segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Entre o equívoco e a provocação: as tiradas de Pondé

Na Ilustrada (Folha de S. Paulo) desta segunda-feira, o professor de filosofia Luiz Felipe Pondé escreveu mais uma de suas provocações. Ele é bom nisso, é inteligente, mas menos do que gostaria de ser ou pensa que é. Não que eu seja melhor que ele, longe disso, mas, mesmo não sabendo dirigir, sei quando um motorista entra na contramão ou faz ultrapassagem ilegal.

No caso de Pondé, o que ele faz de irreverente, ou contrário à lógica das coisas, o faz mais para chocar e persuadir. Mas de vez em quando é possível que se enrole tanto em seu ego sinuoso que acaba falando bobagem por absoluta convicção.

Ao falar de Nelson Rodrigues (engrossando a fileira das homenagens ao dramaturgo, em que todo mundo cita as mesmas frases, as mesmas situações, ‘nem toda mulher gosta de apanhar, só as normais’, ‘toda unanimidade é burra’), ele atrela a ideia de que “a mulher que nunca encenou "sua" prostituta no sexo nunca fez sexo”.

Afirmações desse naipe nos levam a crer que, ou Pondé tem um desejo fortíssimo de ser mulher a ponto de sentir os mesmos desejos e sentimentos, os mesmos espirais de alma e consciência, ou Pondé é de fato uma mulher encalacrada num corpo de homem, o que dá no mesmo. Não digo isso de sacanagem ou porque estou revoltado com ele, não. É só uma tentativa de entender como um homem pode ter tanta convicção sobre a alma feminina.

Os escritores, os grandes, conseguem pescar diversos ângulos desse universo misterioso, e dos que leio, nenhum deles chega a conclusões tão rápidas e claras. Tudo fica nebuloso, entre a delícia e o espanto.

Mas, voltando a Pondé. Nesta segunda-feira, ao homenagear Nelson Rodrigues, ele descamba a falar do amor. E diz, citando "o anjo pornográfico": “‘Dinheiro compra até amor verdadeiro.’ Imaginemos duas situações hipotéticas.”

“Hipótese 1: alguém convida você para um longo fim de semana na costa amalfitana na Itália. Executiva, hotel charmoso, longas caminhadas por ruas quietas e antigas, sem pressa, vinho (não "bom vinho" porque isso é papo de pobre querendo parecer rico, do tipo que os jovens chamam de "wannabe", gente que queria ser chique, mas não é).

“Hipótese 2: alguém te convida para um fim de semana longo na Praia Grande, você pega oito horas de Imigrantes, trânsito infernal, o carro ferve, você fica na estrada esperando o socorro da Ecovias. Chega lá, apartamento apertado, cheiro de churrasco na laje por toda parte. Crianças dos outros gritando em seu ouvido.

“Onde você acha que o amor verdadeiro nascerá? Se responder "hipótese 2", é mentiroso ou não sabe nada acerca dos seres humanos, vive num aquário vendo televisão e se olhando no espelho.”

Pondé tem mínimas chances de estar correto. O amor nasce e morre em qualquer lugar. E não nasce absolutamente apenas entre duas escolhas, em que numa o dinheiro borbulha e noutra a balbúrdia e a sequidão imperam. Se fosse assim, seria impossível o amor nos lugares mais terríveis, entre bichos e vida precária. Mas nasce. Acredite, leitor, nasce e morre do mesmo jeito em mil e uma possibilidades.

Apaixonar-se num passeio na costa amalfitana na Itália pode ser amor, sim, mas também pode ser fruto do fascínio, que não durará muitos sóis. Acho que Pondé está querendo ser, talvez se ache, um espírito iluminado nos moldes de Mencken, Luciano de Samósata, Nietzsche. Mas não é. Mistura com muita facilidade verdades comuns com tiradas inteligentes e estultícias megalomaníacas.

Essas peripécias do desejo da mulher injetadas na opinião pública como a grande verdade, a mim me parece ser apenas mais um rio nos intermináveis planaltos e planícies que é a topografia da alma feminina.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

O rebu em torno de Paulo Coelho

Lit Reactor

“Se você disseca Ulysses, dá um tuíte.” A frase de Paulo Coelho que sacudiu o mundo das letras, que levou gente supostamente educada e entendedora de linguagem e viagem literária a levantar os punhos imaginários contra o mago é uma das coisas mais geniais que ele já disse.

Se eu tivesse tempo e talento, se eu fosse editor de um grande veículo, perderia algumas horas de meus dias editando os melhores livros do mundo no espaço de um tuíte. Já imaginou Em busca do tempo perdido em 140 toques? Quão profundo seria cada tuíte!

Não quero aqui fazer anedota, mas lembro-me ter lido que, quando os terroristas de Bin Laden meteram dois aviões cheios de gente nas torres gêmeas, e nos dias seguintes a imprensa não falava em outra coisa, o compositor alemão Karlheinz Stockhausen (1928-2007) disse que aquela colisão era a maior obra de arte da história.

Ainda não existia a engenhoca virtual, mas Stockhausen resumiu o sublime do fato inteiro, com toda a dor e espanto, o desespero e o arroubo de coragem e valentia americana na sequência, em apenas 25% do espaço que exige o tuíte. É claro que o mundo reagiu à leitura do sábio artista. Sua filha chegou a chamá-lo de velho demente. Faz parte.

