Os críticos sempre lembram a
semelhança entre Grande sertão: veredas,
de João Guimarães Rosa, e Ulysses, de James Joyce. Os pontos de
encontro são muitos, na linguagem, na universalidade dos interesses, na
multiplicidade do tempo e do espaço (veja que na objetividade, a história de
Joyce cobre um dia de Leopold Bloom, e em Rosa, a conversa entre o doutor e
Riobaldo se passa numa tarde; mas na subjetividade, há uma miríade de mundos.
Ulysses espelha Odisseia, mas é muito mais que isso; Grande sertão: veredas
espelha Fausto, de Goethe, mas é muito mais que isso).
No cotejo de semelhanças, os
trechos mais incríveis são duas passagens engraçadas e herméticas:
Em Grande sertão: veredas, numa conversa entre Riobaldo e Diadorim
sobre o que fariam depois da guerra, Riobaldo faz uma citação culta sobre
espólios de guerra. Diadorim interrompe para falar de si e de seu futuro, mas
fala coisa sem coisa, e ao mesmo tempo fala tudo que podia sem dizer nada:
“Hoje-em-dia eu nem sei o que
sei, e, o que soubesse, deixei de saber o que sabia...”
Em Ulysses (tradução do genial Caetano Galindo), no capítulo 17,
desenrola-se um jogo de perguntas e repostas (um espécie de diálogo no campo
subjetivo, talvez uma lembrança de Bloom, ou uma invenção [terei de ler Sim, eu digo sim: uma visita guiada ao Ulysses de James Joyce])
sobre Bloom e Stephen Dedalus.
Num trecho, sobre a reação
irritadiça de Bloom ao procurar uma chave no bolso e não encontrar, porque
estava no bolso da calça que ele havia usado no dia anterior (da lembrança),
vemos o seguinte:
“- Por que ele ficou duplamente
irritado?
- Porque havia esquecido e
porque se lembrava de ter se lembrado duas vezes de não esquecer.”
Recapitulando:
Diadorim: “Hoje-em-dia eu nem
sei o que sei, e, o que soubesse, deixei de saber o que sabia...”
Bloom (discurso indireto):
“Havia esquecido e porque se lembrava de ter se lembrado duas vezes de não
esquecer.”
Eu morro de rir com tudo isso. E
ao mesmo tempo, minha mente passeia por mil coisas, tateia uma infinidade de
paredes sem poder escorar em nada.
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