segunda-feira, 14 de junho de 2010

“Não sou guerrilheira”

Nesta segunda-feira, uma matéria do jornal Folha de S. Paulo mostrou a continuidade de uma luta travada já há alguns anos pela tradutora e blogueira Denise Bottmann, que denuncia casos de plágio de tradução em algumas editoras brasileiras.

Pessoalmente não tenho nada a ver com o trabalho dela, sequer li alguma vez sua tradução, algo que talvez até denuncie minha pouca leitura nesta vida. O que leio de vez em quando são as dicas e comentários de traduções em seu blog Não gosto de plágio. Acho bacana esse combate via blog.

A matéria em questão cobre o fato de a editora Landmark ter sido acusado de plágio por Denise. A editora, por sua vez, a processou. E o quiproquó se fez. Mas o que me chama a atenção e que me faz postar este pequeno comentário é que em entrevista à Folha o editor Luiz Fernando Emediato, que também está envolvido nas acusações de Denise (não em relação à Geração Editorial, que é dele, mas sobre a editora Jardim dos Livros, da qual é sócio) faz uma observação de má fé, a meu ver.

Na matéria da Folha, Emediato afirma que Denise “não é boa tradutora, mas uma ativista”, e diz: “acho que ela faz a coisa certa, mas de maneira errada. Jamais trabalhará para nós.” Este “jamais trabalhará para nós” parece ser desnecessário e um tipo de intimidação também, embora não seja ilegal. Mas a matéria não diz que Denise já pediu emprego para ele.

E é isso que me deixou indignado, mesmo sem ter nada a ver com o peixe. É assim que figurões vivem, pensam e agem? Parece ser um recado: “Olha, para as editoras sobre as quais eu tiver influência, de amizade ou de participação de comando, você jamais trabalhará.”

Segue abaixo, copiado e colado, uma sequência de declarações de Denise, em matéria assinada por Fábio Victor. Não dá para ser apenas um trecho:


"MINHA HISTÓRIA DENISE BOTTMANN, 55
São Paulo, segunda-feira, 14 de junho de 2010

guerrilheira antiplágio

(...)Não existe uma tradução igual a outra. E é por isso que um tradutor é considerado um autor
(...)Compro um exemplar, comparo e vejo que são iguais, que é plágio. Publico no blog
(...)Não tomaram providência, entro no Ministério Público


FABIO VICTOR
ENVIADO ESPECIAL A REGISTRO (SP)


Uma vez, no Orkut, o tradutor Saulo von Randow Júnior comentou que tinha pegado um volume do "Ivanhoé", do Walter Scott, publicado pela Nova Cultural em nome de um fulano de tal qualquer e descobriu que a tradução era idêntica à do Brenno Silveira.

Depois descobri que desde 2001, 2002 Alfredo Monte e o poeta e crítico Ivo Barroso já denunciavam a prática de plágio. Logo a seguir [em 2007], a Folha publicou uma matéria grande sobre a Martin Claret e os plágios [de tradução] de "Os Irmãos Karamázov" [de Dostoiévski] e "A República", de Platão.

Comparei outros volumes da Nova Cultura com a Abril Cultural, tinham nomes diferentes de tradutores e o texto igual. Ôpa, peraí. Dois livros numa coleção só: vamos ver se tem mais. Assim comecei.

Num egroup de tradutores, o pessoal ficou revoltado com essa história toda, e surgiu um blog, "assinado-tradutores". Por divergências internas, saí. Em novembro de 2008, criei o naogostodeplagio.blogspot.com.

TRADUTOR É AUTOR

Não existe uma tradução igual a outra. E é por isso que um tradutor é considerado um autor, é por isso que a legislação, do Brasil e do mundo inteiro, desde 1880, diz que tradutor é autor.

Tendo esse pressuposto, vem a pesquisa sistemática. Você pega "A Divina Comédia": quantas traduções existem? Eu tenho "A Divina Comédia" pela Abril Cultural, com tradução de Hernâni Donato. Como será essa tradução da Nova Cultural em nome de Fábio M. Alberti?

