quinta-feira, 25 de junho de 2009

DUAS PÍLULAS: emoção e comoção

Acessei ao Blog do Poeta, por recomendação do escritor Whisner Fraga, em seu Cidade Devolvida. O blog recomendado é de Álvaro Alves de Faria, cujo nome já tem certa sonoridade poética.

No alto da primeira página, há uma foto do poeta, de olhar entre o triste e o assustado. Li o primeiro texto, publicado neste 25 de junho, intitulado A história de um poema, e gostei. Duas coisas me tocaram, duas pílulas, uma de emoção e outra de comoção.

A primeira é sobre um trecho do texto do poeta, que diz: “Os poetas além de duendes, são também mágicos e estão em vários lugares ao mesmo tempo, quase sempre adormecidos ou fugindo das sombras.”

O outro trecho é sobre sua personalidade, que no fundo não foge à regra, em se tratando de alma de artista, em que ele diz: “Não estou louco ainda, mas não falta muito.”

LITERATURA AFEGÃ: Atiq Rahimi no Brasil



O escritor e cineasta afegão, radicado na França, Atiq Rahimi estará em São Paulo nos dias 6 e 7 de julho, para o lançamento de seu livro mais recente, Syngué Sabour: pedra-de-paciência.

Rahimi surgiu no cenário da literatura internacional após ganhar o Prêmio Goncourt 2008, concedido pela Sociedade Literária do Goncourt e tido como o mais importante da França.

A vinda do escritor ao Brasil é importante para quem gosta de ler e entender o diferente e quer acompanhar de perto a tendência da nova literatura, que cada vez mais tem mostrado a face étnica de várias partes do mundo.

No dia 6 de julho (segunda-feira), ele vai proferir a palestra Escritor e cineasta: uma dupla carreira, no SESC Consolação, às 20 horas, na Rua Doutor Vila Nova, 245 (perto da Universidade Mackenzie).

E em 7 de julho (terça-feira), estará na Livraria Martins Fontes, avenida Paulista, 509, Lj 17, para um bate-papo e autógrafos, das 19 às 21 horas.

Além de Syngué Sabour, podem ser encontrados em português do Brasil outros dois livros do escritor, Depois de Terra e cinzas (2002) e As mil casas do sonho e do terror (2003), todos publicados pela Estação Liberdade.

Syngué Sabour conta a história de uma mulher afegã que assiste o marido preso à cama com uma bala na cabeça, enquanto no pano de fundo está a guerra civil que assola o Afeganistão já há um bom tempo.

Em entrevista ao jornal francês L’Humanité, Rahimi diz que a personagem do seu livro é uma mulher comum, com os meus sentimentos e desejos e esperanças de qualquer mulher de qualquer parte do mundo.

“Não faço distinção entre uma mulher afegã tolhida sob sua burca e as outras mulheres do mundo”, diz o escritor. Mas ele sabe, certamente, que no destrinchar da alma aparecem as diferenças e a identidade da mulher, do povo, da cultura afegãos. E isso é o que deve interessar ao leitor.


Rahimi: escritor e cineasta afegão

O autor, que diz ter aprendido a se libertar de tudo com os franceses, como Rimbaud, Baudelaire e Marguerite Duras, nasceu em Cabul, Afeganistão, em 1962. Estudou no liceu francês local e cursou letras na universidade da capital afegã, trabalhando em seguida como jornalista e frequentando a cena literária e artística local.

Sua língua materna é o persa, com a qual conheceu o mundo. “É a língua com que conheci meus tabus, minhas proibições, meus limites”, escreve na orelha de Syngué sabour.

Diz isso porque em 1985, conseguiu permissão do governo francês para viver como refugiado, e desde então vive em Paris, onde doutorou-se em comunicação audiovisual na Sorbonne e mantém um convívio diário com alíngua francesa, mas escreveu o livro em persa.


