O cinema de meus olhos é a reunião de textos sobre cinema de Vinicius de Moraes (1913-1980), publicada postumamente sob organização de Carlos Augusto Calil, em 1991. É uma obra peculiar dentro da crítica cinematográfica, o que já se evidencia pelo próprio título.
Na verdade, é muito mais um livro de crônicas do que de crítica propriamente, num sentido tradicional. A maioria dos textos não vai além do convite a sentirmos a verve de Vinicius, o que não é pouco, mas muitas vezes nem isso, em função até do tempo transcorrido desde então, em que muitos interesses mudaram de foco.
Há, no entanto, bons momentos de leitura, como os primeiros textos sobre Orson Welles, de quem Vinicius era amigo, um outro sobre a primeira vez que o poeta viu pessoalmente a atriz Marlene Dietrich, e ainda um texto sobre Grande Otelo, avaliação muito positiva sobre o jovem Otelo, em 1943.
Ele escreveu sobre seus filmes e astros prediletos e acerca de alguns de sua predileta antipatia durante 20 anos, da década de 40 à de 50 do século passado. Parte desse período, ele viveu nos Estados Unidos, onde representou o Brasil como vice-consul. Era um apaixonado pelo mundo da sétima arte.
A relação de Vinicius com o cinema também chama a atenção pelo fato de ele ter sido censor de filmes no Governo Getúlio Vargas. Claro que no fim das contas, não censurava nada, ou muito pouco, e de quebra se esbaldava diante da possibilidade de ver tantas produções.
O Cinema de meus olhos é fruto desse amor, mas não da contradição. Também não é uma obra de cabeceira para quem quer ser crítico sério de cinema. Mas sua leitura vale a pena, principalmente para os que se divertem com análises despretensiosas e para aqueles que querem aprender a escrever despretensiosamente sobre cinema.
Trecho:
Uma mulher, outrora amada (1951)
“(...) Vou te contar, leitor, como foi que eu vi pela primeira vez uma mulher por quem tive uma incrível paixão cinematográfica na juventude. Quando eu andava aí pelos meus dezessete, era para o retrato dessa mulher, preso à parede do meu quarto, que eu olhava todas as noites antes de dormir. Tinha por ela um amor cego, irreprimível, absoluto. Via-lhe os filmes oito, dez vezes.
Ela era grande, loura, branca, e tinha um olhar recuado que nunca chegava totalmente, como um misterioso convite a ir ver de perto, bem de perto. Sua fala era grave e doce, e ela cantava umas canções com uma falta de voz que era a voz mais linda do mundo. (...)
Na verdade, é muito mais um livro de crônicas do que de crítica propriamente, num sentido tradicional. A maioria dos textos não vai além do convite a sentirmos a verve de Vinicius, o que não é pouco, mas muitas vezes nem isso, em função até do tempo transcorrido desde então, em que muitos interesses mudaram de foco.
Há, no entanto, bons momentos de leitura, como os primeiros textos sobre Orson Welles, de quem Vinicius era amigo, um outro sobre a primeira vez que o poeta viu pessoalmente a atriz Marlene Dietrich, e ainda um texto sobre Grande Otelo, avaliação muito positiva sobre o jovem Otelo, em 1943.
Ele escreveu sobre seus filmes e astros prediletos e acerca de alguns de sua predileta antipatia durante 20 anos, da década de 40 à de 50 do século passado. Parte desse período, ele viveu nos Estados Unidos, onde representou o Brasil como vice-consul. Era um apaixonado pelo mundo da sétima arte.
A relação de Vinicius com o cinema também chama a atenção pelo fato de ele ter sido censor de filmes no Governo Getúlio Vargas. Claro que no fim das contas, não censurava nada, ou muito pouco, e de quebra se esbaldava diante da possibilidade de ver tantas produções.
O Cinema de meus olhos é fruto desse amor, mas não da contradição. Também não é uma obra de cabeceira para quem quer ser crítico sério de cinema. Mas sua leitura vale a pena, principalmente para os que se divertem com análises despretensiosas e para aqueles que querem aprender a escrever despretensiosamente sobre cinema.
Trecho:
Uma mulher, outrora amada (1951)
“(...) Vou te contar, leitor, como foi que eu vi pela primeira vez uma mulher por quem tive uma incrível paixão cinematográfica na juventude. Quando eu andava aí pelos meus dezessete, era para o retrato dessa mulher, preso à parede do meu quarto, que eu olhava todas as noites antes de dormir. Tinha por ela um amor cego, irreprimível, absoluto. Via-lhe os filmes oito, dez vezes.
Ela era grande, loura, branca, e tinha um olhar recuado que nunca chegava totalmente, como um misterioso convite a ir ver de perto, bem de perto. Sua fala era grave e doce, e ela cantava umas canções com uma falta de voz que era a voz mais linda do mundo. (...)
Essa mulher, essa das pernas longilíneas e luminosas, chama-se, ou melhor, chamava-se Marlene Dietrich, e eu a vi há exatamente cinco anos, pela primeira vez. Depois deveria vê-la muitas outras vezes, mas nada como essa vez primeira.
Era noite, e eu estava sozinho e triste e resolvi ir ao Ciros’s, um famoso night-club de estrelas e astros que existe em Sunset Boulevard, no coração de Hollywood. Nele tocava uma orquestra de um pianista pífio chamado Carmen Cavallaro, que eu nunca tinha ouvido pessoalmente.
Como estivesse desacompanhado, fiquei sentado ao bar, num dos banquinhos altos, a traçar o meu uísque e a ver dançar à meia luz tantas caras conhecidas da tela.
Foi quando ela entrou. De início, não a reconheci. Vinha em companhia de um velho, e passou longe de mim, diretamente para uma mesa reservada. Mas ouvi o comentário de um sujeito ao lado – Marlene ... – e juro que meu coração bateu.
Marlene ... Levantei-me e fui espiá-la de perto. Era ela mesmo, leitor ... Parecia haver absorvido toda a luz do mundo em sua face branca e em seus cabelos louros. Fiquei a olhá-la um sem-tempo, até que ela se virou e, dando comigo basbaque, teve uma sombra de sorriso.
Fui reto ao maître. Passei-lhe uma gaita gorda e ele me providenciou uma mesinha reservada bem perto dela, onde me sentei e fiquei o resto da noite, a olhá-la com ar de quem não quer. De quem não quer ... Quem não queria nada era ela, leitor.
Não me olhou mais uma vez só. Não me deu a menor bola. Conversou muito lá com o velhinho dela e no máximo me oferecia o perfil, de onde nascia um halo, e a sombra misteriosa dos olhos de imensas pestanas. Nem me ligou. (...).”
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