sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Trilogia Millennium, de Stieg Larsson, vira tetralogia com outro escritor


O jornalista sueco Stieg Larsson (1954-2004) morreu antes de ver sua obra Millennium (trilogia de romances policiais Os homens que não amavam as mulheres, A menina que brincava com fogo e A rainha do castelo de ar) brilhar nas livrarias e no cinema. Os livros foram sacados de seus arquivos após ele morrer e publicados a partir de 2005, e os filmes vieram na cola do sucesso editorial a partir de 2009.

Os herdeiros agora contrataram um escritor profissional (um tal de David Lagercrantz) para escrever o quarto volume, com uma tiragem 2,7 milhões de exemplares, sob o título A garota na teia da aranha (com lançamento mundial, inclusive no Brasil).

Na Suécia, a trilogia foi filmada com a atriz maravilhosa Noomi Rapace fazendo o papel da sexy e sombria hacker Lisbeth Salander, que tem uma vida conturbada, tornando-se órfã, abusada pelo segundo preceptor, e ganha a vida invadindo redes de computadores para serviços de espionagem. Acaba conhecendo o jornalista Mikael Blomqvist, editor da revista Millennium, e ajuda-o a desvendar um crime antigo sobre violência contra mulheres. A partir daí, a vida dela e a do jornalista se costuram nas tramas seguintes.

O sucesso editorial é incontestável. Os três livros juntos já venderam 80 milhões de exemplares. E os três filmes suecos também são muito bons. Mesmo assim, Hollywood achou que deveria fazer uma refilmagem da trilogia, começando pelo primeiro volume, dirigido pelo ótimo David Fincher, sob o título inglês The girl with the dragon tattoo.

Convidaram Rapace para o papel de Salander (pode?), e ela, claro, recusou. “Como eu faria o papel de uma personagem que já fiz? O que pude dar a ela já dei.” Então escolheram outra atriz maravilhosa para o papel, com um nome tão extravagante (aos olhos de um brasileiro) quanto o da sueca, a americana Rooney Mara.

O filme de Fincher é ótimo, foi indicado a cinco Oscar, inclusive o de melhor atriz coadjuvante (Mara), mas só levou o de mixagem de som. A trilogia sueca é tão boa quanto o filme de Fincher, em termos de direção e de atores (mas perde em fotografia e nos recursos técnicos), e sequer foi indicada (nem o primeiro, para ficar nos termos da comparação) a um Oscar de melhor filme estrangeiro.

O projeto inicial de Hollywood era filmar os três volumes também, mas pararam no primeiro. Muitos acham que isso ocorreu porque os produtores demoraram demais, e aí a proposta foi esfriando e perdendo interesse dos investidores. Agora parece que não vai haver a sequência. Mas o buraco é mais embaixo. Se olharmos os orçamentos de ambas as produções, comparando o primeiro filme sueco e seu igual americano, a diferença proporcional de faturamento é brutal.

Os homens que não amavam as mulheres original gastou o equivalente a US$ 11,7 milhões e faturou US$ 94 milhões, ou seja, faturou oito vezes mais. Já a produção americana (The girl with the dragon tattoo) gastou US$ 90 milhões e faturou US$ 232 milhões, ou seja, não chegou a três vezes o orçamento, marca que aponta o filme como grande sucesso.

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terça-feira, 18 de agosto de 2015

Da solidão à vertigem de ser plural

Vista parcial do Parque Ibirapuera (2015, domingo por volta das 14 horas): São Paulo é um organismo vivíssimo e em transformação

De 1554 até 1900, São Paulo se restringiu a uma pulsação urbana tímida e solitária nas dependências que se restringiam entre os rios Tamanduateí e Anhangabaú, com poucas saliências além. Bom Retiro, Vila Buarque, Higienópolis eram terrenos de chácaras que começaram a ser loteados nas últimas décadas do século XIX e começo do XX. É nesse período que o censo percebe que a capital está reagindo e começando a crescer, já contando 240 mil habitantes.