Dois trechos de entrevistas a jornais franceses:

“Venho de um país onde reina a poesia. Aprendemos a ler na escola com poemas. Ela alimenta cada momento da vida. Ela é que me inspira nessa busca de economia de palavras. Conseguir transmitir emoção com o mínimo possível de meios.” (Le Temps, 21/11/2008)

“Se tivesse escrito esse livro em persa, teria adotado uma linguagem pudica e praticado a auto-censura. Escrever em francês me permite realmente entrar no interior dos personagens, falar do corpo. Escrever numa outra língua é um prazer. É um pouco como fazer amor.” (L’Express, 13/11/2008)

Serviço:

quarta-feira, 24 de junho de 2009

LIVRARIA DA FOLHA

O Grupo Folha da Manhã lançou um site de vendas de livros não só dos títulos da Publifolha, a Livraria da Folha, com um layout muito bom e cobertura geral das áreas de publicação. Gostei e recomendo. Veja abaixo a matéria do jornal Folha de S. Paulo desta quarta-feira (24/06):

"Uma livraria que, além de funcionar como ponto de venda, oferece ao leitor informação diferenciada sobre o conteúdo disponível. Com esse intuito, entrou no ar nesta semana a Livraria da Folha (http://www.livrariadafolha.com.br/), a loja virtual do Grupo Folha.

"É uma livraria bastante editorializada, feita por uma equipe heterogênea, com formação em tecnologia e varejo, mas também em jornalismo e edição", afirma Ana Busch, diretora-executiva da Folha Online e da Livraria da Folha.Por seis meses, a equipe navegou por dezenas de livrarias on-line de vários países, buscando as melhores propostas.

Uma inovação está na edição. "Todas as áreas têm suas próprias páginas principais, com vitrines específicas", diz a diretora-executiva. Isso evita que, passado o lançamento, os livros fiquem escondidos, como ocorre nas livrarias tradicionais.O sistema de buscas também é inédito, elaborado de modo a facilitar a localização do volume dentro de cada área.Temas relacionadosNa loja virtual, os livros são considerados obras de interesse múltiplo. Assim, uma ficção que tenha relação com geopolítica aparecerá também nesta página, como "ficção relacionada". Um livro de história será indicado também em turismo, para que quem vai viajar possa ficar por dentro de tudo sobre o destino que escolheu.

Além das tradicionais listas de mais vendidos, há listas de recomendações, bibliotecas básicas por assunto -por exemplo, moda, música e investimentos- e compilações por temas. Nos próximos meses, o site deve receber outras ferramentas, como espaço para que os usuários deixem comentários, em sistema semelhante ao utilizado na Folha Online.

"Buscamos melhorar o site todos os dias, com base numa experiência de quatro anos vendendo livros pela internet, mesmo sem a configuração formal de loja", diz Ana Busch.As compras podem ser feitas por meio dos cartões de crédito Visa, MasterCard, American Express e Diners Club International -em breve, será possível pagar também por boleto bancário-, e a entrega é feita em todo o território nacional."

quarta-feira, 17 de junho de 2009

LONGE DOS LIVROS: o infeliz e seu modo

Há quase um mês estou em Goiânia, vendo o nascer do sol, vermelho e tranquilo, todas as manhãs. Não me lembro quantas vezes tive a oportunidade de assistir a tal espetáculo em São Paulo, cidade que me ofereceu todas as oportunidades, menos esta.

Mas nem o pôr do sol, nem as estrelas no baixo céu da Goiânia noturna, nem o vento de meia estação nesta época do ano me oferecem o prazer das palavras pronunciadas no silêncio da minha voz interior.

Longe dos meus livros, por causa desta mudança, estou distante de uma parte importante de mim mesmo, que me acompanha há um bom tempo. Para não dizer que estou desamparado, trouxe comigo uns dez títulos, entre eles Nunca o nome do menino, de Estevão Azevedo, Flores azuis, de Carola Saavedra e Abismo poente, de Whisner Fraga, que já resenhei neste blog (blog meu, existe alguém mais triste do que eu?).

É bom rever passagens de livros já lidos, acompanhar trechos quando se escreve um texto. Gosto, por exemplo, do primeiro parágrafo de Ana Karenina, de Tolstoi, em que o narrador diz que famílias felizes são felizes do mesmo jeito. Mas as famílias infelizes são infelizes cada uma a seu modo. Mas Tolstoi, claro, escreve melhor.


