sábado, 3 de janeiro de 2009

DEU NA FOLHA DE S. PAULO: Silviano Santiago fala do lançamento de Eucanaã Ferraz sobre Vinicius de Moraes

Santiago: "Reunião de Eucanaã valoriza 'sobras' de Vinicius"

Acho que Silviano Santiago, um dos críticos literários mais importantes do país, quis chover no molhado. Foi esta sua intenção ao escrever sobre Poemas Esparsos, de Vinicius de Moraes (Org. Eucanaã Ferraz). Está claro que Ferraz pretendeu recuperar o trabalho disperso de Vinicius de Moraes, valorizando-o, não diante da obra inteira, mas dentro das características desses poemas que ficaram marginalizados, descartados.

Mas mesmo cometendo redundância crítica, Santiago presta um serviço à literatura, porque contextualiza a obra de Vinicius, cuja melhor poesia, lembra ele, está em Cinco Elegias. Sua conclusão, no entanto, descamba para o equívoco, ao dizer que Ferraz, com essa publicação (Poemas Esparsos), praticamente afirma que é o que há de melhor em Vinicius.

O problema é que Ferraz hoje é o maior estudioso de Vinicius, sem dúvida. Em 2004, lançou a 4ª edição de Poesia Completa e Prosa, pela Nova Aguilar, totalmente reformulada, com acréscimo na fortuna crítica. Ou seja, eis aí o valor maior da obra de Vinicius.

Depois, agora em 2008, começou a lançar, pela Companhia das Letras, os livros de Vinicius em sua composição original, como O caminho para a distância (seu primeiro livro), com prefácios novos e posfácios. É com esta nova leva que Santiago faz a comparação e comete o equívoco.

Segue o texto completo de Santiago, retirado da Ilustrada de hoje (03/01/2009):


Reunião de Eucanaã valoriza "sobras" de Vinicius

SILVIANO SANTIAGO

ESPECIAL PARA A FOLHA

"Parte da história do modernismo brasileiro descreve uma luta livre entre os defensores do poema de vanguarda e os desafiantes do poema lírico tradicional. De um lado do ringue, Oswald de Andrade, o Touro Antropófago, e do outro, Manuel Bandeira, o Alce de Clavadel. À esquerda, João Cabral de Melo Neto, o Otelo dos Canaviais, e, à direita, Ledo Ivo, o Cabra do Sertão.

Lírico-sentimental

Vinicius de Moraes, o Poetinha, assistia ao 'catch-as-catch-can' até encontrar a si nos palcos de teatro e nos shows de MPB. Revelou-se o que já era um notável poeta lírico-sentimental.

O milênio poético se abre a favor do lirismo tradicional, apoiado pela magia internacional da bossa nova e dos novos letristas da MPB, de Chico a Caetano. Natural que Vinicius seja hoje o mais gratificado dos poetas modernistas, e Eucanaã Ferraz, o recente e dedicado curador de sua obra.

Em 'Poemas Esparsos', os versos de Vinicius são complementados por posfácio e notas do organizador e por textos de amigos do poeta (Drummond, Sabino, Gullar etc.).

Binarismos teóricos

Como um manual de linguística, o posfácio de Eucanaã é construído a partir de conceitos binários. À diferença daquele, em que impera a objetividade científica na apresentação dos conceitos opostos, a prosa de Eucanaã se encanta com os binarismos teóricos, para melhor relativizá-los. O milênio abomina radicalizações. Ele opta inicialmente por emprestar valor positivo a 'expressão pessoal' em prejuízo da 'forma poética', para em seguida afirmar que não há oposição entre um conceito e o outro, já que forças binárias se comungam no projeto dos poemas esparsos.

Citemos outras oposições, retiradas do posfácio. Tradição e renovação. Modelos e escolhas estéticas. Facilidade e trabalho de arte.

Poema de circunstância e poema atemporal. Vigor e rigor. Poesia e vida. Exemplifiquemos com citações. A 'habilidade' de Vinicius 'fazia da indagação sobre a forma algo menor diante do lançar-se à expressão dos dramas seus e do seu tempo". Ele é "um poeta vigilante, aberto à experimentação e capaz, como poucos, de engendrar formas em que tradição e renovação jamais se antagonizam'.

Atitude crítico-teórica

Mais uma: 'É preciso, todavia, não confundir tais questões [insensatez e desleixo, confessadas pelo poeta] com uma hipotética ausência de trabalho ou com a facilidade, bastava somente ler os poemas para neles reconhecer o labor, o exercício, a manipulação, o cuidado'.

Se verdadeira tal atitude crítico-teórica e se as afirmações tiverem valor heurístico, a melhor 'poesia' de Vinicius está nos 'esparsos' ora trazidos à tona, e não nas excelentes coletâneas organizadas com diligência pelo autor. Penso na minha favorita: 'Cinco Elegias' (1943). Infeliz ou felizmente, isso não é verdade. No entanto, o posfácio de Eucanaã valoriza de modo elegante o que - independentemente das circunstâncias - foi deixado de fora de livros e antologias. Vezes há em que um texto crítico - no caso, um posfácio a 'Poemas Esparsos' - pode ser mais convincente e definitivo na arrogância de manifesto literário para as novas gerações do que na leitura de poemas que se distraíram no meio do caminho da inexorável marcha do tempo."

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