Você já ouviu falar em Fernando Conceição, Rogério Andrade Barbosa, Sonia Rosa? Você que gosta de literatura que trata das questões do negro brasileiro conhece a obra de Trajano Galvão, Paulo Gonçalves, Lino Guedes?
É pouco provável, a menos que seja especialista em literatura dessa temática. Pois eles existem. O primeiro time existe como escritores que estão produzindo atualmente e cujos livros podem ser encontrados nas grandes livrarias. O segundo, são autores que já morreram, mas que deveriam estar em evidência na história da literatura brasileira. Na fila de um e de outro grupo, há vários.
O Dicionário literário afro-brasileiro (Pallas, 2007), de Nei Lopes, nos dá a oportunidade de saber desses nomes pouco lembrados, ou nunca, nos cadernos de cultura. Mais do que isso, o dicionário traz verbetes com nomes mais conhecidos como Ferrez, Marilene Felinto, Elisa Lucinda, Kabengele Munanga, e bem conhecidos como Gilberto Gil, Martinho da Vila e Muniz Sodré.
Também cita estudos e ficção de escritores que, não sendo negros, escreveram ou escrevem sobre essa temática, como Alberto Mussa, Antonio Olinto e Marcelino Freire, entre vários outros.
Além de escritores, o Dicionário literário afro-brasileiro abrange verbetes sobre personagens, títulos de livros, novelas e seriados de TV, situações raciais, conceitos e outros assuntos. É uma ótima dica para quem quer começar a estudar a literatura negra, ou de temática negra, no Brasil, e para quem já estuda.
Muitos escritores negros brasileiros, com verbetes aqui, têm seus livros nas mãos de grandes distribuidoras. Mas outros, não. É o caso de Maria de Lourdes Teodoro, Jônatas Conceição da Silva, que estão vivos, possuem vários livros publicados, mas que não são encontrados nas grandes livrarias. Nas pequenas, então, seria um milagre. A saída pode ser o site Estante Virtual. Muitas vezes, lá, é possível encontrar esses autores.
Por causa da aura embranquecedora que existe até hoje nas rodas culturais brasileiras, há uma particularidade no levantamento de autores afro-descendentes. Muitas vezes, Lopes tem de recorrer à citação de outros pesquisadores, porque a identidade negra do escritor fica meio camuflada.
Ao falar de Jorge de Lima, por exemplo, Lopes diz: “Autor de alentada obra poética, na qual se incluem diversos poemas de inspiração afro-brasileira, como o famoso ESSA NEGA FULÔ, é descrito como ‘mulato’ por Artur Ramos em O negro na civilização brasileira (1956, p. 165).”
Poderia, simplesmente, dizer que Jorge de Lima era um poeta de descendência negra, ou mulato, ou afrodescendente, para usar o termo atual. Sobre a escritora de novelas já falecida, Ivani Ribeiro, ocorre algo parecido. “Sua aparência física, em fotografias de várias épocas, faz crer tratar-se de uma afrodescendente”, diz Lopes.
O Dicionário literário afro-brasileiro tem 167 páginas. Mas é um grande compêndio. A partir dele, muita coisa pode ser destrinchada.
Trecho da introdução do autor
“Focalizamos nesta obra tanto escritores negros quanto negros escritores, ou seja: os que construíram ou constroem obra literária reconhecida mas divorciada de suas origens ancestrais; aqueles cujas referências às origens se escondem nos símbolos ou no eruditismo que utilizam; aqueles que usaram ou usam sua africanidade para com ela fazer Literatura simpática e pitoresca; e, finalmente, aqueles que (mesmo, porque alijados do mercado, editando por conta própria ou reunidos em cooperativas ou pequenas editoras ‘étnicas’) utilizaram e utilizam a Literatura como arma ou instrumento na luta contra o racismo e a exclusão. Escritores cujo discurso, no dizer de Conceição Evaristo, ‘fratura o sistema literário nacional em seu conjunto’, ou penetra nas brechas e fissuras desse sistema, como quer o nunca assaz citado Joel Rufino dos Santos.”