Essa frase em Ana Karenina me vem à mente, por exemplo, quando leio Milton Hatoum. Ou não seriam feitas dessa exclusividade de dor as tragédias que rondam e vencem as famílias dos livros dele? Dois irmãos mostra uma dor a seu modo, Cinzas do Norte, outra, e Órfãos do Eldorado, outra. Relatos de um certo Oriente é um retalho dolorido de lembranças, aquele mar partido ao meio por penínsulas de felicidade.

Entre meus livros distantes está um que vinha lendo com frequência, Cavalos do amanhecer, do uruguaio Mario Arregui. São vários contos gauchescos, traduzidos pelo gaúcho Sérgio Faraco. Um livrinho fino de grande importância para os amantes da boa literatura.

O conto do título faz uma releitura de Odisseia e traz um Ulisses absolutamente acovardado, cansado de guerra. A ambientação e o conflito são por ocasião da guerra entre blancos e colorados, no Uruguai. Mas o arquétipo é um resgate das personagens de Homero, que já vimos em várias outras literaturas, como em James Joyce, Nathaniel Hawthorne e até Dalton Trevisan.

Martiniano Rios é o Ulisses dos pampas no conto Cavalos do amanhecer. Já havia lutado em várias contendas, mas queria ficar em paz, curtindo a mulher, o filho e o cachorro.

Eis que numa madrugada atroz, o cachorro levanta a orelha para o que viria a ser o trote de cavalos se aproximando, e Martiniano Rios resolve então deixar a família em casa e se esconder na cisterna, imaginando que a tropa não o convocaria para mais uma guerra e o deixaria em paz.

Passado muito tempo, nosso herói sai do poço e encontra a desolação. O cachorro morto, a mulher estuprada e o menino castrado. O narrador é implacável com as palavras usadas para retratar a violência. Diz que Rios logo percebeu que muitos tinham entrado e saído de sua mulher. Os termos não são exatamente estes, já que estou sem meus livros. Mas é próximo disso.

O que vale a leitura, no entanto, não é a violência verbalizada. É o tratamento dado ao tema, o ritmo da narrativa e as palavras empregadas para desenhar cada passo rumo à desgraça total de Martiniano Rios e sua família.

Neste livro de Arregui, há também Lua de outubro, que virou filme. É de fato uma belíssima seleção de contos desse tão pouco conhecido escritor uruguaio. Enquanto meus livros não vêm, relembro e seleciono as coisas boas de ler. Releio na memória, sem o mesmo verde do registro original. Mas vale.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

LEMINSKI NO ENTERRO TEU

Leminski: com homenagem no CCSP aos 20 anos de sua morte

O poeta curitibano Paulo Leminski será homenageado no Centro Cultural São Paulo, na capital paulista, nesta terça-feira (16/06). Há muito não se falava nele para um público mais aberto. Uma vez entrevistei o crítico literário Wilson Martins e ele me disse que Leminski não era um grande poeta. Fazia uma poesiazinha feijão com arroz.

Talvez não esteja mesmo no panteão, mas era um poeta divertidíssimo, que trabalhava a linguagem como poucos. Seu feijão com arroz é melhor do que a poesia de muitos que foram colocados no cânone.

Martins, paulista de 88 anos que se mudou para Curitiba aos nove, é um crítico muito tradicional, autor do ótimo, e que pouca gente conhece, A palavra escrita – que veio bem antes dos grandes estudos de Roger Chartier e Alberto Manguel – e História da Inteligência Brasileira, em vários volumes, entre outros.

Mas Leminski era muito ligado ao simbolismo da palavra. Sua turma era a dos concretistas Haroldo de Campos e Augusto de Campos, turma esta que detestava Martins. O primeiro chegou a dizer que “o Brasil é o único país do mundo que tem uma história da inteligência escrita por uma pessoa que não prima pela inteligência.”

Enfim, uma briguinha que implode e infla egos, mas que não adianta nada. Aliás, em se tratando de literatura no Brasil, pouca coisa adianta. Neste caso, Leminski é uma dessas poucas coisas. E a ambigüidade desse parágrafo é uma homenagem a ele.

Seus versos minimalistas eram ótimos, os de que mais gosto, como este:

"En la lucha de clases
Todas las armas son buenas
Piedras, noches, poemas."

Por falar em homenagem, e por causa desse jeito de fazer poesia, a la Bashô, a la kaikais e concretismo, foi por causa disso que o compositor Itamar Assumpção, um de seus parceiros musicais, escreveu no dia da morte do amigo, há 20 anos, mais ou menos assim:

"Ei, Leminski!
Sou eu, Beleléu.
Não vou no enterro seu
Porque você não vai no meu.
Estamos quites.
Adeus!"

Assumpção estava certo. Morreu em 2003, aos 53 anos, e Lemisnki não estava lá.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

O QUE É O AMOR?

Meu bem, meu mal

O jovem e afoito monge budista pergunta ao velho e lento mestre:
- Mestre, o que é o Amor?
- É a folha que ainda não caiu do galho da cerejeira...
- Como assim, mestre? Se ainda não caiu, essa folha não existe –ao menos como folha caída...
- Também o Amor está sempre por fazer-se e nunca se completa.
- Mas a folha acaba caindo...
- Por isso o Amor é a folha que ainda não caiu do galho da cerejeira...

Do escritor paranaense Wilson Bueno, autor do belíssimo Meu tio Roseno, a cavalo. O trecho acima foi retirado do texto Do amor índio e outros amores, publicado na revista eletrônica Trópico (leia mais).

SOMOS COMO VÍRUS


O veneno e o antídoto da humanidade são traduzidos fielmente numa só ideia: a necessidade que temos de passar adiante qualquer informação, qualquer uma, seja boa, má, irrelevante. Não digo do poder, falo do povo, do traço mais comum do humano.

Quem está no poder ou no topo da cadeia quer mais é reter a informação, expandir cada vez mais sua influência por meio da manipulação do saber. Mas, no geral, carregamos nos genes essa intrigante missão viral de repassar o conhecimento de algo ao maior número possível de pessoas.

É por isso que a internet é tão grandiosa. Por isso mesmo os blogs, os twitters, o youtube e outras ferramentas se tornaram tão úteis e indispensáveis na mesma proporção que se veem tão maléficas e perigosas.

Alguém viu Susan Boyle cantar e emocionar os jurados do programa inglês Britain’s got talent e, já gravando tudo, imediatamente jogou na rede, arquivo que se juntou a outros iguais de outros semelhantes que pensaram e sentiram o mesmo e fizeram o mesmo a tantos que replicaram, levaram para a televisão, revistas, jornais, blogs.

Alguém quis zoar o colega ou o inimigo mais próximo (bullying) e o grampeou, o gravou, fotografou-o, filmou-o – descobrindo um segredo ou simplesmente revelando a intimidade – e o jogou na rede. Já era.

Mas, há também os que quiseram compartilhar a última informação sobre a cura de uma doença gravíssima e a internet foi um dos meios que estavam abertos à veiculação da boa nova.

Muito antes disso, no entanto, houve um primeiro homem a descobrir a maneira mais fácil de conservar o fogo e quis repassar o conhecimento aos semelhantes. Talvez não tenha sido o primeiro a descobrir essa técnica. Talvez este tenha preferido guardar para si a informação que o manteria numa posição superior. Mas há sempre, e em maior número, aqueles que querem espalhar a notícia.

Talvez por isso, com essa ciência incrustada em seu cerne, a razão humana nem inquiete o ser (numa perspectiva heideggeriana) no sentido de provocar o ódio a qualquer doença.

A humanidade simplesmente combate todas as enfermidades. As doenças provocadas por vírus são efeitos de uma ação muito semelhante ao nosso comportamento social.

Lembro-me de uma amiga que foi à minha casa, há muito tempo, para me mostrar a fita cassete (o CD estava aparecendo na época e ainda não tinha batida à minha porta) de um cantor muito engraçado.

“É legal, vamos ouvir agora”, ela insistia. Então fomos ouvir a tal fita. E escutamos a voz meio nasal cantar: “Forentina, Forentina, Forentina de Jesus, não sei se tu me amas, por que tu me seduz?”

Somos como vírus. Somos uma espécie de gripe.

terça-feira, 9 de junho de 2009

NELSON RODRIGUES, HENRY MILLER, NORMAN MAILER ...

Vasculhando os arquivos abertos da revista Veja, me deparei com uma matéria de 1968 sobre dois pesos pesados norte-americanos daquele tempo: Henry Miller e Norman Mailer. Junto, a revista trazia um diálogo entre ambos, em que estraçalhavam a imagem paradisíaca da grande potência.

A epígrafe do texto era uma citação de Nelson Rodrigues:

Vejo o americano como um narciso às avessas que apedreja a própria imagem. É espantoso. Ninguém agride tanto os Estados Unidos como os próprios Estados Unidos. Nelson Rodrigues, O Globo, Jornal da Tarde. Citação na página 53 da Veja número 9, de 6 de novembro de 1968.

Eis um ponto aonde queria chegar. Cresci ouvindo esta frase numa versão em que o narcisista às avessas era o brasileiro. Acho que o dramaturgo era original o bastante para não repetir a mesma ideia, trocando apenas o país. Será? Enfim. Do Brasil, ele já falou tanto, como quando disse que na década de 50 os brasileiros se sentiam como um vira-lata no futebol, deixando escorrer a baba bovina, humilhados e cabisbaixos, ou algo assim.

Mas, voltando a Miller e Mailer, segue abaixo um trecho do diálogo que fez os editores colocarem a epígrafe rodriguiana. É uma delícia de diálogo, que parece datado, que parece triste, melancólico, corrosivo demais, mas, ao mesmo tempo, tão atual, tão inquietantemente questionador, desenhando uma imagem tão repulsiva dos Estados Unidos, que nos força a dar um riso nervoso e pensar: 'Isso aqui se parece com todos nós, se parece com a sociedade de consumo atual daqui e de qualquer lugar.'

Henry Miller: Você sabe, Norman, escrevi ‘Pesadelo Refrigerado’ porque eu estava querendo muito uma reconciliação com minha terra natal. Era o lar, com todas as associações que essa palavra feia, má e até mesmo sinistra pode ter para uma alma irrequieta como a minha. Mas o que vi foram apenas rastos confusos da criação de monstros pré e sub-humanos, possuídos do delírio da cobiça. Tudo negativo, nada ávido de grandeza.

Norman Mailer: É o que digo, meu velho. Você se rebelou como os jovens da nova esquerda de hoje nos EUA. A autoridade atuava nos cérebros de vocês com os ‘comerciais’ e lavara-os com uma educação condicionada, uma política condicionada. A autoridade apresentara-se como honrada e era corrupta, corrupta como as falsas ideias e a falsa moral. (...) Cada um começava a pressentir intimamente os escândalos que podiam ser apontados em todos os produtos, em todos os produtos de todos os lares suburbanos, que funcionavam tão bem e enguiçavam por motivos misteriosos. A impostura estava enterrada em cada embalagem, enterrada algures nas raízes indevassáveis de todas essas modernas fábricas, com seus pavilhões higienizados e suas máquinas automatizadas. A autoridade mentia pela boca dos dirigentes das grandes companhias e dos altos funcionários do Governo, dos oficiais da polícia...

HM: Pois é, um mundo feito para monomaníacos obcecados com a ideia do progresso. Mas é um progresso falso, errado, desagradável. É uma terra cheia de objetos inúteis e ensinaram homens e mulheres a considerá-los úteis, a fim de serem explorados e degradados. O sonhador, cujos sonhos nada têm de útil, não pertence a esta terra. Tudo que não serve para ser comprado ou vendido, quer se trate de objetos, ideias, princípios ou esperanças, não tem utilidade nesta terra. Nela o poeta é amaldiçoado, o filósofo um idiota, o artista um apátrida, o homem de visão um criminoso.

