quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

TODA LEITURA VALE PELA DESCOBERTA

É possível escrever sobre pulhas e nobres, sobre nações e indivíduos. É possível sondar a alma e também expor as mazelas da vida cometidas por homens contra homens.

E é possível de igual modo divagar sem nada dizer, e ainda assim comover os outros, extrair lágrimas de quem já chora tanto – vítimas da mesquinhez nossa de cada dia –, gozo dos que já gozam, prazer dos que comprazem, compreensão dos que sabem compreender.

É possível escrever sem enxergar, dizer sem falar, retratar sem máquina fotográfica, sem pincel, mas com palavras, escarafunchando oceanos e desertos, as profundezas do ser e os pântanos que entrelaçam imaginação e realidade.

Nessas aventuras, no entanto, só entram alguns tipos de caracteres imaginativos. Alguns gênios e outros geniosos. Mas cada um a seu modo destrinchando o fio da linguagem a tal ponto que chega a tocar o leitor.

E aí entra um novo mundo. Se é possível escrever tantos universos paralelos, também é possível ler e imaginar, recriando espaços e perfazendo caminhos nunca dantes imaginados, até mesmo por quem supunha ter encontrado o trilho da felicidade na leitura.

O leitor também tem sua vez. É possível ler o mundo como quem lê um livro. E o contrário pode acontecer de igual feita: é possível ler um livro como quem observa a realidade ao seu redor.

Não diria assim o explorado atento, ao ler Vidas Secas? Não diria assim o sertanejo, ao ler Grande Sertão: Veredas?; e, ao ler, também não teria algo para dizer o humanista ao conhecer o mesmo Sertão de Rosa?

O fagulho depende do leitor para espalhar o fogo. Quem escreve acende o fósforo, mas quem lê oferece oxigênio ao vento que carrega a faísca, oferece mais, oferece material de combustão, oferece mais, oferece a eterna hospedagem.

Não seria por isso que o leitor atento, ao ler Dostoiévski, vê na frase “todo homem necessita de um lugar para voltar” uma remissão ígnea ao velho Homero, que fez de sua obra um entendimento dessa premissa? Ilíada não fora escrito na juventude do poeta? Odisseia não fora na sua velhice? Uma era a marcha do heroi à guerra. A outra, a volta para casa, depois de fatigadas lutas. “Todo homem necessita de um lugar para voltar”. Sábias palavras.

A literatura é como uma volta para casa, porque o leitor pode revolver o espírito e apontar para lugares e caminhos que nenhum outro tipo de escrita é capaz de fazê-lo, e depois retomar a cotidianidade.

A literatura é ao mesmo tempo Ilíada e Odisseia. É possível escrever sobre tudo. Mas como se faz, como se faz? Nem todos conseguem, como não consegue ultrapassar a superfície das letras este que escreve agora.

É possível ler rumo a diferentes paragens. Mas nem todos são capazes de compreender os mistérios e os fascínios da literatura a ponto de mergulhar nesse pântano de encontros. Mais vale a descoberta. E nisso, a literatura não tem igual.

Publicado originalmente no Overmundo, em 8 de março de 2007.

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