Se esta história foi narrada em A capital da solidão, de Roberto Pompeu de Toledo, este mesmo autor adianta o passo para contar como tudo virou, dando início à vertigem do crescimento, em A capital da vertigem: uma história de São Paulo de 1900 a 1954, quando São Paulo completou 450 anos e já tinha 2,8 milhões de pessoas, não apresentando mais os sinais da quietude que lhe fora peculiar durante todos aqueles séculos anteriores.

Os tempos agora eram de faustismo e movimento, com tantas coisas acontecendo simultaneamente. A riqueza do café, a badalação cultural dos modernistas, a chegada de tanta novidade arquitetônica e urbanística, a ocupação dos imigrantes que burlaram a política de substituição dos escravos nas fazendas e se aboletaram na cidade, tudo isso, em poucas décadas, faria a cara de sampa mudar vertiginosamente.

Roberto Pompeu de Toledo já havia provado seu valor de narrador soberbo no primeiro volume, em que diz coisas como: “Para recriar na imaginação a vida de São Paulo nos primeiros anos, é preciso incluir a escuridão, profunda e primitiva, de suas noites. Acrescente-se o silêncio. Talvez seja recomendável adicionar um pouco de tristeza. Era um burgo solitário, o mais solitário de todos.”

O que Toledo fez agora foi ampliar essa verve, mostrando-nos São Paulo e suas mil faces, desde o motor econômico, com a arrojada gestão de Antonio Prado (seu primeiro prefeito), até as novas ideias modernistas que tomaram conta da Pauliceia. Na década de 1920, com a chegada dos revolucionários da estética modernista, os paulistanos, segundo Pompeu de Toledo, já sentiam a sensação de aceleração do tempo “com mais força do que os outros brasileiros.” Eis a vertigem, produzida nos “anos confiantes, em que a cidade ousou tornar-se maior pela força da arte e da cultura”.

A cidade acordada

A vertigem também se dá pelos inúmeros projetos de urbanização da nova São Paulo quando ainda não havia o termo urbanização – entre eles a inauguração do Theatro Municipal, o reordenamento do Vale da Anhangabaú – e pelo aparecimento do primeiro automóvel na capital, o surgimento do cinema, o barulho de todas as coisas da modernidade, acordando a cidade de seu silêncio secular.

Essa aceleração não parou até hoje. Se o autor chamou o período entre 1900 e 1954 de vertiginoso, o que dizer de 1954 para agora, em que a cidade saltou de 2,8 milhões de habitantes para 11 milhões e ainda puxou a seu redor outra dezena de milhões de pessoas? Prudente, Toledo contextualiza: “Perto do que é hoje”, diz ele, a São Paulo dos modernistas ainda ostentava “o ar de vila interiorana.”

Em A capital da vertigem, Toledo demonstra um domínio absoluto da história de São Paulo, transversalizando temas como urbanização, movimentos artísticos, economia, vida noturna e social, política, comportamento, a dinâmica dos setores produtivos, imigração e o problema das águas. O autor não deixa nada de fora da biografia, nem mesmo a ascensão pelo mercado do sexo, narrando histórias de mulheres que alcançaram a alta sociedade paulistana por meio da prostituição de luxo, como Nenê Romano, como ficou conhecida Romilda Machiaverni, protagonista de uma tragédia em que foi assassinada por um dos amantes, Moacyr de Toledo Piza, da alta sociedade, que depois se matou.

Madame Sanchez seria outra figura conhecida da noite de luxo paulistana. Ela teria sido a inspiração para Hilário Tácito (pseudônimo do engenheiro José Maria de Toledo Malta) escrever o romance conhecidíssimo Madame Pommery, “uma aula sobre São Paulo”. Até onde se sabe, Roberto Pompeu, Moacyr Piza e Hilário Tácito dialogam entre si no sobrenome em comum (Toledo), mas não se avizinham no parentesco (mas vá saber).