NM: De acordo. Se for possível encontrar a irremediável loucura da América será naqueles rostos que, ao apagar dos projetores sobre o último páreo, acodem aos guichês de aposta, lívidos sob a luz néon, ou naquelas olheiras fundas, sem alma, das madrugadas de lugares como Las Vegas, onde as febres da América incendeiam a noite, e a Vovó, a devota Vovó, cabelos alaranjados, livro de bolso aberto, se debruça avidamente para a máquina caça-níqueis. ‘Madame’, lhe dizem, ‘eles estão queimando crianças no Vietnam.’ E ela responde: ‘Rapaz, dê o fora, a vovó vai receber uma bolada aqui no mealheiro’. (...) Las Vegas é um lugar tão emocionante!

E Jabor

O trecho demonstra a inteligência instigante de duas pessoas que sabem conversar, acima de tudo, e que sabem debater sobre aquilo que lhes inquietam.

A mis-en-scène ensaiada por Mailer no final do trecho sugere que Arnaldo Jabor sofreu grande influência desses livres-pensadores dos Estados Unidos. Aliás, nesse post está tudo que Jabor adorava: Nelson Rodrigues e o jeito de pensar yankee, que foi, sem dúvida, a formação desse cronista imagético e irrequieto. Gostemos dele ou não.

MARIO VARGAS LLOSA GANHA O DOM QUIXOTE

O jornal Folha de S. Paulo traz a seguinte nota na edição desta terça-feira (09/06).

"O escritor peruano Mario Vargas Llosa é o vencedor do segundo Prêmio Dom Quixote, concedido pelo governo da região espanhola de Castilla-La Mancha. O prêmio refere-se à "trajetória individual do autor peruano". Também foi premiada a presidente filipina Gloria Macapagal-Arroyo. Cada um receberá 25 mil (cerca de R$ 68,2 mil). Em 2008, os vencedores foram o presidente Lula e o escritor mexicano Carlos Fuentes."

quinta-feira, 4 de junho de 2009

DAVID CARRADINE: uma solenidade mínima à sua morte

Carradine: o vilão de Bruce Lee


Li em algum lugar que Jung dizia "cada vez que morre um homem me sinto diminuir porque estou englobado na humanidade." É verdade que para um sentimento desses é preciso ter uma massa psíquica, se é que isso existe, muito grande, mas Jung não era um homem insignificante. Não estou a esta altura. Por outro lado, toda vez que ouço Crying, com Roy Orbison ou não, como na vez em que vi Cidade do sonhos, de David Lynch, sinto vontade de chorar.

Mas esse sentimentalismo idiota me veio por outra razão. Foi ao saber da morte de David Carradine (encontrado morto nesta quinta-feira, 4 de abril, num hotel de Bancoc, Tailândia, onde fazia mais um filme), veja só, não por gostar dele, mas por perceber que já estou velho o bastante para cair duro de um ataque cardíaco, por causa dessas emoções que nos pegam de repente (um pouco menos, é claro). É que me lembrei de meus anos de adolescência em que tinha Bruce Lee como ídolo, e foi nessa época que, pela primeira vez, ouvi falar de David Carradine.

Bruce Lee nasceu nos Estados Unidos, mas foi com a família aos três meses para Hong Kong, já que seus pais eram atores chineses da Ópera de Pequim. Mas em 1958, aos 18 anos, Lee retornou aos Estados Unidos e começou sua saga de ator, pegando pequenos papéis, como num dos episódios de Batman, até fazer Kato no seriado O besouro verde (The green hornet).

Depois disso foi convidado a atuar no seriado Kung Fu, mas o produtor pensou melhor e o rejeitou por ter um sotaque horrível, e tinha mesmo. No lugar dele colocou David Carradine. Bruce lee ficou frustrado e eu também ao ler esta história. Desde então vi muita coisa de Carradine. Tive a oportunidade de assistir ao seriado Kung Fu e gostei muito, como também gostei de Carradine em Kill Bill. Há muito humor em suas cenas, um senso cômico muito bem medido por Tarantino.

