Foto de Lou Andreas-Salomé (1861-1937) tirada em 1900
Após irradiar luz para o mundo intelectual machista do fim do século XIX e do começo do XX, Lou Salomé envelhece, e parece ainda mais bonita, ainda mais irradiante. Mas é assim que acontece com todas as estrelas. No fim de sua combustão, seu clarão aumenta e ilumina mais do que de costume. Até o sol se apagará um dia. E a luz de Lou se apagou, aos 76 anos de idade, em 1937, na cidade de Gottingen, Alemanha, onde morava.
Todos os homens se curvavam diante dela. Todos morriam de amores, e alguns, literalmente, buscaram a morte ou se refugiaram na loucura por causa dela. Até Freud, o gênio conhecedor da alma humana, dobrou a sua e disse: “você tem um olhar como se fosse natal”.
Rainer Maria Rilke, o poeta alemão, manifestava seu amor a Lou assim: “És meu dia de festa. Quando te encontro em sonho, sempre tenho flores nos cabelos”. O amor nesta mulher era mesmo sempre primavera, e fecundava a alma de qualquer homem.
Lou Andreas-Salomé (1861-1937), intelectual e beldade russa que fez meio mundo cair aos seus pés, entre eles, Nietzsche, Paul Rée, além de Rilke, de quem foi amante, e Freud, que se não derreou de desejos, pelo menos de profunda admiração por ela.
Filha de Gustav von Salomé (general russo, oficial do Czar) e de Louise von Salomé, Lou nasceu na cosmopolita São Petersburgo do século XIX, mas dilacerou corações por toda a Europa. Sua história é contada por muita gente, inclusive por ela mesma, numa autobiografia cujo título leva seu nome.
Entre seus biógrafos, está a brasileira Luzilá Gonçalves Ferreira, que após pesquisar sua vida para uma conferência, que acabou fazendo parte do livro Os sentidos da paixão, se apaixonou pela singular história de vida de Lou Salomé, e escreveu Humana, demasiado humana, que narra o caminho trilhado por esse ponto de luz mais cintilante que os outros.
O livro de Luzilá é interessante, mas Lou é mais ainda. Ela sobressai, salta das páginas e ganha vida, com seu sorriso largo, suas convicções firmes sobre o mundo que a cerca.
Os que não eram homem o suficiente para amá-la se juntavam às mulheres e a maldiziam, chamando-a de Don Juan de saias, devoradora de homens, e outros epítetos pouco galanteadores. Mas seus amigos, lhe compensavam: “Uma mulher generosa, humana, riso contagiante, inteligência rápida, espontânea, curiosa”.
Os amigos não foram poucos. Conheceu e conviveu com gente de alto quilate. Além dos já citados, seu círculo de amizade contava com Wagner, Tolstoi, Hofmannsthal, Strindberg, Hauptman e Buber. De Freud foi amiga e aluna. O pai da psicanálise tinha tanta confiança em sua discípula inteligentíssima que passou a ela a tarefa de analisar a filha dele.
É na obra de Luzilá que o presente texto finca os pés para falar dessa mulher apaixonante. Numa das passagens do livro, a autora diz que a relação de Lou com o pai era de amor intenso e de profunda admiração. E acrescenta que isso certamente contribuiu para que Lou, em suas relações amorosas, tivesse traçado uma eterna busca pelo amor do próprio pai.
Talvez por isso tenha se casado com um professor chamado Carl Andreas, 15 anos mais velho que ela. Foram marido e mulher durante mais de quatro décadas, até a morte dele.
Rilke, Nietzsche e Rée
Nesse ínterim, “era vista com outros homens por toda a Europa”. Mas seus laços amorosos mudaram de foco à medida que ela mesma envelhecia. Um sujeito chamado [barão von] Gebsattel, 20 anos mais jovem, foi um dos que se engraçaram com seu charme. O outro, 19 anos mais moço, era Rilke.
Quando Rilke conheceu Lou, em 1897, sua vida mudou. Ela, além de seu coração, deu ao poeta um novo nome, pelo qual se eternizou. Antes, ele se chamava René-Marie Rilke. Foi ela, o amor de sua vida, quem o batizou de Rainer Maria Rilke, em 1910, depois que o affair entre eles já havia acabado, mas não a amizade. “A vasta correspondência que se inicia entre os dois só terminará com a morte de Rilke, e é um dos mais belos e pungentes documentos humanos em forma de cartas”, diz Luzilá.