Compro um exemplar, comparo e vejo que são iguais, que é plágio. Copio trechos e publico no blog.

Só passo de uma editora à outra depois de ter esgotado aquele catálogo. Leva umas quatro horas por dia, e uns 15 dias pra eu detectar -até ir atrás, pesquisar as várias traduções existentes, encomendar, receber, comparar e chegar a uma conclusão. Antes de publicar, entro em contato com as editoras. Aí entro no site das livrarias para ver se tiraram de circulação.

Não tomaram providência, entro com pedido de representação no Ministério Público. Tenho 15 pedidos.

Já denunciei 110, 120 casos de plágio, documentados no meu blog. De 16 editoras.
No caso da Landmark, fui avisada [de suposto plágio da tradução] da "Persuasão", de Jane Austen, e do "Morro dos Ventos Uivantes", de Emily Brontë.

Entrei com representação contra a Landmark em maio [de 2009], e em setembro eles entraram com ação contra mim, contra a [blogueira] Raquel Sallaberry, porque deu o link para o meu post, e os provedores dos blogs. Recebi [a notificação] em fevereiro.

MANIFESTO

E aí foi muito bonito, porque alguns colegas -Jório Dauster, Ivo Barroso, Ivone Benedetti e Heloísa Jahn- escreveram um manifesto em minha defesa, que teve quase 3.000 assinaturas.

A Landmark pediu a remoção imediata do blog, aí a coisa se abriu mais, porque pegou a liberdade de expressão na blogosfera -e quem disse isso foi o juiz que indeferiu o pedido de liminar.

Seria uma intimidação a mais -já sofri tanta. Foram duas da Martin Claret, uma notificação extrajudicial, pela editora, e uma ação do sr. Martin Claret -esta o juiz julgou improcedente, eles recorreram e perderam. Agora só cabe recurso no Supremo.

Tive uma intimidação do sr. Luiz Fernando Emediato [denúncia de três livros plagiados pela Jardim dos Livros, da qual ele é sócio].

A AMARRAÇÃO

Era difícil no começo entender a amarração da coisa. Hoje entendo que é uma consequência razoavelmente direta da lei do direito autoral de 1998, a lei 9.610.

Porque [as obras plagiadas] são basicamente obras cujo original está em domínio público e cujas traduções no Brasil estão esgotadas -de editoras que fecharam ou que foram compradas.

Mas são traduções que estão protegidas pela lei, que determina que as obras só podem entrar em domínio público decorridos 70 anos após a morte do autor.

SEM XEROX, COM PLÁGIO

Essas obras são o quê? Platão, Aristóteles, Max Weber, Kant, Hobbes, Locke... São para o público universitário. São obras que até existem nas bibliotecas das universidades, são bibliografia em ciências humanas. Só que são esgotadas, e a lei de 1998 proibiu o xerox.

Das 16 editoras [que pesquisei], apenas duas praticavam plágio antes de 98. Tenho a maior clareza que foi a proibição do xerox que criou um mercado líquido e certo.

Vêm os espertos, pegam essas traduções que ninguém mais lembra, porque são dos anos 30, 40, 50, crau, mudam o nome, publicam e vende que nem pãozinho quente. Cinco, dez, 20 edições, reedições. Os tradutores estão mortos, as editoras estão fechadas, as que não estão fechadas poucos se interessam, os herdeiros dos tradutores não estão nem aí.

Não faço isso por interesse profissional ou por categoria. É que eu tenho 55 anos, sou pré-internet. E junta minha formação de historiadora e a ideia de que a cultura não se constrói num estalar de dedos. O português é uma língua secundária, o Brasil é um país que depende essencialmente de tradução, quer dizer, a tradução não é só uma tradução. Basta pegar quem são nossos tradutores: Machado, Bandeira, Drummond, Cecília Meirelles.