Os muitos nomes, as muitas coisas

No período narrado por Toledo desfila uma série de eventos históricos e personalidades diversas, muitas das quais se tornariam nomes de ruas. Vemos eventos sinistros como a gripe espanhola e a aparição de nomes importantes na saúde pública do país como Emílio Ribas, Vital Brasil e Adolfo Lutz, a Revolução de 1932 e o surgimento da Semana de Arte Moderna.

Esta última entra para a história imprimindo nomes como Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Monteiro Lobato, Anita Malfatti (descoberta em 1917), Menotti del Picchia, Vitor Brecheret (1920), Juó Bananére (Alexandre Ribeiro Marcondes Machado), o carioca radicado em Sampa Di Cavalcanti, o maranhense Graça Aranha, que entra como medalhão da semana de Arte Moderna de São Paulo (embora “de modernista não tivesse nada”), o intelectual da aristocracia paulistana Paulo Prado, Heitor Villa-Lobos, Tarsila do Amaral (que não participou da Semana de Arte Moderna, porque estava em Paris) etc.

A vertigem está presente na chegada do navio japonês Kasato Maru em Santos (1908) – que faria surgir o Bairro da Liberdade em Sampa – na aglomeração de sonhos e realizações dos italianos, alemães, árabes, no prenúncio dos arranha-céus, na criação da USP (1934), na inauguração do Pacaembu (1940), na inauguração da TV Tupi (1950) etc.

Segundo Augusto Nunes, em sua resenha sobre o livro de Toledo, na revista Veja, o biógrafo da maior metrópole da América do Sul ainda trará à luz um terceiro volume. Pois que venha, e será bem-vindo. Afinal, São Paulo não cessa de produzir e reproduzir suas memórias.

Suas ruas estão cheias de história, e, embora ela se modifique a cada segundo, com novas fachadas de prédios, estabelecimentos que fecham e no lugar abrem outros com novas tendências, a cidade tem um DNA acessível, dentro do qual está o registro da passagem do tempo e de tudo que ela viveu. São Paulo é um organismo vivíssimo, e por isso, ainda hoje, pulsa como um espaço em transformação.

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quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Avesso sentido, o novo livro de Maria Teresa Hellmeister Fornaciari


Maria Teresa Hellmeister Fornaciari é uma escritora tranquila, no que diz respeito à produção. Em 2000, ela apareceu com o livro de poemas Tambores e violinos, e depois partiu para a prosa, publicando a coletânea de contos Encontros e des-encontros, em 2005.

Dez anos depois, ela volta à literatura com seu segundo livro de contos, com um título polifônico, Avesso sentido (11 Editora, 112 páginas, R$ 38), em que avesso, sendo o lado contrário das coisas, pode atrair a ambiguidade da palavra sentido, que tanto pode ser o particípio do verbo sentir, quanto o substantivo querendo dizer orientação, significado, capacidade de sentir ou tantas outras acepções registradas nos dicionários e uso frequente na vida vivida.

O novo livro de  Fornaciari traz 26 contos divididos em cinco grupos, em que a autora parece mais uma vez brincar com a dicotomia dos mundos. “Os contos vieram à tona aos poucos e convergiram, coincidentemente, para esse eixo de sentidos e de sensações que me atraiam e que me faziam, muitas vezes, anotar uma palavra ou uma ideia em lugares ou momentos nada convencionais”, diz ela no release de divulgação do livro.

Avesso Sentido sai pela 11 Editora, pequena casa editorial independente localizada em Jaú, interior paulista. A obra pode ser adquirida pelo site da editora (www.11editora.com.br).

Maria Teresa Hellmeister Fornaciari mora em São Paulo e atualmente trabalha com oficina de escrita para crianças e adolescentes, além de ministrar cursos de aperfeiçoamento de redação para adultos. É mestre em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, tendo trabalhado por mais de 30 anos como professora de Língua e Literatura Brasileira e Portuguesa, sempre incentivando a leitura e a escrita.


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