Sucesso de uns, malogro de outros. Em 1882, portanto, antes de Rilke, um sujeito bigodudo, profundamente erudito, quis conhecer Lou. Era Nietzsche (15 anos mais velho que ela). Primeiro ela conhece Paul Rée, e é por intermédio deste que se apresenta ao filósofo de Zaratustra, que aliás ainda nem havia escrito tal obra.
Rée escreve a Nietzsche e conta-lhe os planos de os três morarem juntos na Itália ou na França. E ele responde: “‘Saúdem esta jovem russa por mim, se julgam oportuno: estou faminto por este tipo de espírito. Logo vou começar a caçar – em vista do que tenho intenção de fazer nos próximos dez anos, preciso dela’”. Não se deu muito bem com a autoconfiança. Nem ele, nem Rée, nem muitos outros que tinham tal imagem de Lou: mulher leviana com certa presença de espírito.
Nietzsche chegou a pedir a Lou em casamento duas vezes, e duas vezes ouviu um educado “não” (mesmo porque ela já era casada, não nos esqueçamos). Ele, que já não era muito aberto com as mulheres, se trancou em sua filosofia, vasto mundo, e passou a nutrir um certo ressentimento pelo gênero feminino.
Alguns anos depois, escreveu em seu Zaratustra a célebre frase, de citação obrigatória a quem não tem o que fazer e quer tachar o dionisíaco pensador de misógino: “Vais ter com mulheres? Não esqueças o chicote!”.
Diretamente ou indiretamente a ver com essa paixão despertada, muitos fins trágicos desse pessoal interessado no amor de Lou se consumaram. Nietzsche enlouqueceu, e morreu completamente abilolado, em 1900, sem reconhecer ninguém. Paul Rée se suicidou. E ainda há outro, chamado Tausk, que também se apaixonou e de igual modo deu cabo da própria vida, ao ser rejeitado por Lou.
Até Rilke chegou a pensar em suicídio, depois que ele e ela finalizaram o romance. Mas não levou adiante a idéia. Era religioso o bastante para pensar duas vezes nos mistérios da vida e da morte, e optou pelas cartas trocadas com seu amor platônico a partir de então.
Rainer Maria Rilke, o poeta alemão, manifestava seu amor a Lou assim: “És meu dia de festa. Quando te encontro em sonho, sempre tenho flores nos cabelos”. O amor nesta mulher era mesmo sempre primavera, e fecundava a alma de qualquer homem.
Lou Andreas-Salomé (1861-1937), intelectual e beldade russa que fez meio mundo cair aos seus pés, entre eles, Nietzsche, Paul Rée, além de Rilke, de quem foi amante, e Freud, que se não derreou de desejos, pelo menos de profunda admiração por ela.
Filha de Gustav von Salomé (general russo, oficial do Czar) e de Louise von Salomé, Lou nasceu na cosmopolita São Petersburgo do século XIX, mas dilacerou corações por toda a Europa. Sua história é contada por muita gente, inclusive por ela mesma, numa autobiografia cujo título leva seu nome.
Entre seus biógrafos, está a brasileira Luzilá Gonçalves Ferreira, que após pesquisar sua vida para uma conferência, que acabou fazendo parte do livro Os sentidos da paixão, se apaixonou pela singular história de vida de Lou Salomé, e escreveu Humana, demasiado humana, que narra o caminho trilhado por esse ponto de luz mais cintilante que os outros.
O livro de Luzilá é interessante, mas Lou é mais ainda. Ela sobressai, salta das páginas e ganha vida, com seu sorriso largo, suas convicções firmes sobre o mundo que a cerca.
Os que não eram homem o suficiente para amá-la se juntavam às mulheres e a maldiziam, chamando-a de Don Juan de saias, devoradora de homens, e outros epítetos pouco galanteadores. Mas seus amigos, lhe compensavam: “Uma mulher generosa, humana, riso contagiante, inteligência rápida, espontânea, curiosa”.
Os amigos não foram poucos. Conheceu e conviveu com gente de alto quilate. Além dos já citados, seu círculo de amizade contava com Wagner, Tolstoi, Hofmannsthal, Strindberg, Hauptman e Buber. De Freud foi amiga e aluna. O pai da psicanálise tinha tanta confiança em sua discípula inteligentíssima que passou a ela a tarefa de analisar a filha dele.
