoas de jagunços. Em As coisas – uma história dos anos sessenta, de Georges Perec, há diversas listas. Mas só vim me ater a isso como construção, como elemento estrutural de uma narrativa com Eco, que cita Homero para começar a vertigem das listas, mostrando quando elas são necessárias e por que são importantes na narrativa.

Além disso, há os livros difíceis de Eco, que leio repetidas vezes para entender como funcionam certos elementos da semiótica e dos estudos da literatura, e repetidas vezes eles me escapam, como Semiótica e filosofia da linguagem, Interpretação e superinterpretação,  Obra aberta, Lector in fabula. Mas há os divertidos, como Não contem com o fim do livro, diálogo transcrito com Jean-Claude Carrière, em que dois cérebros privilegiados discutem sobre literatura e cultura.

Eco se foi. Poucos de seu quilate de autores-leitores ainda estão por aqui, como Harold Bloom (85 anos), mas que também já está na vertigem da lista dos que morrerão. Ninguém é imortal em sua cápsula da vida. Homens como Eco, no entanto, permanecerão no registro da existência e no interesse dos que têm alma, sempre.

Que descanse em paz.


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