QUEBRA-CABEÇAS
Uma coisa que gosto muito é o desafio mental, intelectual, algo meio competitivo de você consigo mesmo. É quase um jogo, uma espécie de quebra-cabeças.

Tenho uns 80 livros traduzidos, de inglês, francês e italiano, sempre em humanidades, história da arte -não faço tradução literária nem técnica. Trabalho para três editoras: Companhia das Letras, Cosac Naify e L&PM.

Não, guerrilheira não. Uma vez eu me referi ao nao gostodeplagio como um blog de combate.
Entro com representação nos casos de quem não dá satisfação. A Nova Cultural relançou uma edição especial da "Divina Comédia", ressarciu tradutores. Tenho a satisfação de dizer que de seis a oito editoras retiraram [as edições plagiadas]. Eu escrevo, telefono, falo. Você tem resultados concretos. É isso que me permite continuar."

8 comentários:

denise bottmann disse...

olá, giba! de fato, ficou engraçada aquela declaração do sr. emediato. espero poupá-lo do constrangimento de algum dia chegar ao ponto de pedir para fazer tradução para sua editora ;-)

mas é isso aí. veja esse post, que acho que pega bem o ponto:
"denise vai dormir na pia, oh!"
http://flanelapaulistana.com/?p=6511

obrigada!
abraço
denise

Gilberto G. Pereira disse...

Oi, Denise! Acabei de ler o texto que você indica e realmente está ali o que tem de ser dito em combate aos argumentos, digamos, falaciosos. De fato, se editoras como a Companhia das Letras contratam teus serviços, conforme lembrou o texto do blog Flanela Paulistana, é porque teu trabalho é bom, no mínimo.
Um abraço!

Luiz Fernando Emediato disse...

Caro Gilberto: sou autor e jornalista, como você, e editor por acaso. Você parece ser uma boa pessoa, daí eu estar respondendo. Não me explico com qualquer um. No caso presente, a tradutora Denise Bottmann atacou minha pessoa e minha editora por uma tradução vagabunda do livro A Arte da Guerra, que não tinha sido editado por mim, mas pelos antigos donos da editora Jardim dos Livros, da qual me tornei sócio. Estávamos envolvidos numa campanha eleitoral para a CBL e parece que essa tradutora tomou partido, porque passou a atacar severamente membros da chapa da qual eu fazia parte. Eu me arrependi amargamente de ter entrado naquela disputa, mas, enfim, já foi. A crítica da tradutora Denise Bottmann era correta, mas muito agressiva e injusta, porque na época reconheci a má qualidade da tradução e informei que íamos providenciar outra. Como de fato fizemos, saen que ela nos desse qualquer crédito pela iniciativa. Hoje o livro circula com tradução muito boa do professor André Bueno, sinólogo da USP. Quanto ao fato de eu dizer que a tradutora Denise Bottmann jamais trabalhará para nós, não se trata de uma ameaça. Ela já trabalha para uma excelente editora, a Companhia das Letras, que é vinte vezes maior que a minha. Não precisa de nós. O que eu quis dizer, e explico aqui, é que tenho o direito de escolher nossos parceiros não só pelo talento, mas também pelo caráter. Eu gosto de trabalhar com pessoas sensatas, carinhosas, humanas, que criticam erros com o objetivo de melhorar, não de destruir. Eu fui destrutivo em minha juventude e me arrependo muito de minha agressividade no passado. A vida é muito curta e a humanidade muito complicada e conflituada para a gente contribuir ainda mais para a guerra entre pessoas. Paz e amor. Procure saber quem eu fui e quem eu sou. Não sou má pessoa, você vai ver. Abraços do Luiz Fernando Emediato, editor da Jardim dos Livros e da Geração Editorial (www.geracaoeditorial.com.br)

Gilberto G. Pereira disse...