É na obra de Luzilá que o presente texto finca os pés para falar dessa mulher apaixonante. Numa das passagens do livro, a autora diz que a relação de Lou com o pai era de amor intenso e de profunda admiração. E acrescenta que isso certamente contribuiu para que Lou, em suas relações amorosas, tivesse traçado uma eterna busca pelo amor do próprio pai.
Talvez por isso tenha se casado com um professor chamado Carl Andreas, 15 anos mais velho que ela. Foram marido e mulher durante mais de quatro décadas, até a morte dele.
Rilke, Nietzsche e Rée
Nesse ínterim, “era vista com outros homens por toda a Europa”. Mas seus laços amorosos mudaram de foco à medida que ela mesma envelhecia. Um sujeito chamado [barão von] Gebsattel, 20 anos mais jovem, foi um dos que se engraçaram com seu charme. O outro, 19 anos mais moço, era Rilke.
Quando Rilke conheceu Lou, em 1897, sua vida mudou. Ela, além de seu coração, deu ao poeta um novo nome, pelo qual se eternizou. Antes, ele se chamava René-Marie Rilke. Foi ela, o amor de sua vida, quem o batizou de Rainer Maria Rilke, em 1910, depois que o affair entre eles já havia acabado, mas não a amizade. “A vasta correspondência que se inicia entre os dois só terminará com a morte de Rilke, e é um dos mais belos e pungentes documentos humanos em forma de cartas”, diz Luzilá.
Sucesso de uns, malogro de outros. Em 1882, portanto, antes de Rilke, um sujeito bigodudo, profundamente erudito, quis conhecer Lou. Era Nietzsche (15 anos mais velho que ela). Primeiro ela conhece Paul Rée, e é por intermédio deste que se apresenta ao filósofo de Zaratustra, que aliás ainda nem havia escrito tal obra.
Rée escreve a Nietzsche e conta-lhe os planos de os três morarem juntos na Itália ou na França. E ele responde: “‘Saúdem esta jovem russa por mim, se julgam oportuno: estou faminto por este tipo de espírito. Logo vou começar a caçar – em vista do que tenho intenção de fazer nos próximos dez anos, preciso dela’”. Não se deu muito bem com a autoconfiança. Nem ele, nem Rée, nem muitos outros que tinham tal imagem de Lou: mulher leviana com certa presença de espírito.
Nietzsche chegou a pedir a Lou em casamento duas vezes, e duas vezes ouviu um educado “não” (mesmo porque ela já era casada, não nos esqueçamos). Ele, que já não era muito aberto com as mulheres, se trancou em sua filosofia, vasto mundo, e passou a nutrir um certo ressentimento pelo gênero feminino.
Alguns anos depois, escreveu em seu Zaratustra a célebre frase, de citação obrigatória a quem não tem o que fazer e quer tachar o dionisíaco pensador de misógino: “Vais ter com mulheres? Não esqueças o chicote!”.
Diretamente ou indiretamente a ver com essa paixão despertada, muitos fins trágicos desse pessoal interessado no amor de Lou se consumaram. Nietzsche enlouqueceu, e morreu completamente abilolado, em 1900, sem reconhecer ninguém. Paul Rée se suicidou. E ainda há outro, chamado Tausk, que também se apaixonou e de igual modo deu cabo da própria vida, ao ser rejeitado por Lou.
Até Rilke chegou a pensar em suicídio, depois que ele e ela finalizaram o romance. Mas não levou adiante a idéia. Era religioso o bastante para pensar duas vezes nos mistérios da vida e da morte, e optou pelas cartas trocadas com seu amor platônico a partir de então.
Após irradiar luz para o mundo intelectual machista do fim do século XIX e do começo do XX, Lou Salomé envelhece, e parece ainda mais bonita, ainda mais irradiante. Mas é assim que acontece com todas as estrelas. No fim de sua combustão, seu clarão aumenta e ilumina mais do que de costume. Até o sol se apagará um dia. E a luz de Lou se apagou, aos 76 anos de idade, em 1937, na cidade de Gottingen, Alemanha, onde morava.
Nenhum comentário:
Postar um comentário