Bruce lee não pegou o papel em Kung Fu e morreu cedo, em julho de 1973, fazendo uns cinco filmes apenas. Mas em compensação jamais será esquecido, principalmente entre os simpatizantes de filmes de ação e artes marciais. Carradine foi versátil em sua filomografia e fez mais de 200 longas, mas para mim será sempre aquele ator americano que roubou o papel de meu ídolo de adolescência. Agora ele se foi e senti esta pequena nostalgia. A vida é mesmo um troço muito estranho.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

SONETO SENTIMENTAL À CIDADE DE SÃO PAULO


"Ó cidade tão lírica e tão fria!
Mercenária, que importa? – basta! importa
Que à noite, quando te repousas morta
Lenta e cruel te envolve uma agonia

Não te amo à luz plácida do dia
Amo-te quando a neblina te transporta
Nesse momento, amante, abres-me a porta
E eu te possuo nua e fugidia

Sinto como a tua íris fosforeja
Entre um poema, um riso e uma cerveja...
E que mal há se o lar onde se espera

Traz saudade de alguma Baviera
Se a poesia é tua, e em cada mesa
Há um pecador morrendo de beleza?
"


Encontrei esse soneto em Poemas Esparsos, de Vinicius de Moraes, livro organizado pelo poeta carioca Eucanaã Ferraz, com as poesias avulsas e esquecidas do autor de Operário em construção.

Veja o efêmero belamente construído entre as rimas ‘fosforeja’, ‘cerveja’, ‘mesa’ e ‘beleza’. Destas quatro palavras, a menos vulnerável é mesa, e é ela que sustenta a leveza do álcool, a liquidez da vida, do álcool, que deixa tudo belo, até mesmo a cidade de São Paulo.

Não que ela seja sempre feia. É justamente nesse fosforejar que aparece sua beleza. Piscar o olho em São Paulo é dizer adeus ao quadro que se tinha logo antes. Se o Rio de Janeiro para Vinicius é luz do sol, Sampa é vista com o olhar noturno e boêmio do poeta.

terça-feira, 2 de junho de 2009

EM ANO QUE HATOUM CONCORRE NINGUÉM MAIS GANHA

Hatoum concorre ao Prêmio SP de Literatura com Órfãos do Eldorado

Certa vez, em entrevista à TV Cultura, a escritora Beatriz Bracher disse que a anedota corrente nos bastidores das letras é que em ano que Milton Hatoum concorre a prêmios literários ninguém mais ganha nada, só ele, o mestre da narrativa contemporânea, ele, o autor brasileiro que mais caiu nas graças do público leitor e da crítica, ganhador de três Jabutis e um Portugal Telecom, entre outros.

Pois o Prêmio SP de Literatura 2009 anunciou os nomes dos 20 finalistas em duas categorias, estreantes e veteranos. Hatoum concorre nesta última com Órfãos do Eldorado. Será que vai dar? Na disputa também está José Saramago (Nobel de Literatura de 1998), com A viagem do elefante.

O valor do prêmio é de R$ 200 mil para cada categoria e será entregue em agosto.

Veja a lista completa dos concorrentes.

Veteranos

Milton Hatoum: Órfãos do Eldorado
José Saramago: A viagem do elefante
Carola Saavedra: Flores azuis (livro que em breve será resenhado neste blog)
João Gilberto Noll: Acenos e afagos
Lívia Garcia-Roza: Milamor
Maria Esther Maciel: O livro dos nomes
Moacyr Scliar: Manual da paixão solitária
Ronaldo Correia de Brito: Galileia
Silviano Santiago: Heranças
Walther Moreira Santos: O ciclista


Estreantes

Altair Martins: A parede no escuro
Contardo Calligaris: O conto do amor
Estevão Azevedo: Nunca o nome do menino (livro que em breve será resenhado neste blog)
Francisco Azevedo: O arroz de palma
Javier Arancibia Contreras: Imóbile
Marcus Vinicius de Freitas: Peixe morto
Maria Cecília Gomes dos Reis: O mundo segundo Laura Ni
Rinaldo Fernandes: Rita no pomar
Sérgio Guimarães: Zé, Mizé, Camarada André
Vanessa Bárbara e Emílio Fraia: O verão do Chibo