Caro Emediato, fico realmente grato pelo trabalho a que você se deu de responder meu post. Entrei na discussão por achar sua afirmação injusta, e até de má fé, pela colocação tal como ficou. Mas também vejo uma explicação coerente de sua parte. Mesmo porque você nem tinha a obrigação de me responder. Não sou paladino da Justiça, mas prezo pela honestidade intelectual e pelo caráter individual. Sua resposta aponta para o exemplo dessas duas coisas. Agora me retiro da discussão. Como leitor, inclusive de livros de sua Editora de fato (a Geração, que não está envolvida em acusação de plágio, repito), vou continuar adquirindo livros e lendo-os, e agora procurar saber quem você é, conforme sugestão.
Att.

Revistacidadesol disse...

Giba:

Se eu não estivesse meio desanimado com o blog, daria destaque a essa polêmica, que considero da maior importância: o plágio. Ela é uma boa questão com a qual a crítica de arte hoje em dia tem que enfrentar.

denise bottmann disse...

prezado giba, apenas hoje li as declarações do sr. emediato envolvendo minha pessoa e meu trabalho no blog "nãogostodeplágio".

em primeiro lugar, cabe lembrar que, naquela época, longe de reconhecer os fatos, o sr. emediato por meio de seus advogados enviou uma notificação desqualificando minhas afirmações como inverídicas e levianas.
http://naogostodeplagio.blogspot.com/2009/01/notificao.html

procedi aos devidos esclarecimentos em http://naogostodeplagio.blogspot.com/2009/01/esclarecimentos-dos-esclarecimentos.html

após a manifestação pública de jorio dauster: http://naogostodeplagio.blogspot.com/2009/01/denise-excelente-sua-resposta-clara-e.html
o sr. emediato teve por bem reconsiderar sua posição e anunciar providências:
http://naogostodeplagio.blogspot.com/2009/01/jardim-dos-livros.html

na ocasião solicitei que o grupo geração examinasse outras irregularidades, referentes aos isbns de algumas outras obras no selo jardim dos livros:
http://naogostodeplagio.blogspot.com/2009/01/viva-legal-faca-legal.html, ao que não tive nenhuma resposta.

à diferença do que dá a entender o sr. emediato, os plágios que apontei não se resumem em absoluto à arte da guerra - caso de plágio que, aliás, nem foi denunciado por mim, e sim pelo autor e jornalista adam sun, na revista piauí.

as ocorrências de plágio que apontei no selo jardim dos livros são:
JARDIM DOS LIVROS
john d. crossan, o essencial de jesus (pedro h. berwick)
roderick anscombe, a vida secreta de laszlo, conde drácula (pedro h. berwick)
thomas cleary, o essencial do alcorão (pedro h. berwick), além do já referido sun tzu, a arte da guerra (nikko bushido)

peço desculpas por abusar do espaço em seu blog, mas julgo importante lembrar a verdade dos fatos.

para finalizar, não me lembro de ter em momento algum atacado a pessoa do sr. emediato ou sua editora geração editorial. apontei, isso sim, ocorrências de irregularidades sérias no catálogo do selo jardim dos livros, do grupo geração, cuja responsabilidade editorial, conforme divulgado na imprensa, está a cargo do sr. emediato. se o sr. emediato em algum momento se sentiu atacado em sua pessoa, lamento e declaro enfaticamente que jamais foi minha intenção nem propósito de meu blog transformar em questões pessoais e subjetivas problemas sérios e objetivos existentes em nosso mercado editorial.

agradeço
denise

denise bottmann disse...

por falha minha, postei duas vezes o mesmo comentário (ou quase o mesmo, pois reescrevi todo ele achando que tinha perdido na hora de enviar). peço-lhe a gentileza de excluir um deles e deixar apenas o último.

obrigada
denise

Gilberto G. Pereira disse...

Oi, Denise! Olha, já retirei, conforme sua solicitação. E você está no seu direito e na liberdade de comentar, criticar neste blog, do mesmo modo que o Emediato também. Afinal, eu mesmo me manifestei aqui sobre o assunto.
Abraço!