Voltemos ao Paulo Coelho e sua sacada, ou estocada. Seria bonito ver a explosão reveladora de Ulisses em 140 toques. O autor de Na margem do rio Piedra eu sentei e chorei não disse com esse viés poético, foi ironia pura, mas isso não arranca pedaço e só ofende os tapados de ouvidos e de olhos, só espinafra mesmo os que não sabem ouvir sereias.

Essa semana, Coelho voltou a tocar no assunto, em função da polêmica gerada. Um jornalista britânico disse que o risinho que Coelho tirou da cartola foi um insulto aos leitores de James Joyce, e o mago mais mágico do mundo (que fez sua conta engordar midasmente escrevendo livros de narrativas fáceis) reagiu, em entrevista à Folha de S. Paulo: “E meus leitores, insultados todos estes anos?”

Paulo Coelho foi genial. Eu morri de rir (depois ressuscitei lendo Shakespeare) quando vi a entrevista que trazia a frase. É bom lembrar que genialidade não quer dizer eficácia, quer dizer algo feito ou dito de maneira extraordinária. É extraordinário perceber mister Rabbit com essa coragem toda em pleno lançamento de mais um livro. Bravo!

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Polícia confunde homem com criminoso e o humilha

Senhoras e senhores esta é a nossa polícia. Este blog não tem nada a ver com a violência ou com a política, é um blog que se pretende alienado dos assuntos diários, porque se for se ocupar deles, a literatura sai perdendo.

A literatura serve justamente para romper com a estabilidade da mesmice, romper com a monotonia da vida prática e apontar novas perspectivas de sentimento, de ideias, alcançar outros pontos de prazer estético que nos iluminam a via escura da existência.

Mas às vezes é preciso jogar um pouco de realidade em nosso campo, um tipo de realidade cotidiana que precisa ser mudada. Ninguém pede à polícia que dê tapinha nas costas de bandido, pede apenas que cumpra a lei, siga as normas do Estado democrático de direito e pare de fomentar a violência. Tem o monopólio dela, e por isso mesmo deve ter a responsabilidade de saber contê-la e não disseminá-la.

Segue o texto publicado no site do UOL desta quinta-feira, 2. Esse tipo de ação desastrosa e violenta sempre acontece, não é fato isolado coisa nenhuma. Fato isolado é a informação disso na mídia.

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Careca após químio, homem é confundido com criminoso em SP

LAURA CAPRIGLIONE
JOEL SILVA
DE SÃO PAULO

O fotógrafo Lecio Panobianco Jr., 52, denuncia que, na última segunda-feira, foi obrigado por soldados do Tático Móvel da PM a passar duas horas em pé na avenida Sapopemba (zona leste de São Paulo), diante de seus vizinhos e, segundo ele, com uma submetralhadora apontada para o abdome, sendo xingado aos gritos de "ladrão sem vergonha", "careca safado", "vagabundo" e "cara de quem não vale nada".

O detalhe é que que Panobianco tem um câncer grave na região inguinal. Por causa disso, enfrenta agora a terceira temporada de quimioterapia, na tentativa de reduzir a velocidade de crescimento de um tumor invasivo. Ainda terá de enfrentar uma cirurgia. Tem aspecto doentio, perdeu os cabelos, está fraco.

"Eu sinto muito frio na cabeça, por isso ando sempre de gorro. Percebi que o tenente não gostou da minha aparência. Até reconheço que pareço um dependente, um drogado. Mas minha droga é a quimioterapia", disse.

O fotógrafo tentou esclarecer os policiais sobre a doença. "Foda-se você e sua quimioterapia", respondeu-lhe um tenente, afirma ele.

A abordagem da PM foi motivada pela denúncia de uma mulher. Ela e o marido estacionaram o automóvel Gol em que se encontravam na avenida Sapopemba e separaram-se. Ela dirigiu-se ao supermercado Da Praça, enquanto o marido foi a outras lojas na própria avenida.

Quando saía com as compras, a mulher viu um estranho dentro do seu carro. Correu para chamar o marido. A polícia foi acionada. Quatro carros da Força Tática chegaram ao local, exatamente quando Panobianco, que é vizinho do supermercado, conversava com um pedreiro. A mulher apontou para o fotógrafo e disse: "Foi ele".

Os policiais não perguntaram seu nome e não fizeram verificação de antecedentes.

Funcionários do supermercado e de uma loja de rações animais ao lado tentavam avisar aos PMs de que a denúncia não passava de um engano, que Panobianco era pessoa "de bem", "não é quem vocês estão pensando", mas eles não aliviaram.

Quando tentava falar com os policiais, o fotógrafo tinha de, antes de cada frase, chamá-los de "senhores". O tenente, segundo ele, ainda disse: "Cala a boca. Se eu te levar daqui vai ser muito pior".

Um segurança do Da Praça disse à Folha que foi falar com os policiais, alegando que "bandido nenhum tentaria roubar um carro e depois ficaria por ali, dando bobeira". Sem sucesso.

Foi só quando, enfim, a mulher admitiu que não tinha certeza da sua acusação, que os policiais chamaram o Copom e fizeram a pesquisa sobre antecedentes: "Deu nada consta", lembra o segurança. Soltaram o fotógrafo.

"Não recebi nenhum pedido de desculpas. O sargento mais uma vez me chamou de 'careca vagabundo', mandou eu pegar o gorro no chão e me dispensou", lembra.

Panobianco ainda não foi à Corregedoria por causa do seu estado de saúde. Pretende fazê-lo. "Me senti como um judeu atacado por soldados da SS. Mas eu não tenho mais nada a perder. Cansei de ficar calado", disse.