sexta-feira, 16 de junho de 2017

Riobaldo, Diadorim, Bloom e Dedalus

Os críticos sempre lembram a semelhança entre Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa,  e Ulysses, de James Joyce. Os pontos de encontro são muitos, na linguagem, na universalidade dos interesses, na multiplicidade do tempo e do espaço (veja que na objetividade, a história de Joyce cobre um dia de Leopold Bloom, e em Rosa, a conversa entre o doutor e Riobaldo se passa numa tarde; mas na subjetividade, há uma miríade de mundos. Ulysses espelha Odisseia, mas é muito mais que isso; Grande sertão: veredas espelha Fausto, de Goethe, mas é muito mais que isso).

No cotejo de semelhanças, os trechos mais incríveis são duas passagens engraçadas e herméticas:

Em Grande sertão: veredas, numa conversa entre Riobaldo e Diadorim sobre o que fariam depois da guerra, Riobaldo faz uma citação culta sobre espólios de guerra. Diadorim interrompe para falar de si e de seu futuro, mas fala coisa sem coisa, e ao mesmo tempo fala tudo que podia sem dizer nada:

“Hoje-em-dia eu nem sei o que sei, e, o que soubesse, deixei de saber o que sabia...”

Em Ulysses (tradução do genial Caetano Galindo), no capítulo 17, desenrola-se um jogo de perguntas e repostas (um espécie de diálogo no campo subjetivo, talvez uma lembrança de Bloom, ou uma invenção [terei de ler Sim, eu digo sim: uma visita guiada ao Ulysses de James Joyce]) sobre Bloom e Stephen Dedalus.

Num trecho, sobre a reação irritadiça de Bloom ao procurar uma chave no bolso e não encontrar, porque estava no bolso da calça que ele havia usado no dia anterior (da lembrança), vemos o seguinte:

“- Por que ele ficou duplamente irritado?
- Porque havia esquecido e porque se lembrava de ter se lembrado duas vezes de não esquecer.”

Recapitulando:

Diadorim: “Hoje-em-dia eu nem sei o que sei, e, o que soubesse, deixei de saber o que sabia...”

Bloom (discurso indireto): “Havia esquecido e porque se lembrava de ter se lembrado duas vezes de não esquecer.”


Eu morro de rir com tudo isso. E ao mesmo tempo, minha mente passeia por mil coisas, tateia uma infinidade de paredes sem poder escorar em nada.

Nenhum comentário: