tag:blogger.com,1999:blog-85359572693027745112024-03-14T01:16:38.432-03:00Leituras do Giba
Não há espaço para ódio neste blog. Eventualmente uma ranzinzice crítica. Mas o amor às narrativas é o grande juiz aqui, a peneira vigente desta plataforma. Este é o lugar da paixão movedora de interesses afetivos.Gilberto G. Pereirahttp://www.blogger.com/profile/03818881816267946333noreply@blogger.comBlogger694125tag:blogger.com,1999:blog-8535957269302774511.post-43598632054289001762024-01-16T13:49:00.002-03:002024-01-16T13:49:47.270-03:00JOÃO GUIMARÃES ROSA E A EXPANSÃO DO ESTÉTICO<div align="justify">Ler prosa sem acompanhar o fio da história é entediante para qualquer leitor, até mesmo para aqueles que procuram no texto a qualidade estética, o cerne do trabalho literário, que vai além do enredo em si.<br /><br />Essa relação leitor/texto, no entanto, é diferente na leitura da poesia, porque entra em jogo a questão da sonoridade, do ritmo, do encantamento dos versos, além do teor central, que é a condensação, a alta voltagem concentrada nas linhas poéticas.<br /><br />Mas em Guimarães Rosa, as convenções de leitura em prosa vão por terra. Em seus contos e romances, o texto é um mar de poesia. São águas poéticas em ondas revestidas de prosa. Tudo está ali: a condensação, o jogo de palavras, a musicalidade finamente trabalhada, o máximo no mínimo e a expansão do estético.</div><div align="justify"><br />Basta a leitura de um conto de <strong>Primeiras Estórias</strong>, de um trecho de <strong>Grande Sertão: Veredas</strong>, ou de qualquer outro livro de Rosa, para o leitor se deixar mergulhar na poeticidade do texto e surgir de lá como quem traz ricos tesouros de linguagem, pronto para sentir-pensar.</div>Gilberto G. Pereirahttp://www.blogger.com/profile/03818881816267946333noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8535957269302774511.post-42372767379541214732022-12-24T09:18:00.004-03:002022-12-24T09:24:28.433-03:00A noite de Elie Wiesel<p> </p><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhiuj0TkYZubKyOLS7yg2UiUVvikZewhMZF__YKgEtKHViWx2Vva4RAiXXlEa5m4nN5f44L1H1S7uBEDGh28H-pxoRfR43KBYkaaiJpa4yMpddEAb2bwfCiMQL7iNZapi9rKwwvxYI-DMjnFLz8PjE7TkXEusmSJQqtBiHw9pKPuoKP6lzVwGyIEC94/s3000/Elie-Wiesel-night-holocaust_11_758168a4cf4c679dad15ae7f031885ce.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="2434" data-original-width="3000" height="520" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhiuj0TkYZubKyOLS7yg2UiUVvikZewhMZF__YKgEtKHViWx2Vva4RAiXXlEa5m4nN5f44L1H1S7uBEDGh28H-pxoRfR43KBYkaaiJpa4yMpddEAb2bwfCiMQL7iNZapi9rKwwvxYI-DMjnFLz8PjE7TkXEusmSJQqtBiHw9pKPuoKP6lzVwGyIEC94/w640-h520/Elie-Wiesel-night-holocaust_11_758168a4cf4c679dad15ae7f031885ce.jpg" width="640" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: Cambria; text-align: start;"><span style="font-size: x-small;">As tropas americanas, da 80ª Divisão de Infantaria, entraram no Campo de Buchenwald, em 16 de abril de 1945, para resgatar os prisioneiros, e os fotografaram. Elie Wiesel está na segunda fileira, de baixo pra cima, o sétimo a partir da esquerda. Fonte: Digital Public Library of America</span></span></td></tr></tbody></table><p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><br /></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">O contexto era o do nazismo, da perseguição aos judeus, da violência brutal, dos assassinatos misturados em ódio e diversão. O que um menino podia fazer? Como você reagiria?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="font-size: medium;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">O trecho abaixo é parte da introdução de <b>Night</b> (1958), livro de memórias de Elie Wiesel (1928-2016), Prêmio Nobel da Paz de 1986, sobrevivente dos campos de concentração nazistas. (A tradução do trecho é minha).<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="font-size: medium;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="font-size: medium;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">“Lembro-me daquela noite, foi a mais hedionda de minha vida:<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="font-size: medium;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">‘…Eliezer, venha aqui, quero te dizer uma coisa... Só você... Venha, não me deixe só... Eliezer…’ [dizia, em ídiche].<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="font-size: medium;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">Ouvia sua voz, captava o sentido de suas palavras e a trágica dimensão do momento, mas fiquei quieto.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="font-size: medium;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">Era seu último pedido, desejando que eu estivesse do seu lado em sua agonia, no momento que sua alma era arrancada de seu corpo dilacerado – e ainda assim não atendi seu desejo.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="font-size: medium;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">Eu estava com medo.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="font-size: medium;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">Com medo das porradas.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="font-size: medium;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">Foi por isso que fiquei mudo para seus gritos.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="font-size: medium;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">Em vez de sacrificar minha vida miserável e correr para junto dele, segurando sua mão, confortando-o, mostrando que ele não fora abandonado, que eu estava com ele, que eu sentia sua dor, fiquei quieto e mudo, pedindo a Deus que fizesse meu pai parar de chamar meu nome, que o fizesse parar de gritar. De tanto medo que eu tinha de me submeter à ira da SS.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="font-size: medium;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">Meu pai, de fato, não estava mais consciente. Apesar disso, sua voz assustadoramente suplicante continuava rompendo o silêncio e clamando por mim, por ninguém mais além de mim. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="font-size: medium;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">‘E então?’ O soldado da SS tinha irrompido em fúria, e acertava meu pai na cabeça: ‘Fique quieto, velho! Fique quieto!’<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="font-size: medium;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">Meu pai não sentia mais o impacto das bastonadas. Eu sim. E apesar disso, eu não reagia. Deixei a SS espancar meu pai. Eu o deixei sozinho, nas garras da morte. Pior: eu estava zangado com ele por fazer barulho, por ter gritado, por provocar a ira da SS.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="font-size: medium;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">‘Eliezer! Eliezer! Venha, não me deixe só...’<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="font-size: medium;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">Sua voz tinha me alcançado de tão longe e de tão perto. Mas não me mexi.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="font-size: medium;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">Nunca vou me perdoar por isso. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="font-size: medium;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: medium;">E também jamais perdoarei o mundo por ter-me empurrado contra o muro, por ter feito de mim um estranho, por ter despertado em mim os instintos mais baixos, mais primitivos.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="font-size: medium;"> </span></o:p></p><p><span style="font-family: Cambria; font-size: medium;">Sua última palavra foi meu nome. Uma súplica. E não fui capaz de atendê-lo.”</span></p><p><span style="font-family: Cambria; font-size: medium;"><br /></span></p><p><span style="font-family: Cambria; font-size: medium;">.</span></p>Gilberto G. Pereirahttp://www.blogger.com/profile/03818881816267946333noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8535957269302774511.post-90319616178296615462022-11-23T13:06:00.006-03:002022-11-24T00:15:21.846-03:00Freud deveria voltar<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgK7xEQ6L0LzjXiqE4QwLN_-bgm2cGu7e5AFibtdnz5QoXwT_vn6EzQAfmy1mMF8zr29SHQTT-XBp9dFmc6n8AbiHKJYMV0TjR3cfy4kr_wLIStqJh0ma4YC2wrXZs9xTDR7OOZzje4GFQdZE5We1YZBEX4ZAGOmk_AAKln9VG6vs0XQVuPig81SvwQ/s300/Unknown.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="168" data-original-width="300" height="358" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgK7xEQ6L0LzjXiqE4QwLN_-bgm2cGu7e5AFibtdnz5QoXwT_vn6EzQAfmy1mMF8zr29SHQTT-XBp9dFmc6n8AbiHKJYMV0TjR3cfy4kr_wLIStqJh0ma4YC2wrXZs9xTDR7OOZzje4GFQdZE5We1YZBEX4ZAGOmk_AAKln9VG6vs0XQVuPig81SvwQ/w640-h358/Unknown.jpg" width="640" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Em 2020, a Netflix lançou uma minissérie intitulada <b>Freud</b>. Foi uma das melhores coisas de streaming daquele ano que viria a ser assolado pela pandemia. Fiquei esperando uma segunda temporada, mas não apareceu até agora. Enquanto espero, escrevo sobre o que vi.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="font-family: arial;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">É sintomático que a primeira cena da série é de charlatanismo. Não deixa de ser um chiste interessante (eu morri de rir). Aliás, o primeiro episódio intitulado <i>Histeria</i> é pródigo em chistes, ao mesmo tempo que a trama vai mergulhando no lado sombrio do humano. Será que o roteirista chefe dessa bagaça faz análise? Claro que sim.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="font-family: arial;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><b>Freud</b> é um thriller psíquico em que a investigação dos atos violentos, de assassinatos, estupros e tais, no meio de um problema político envolvendo os laços de poder do império austro-húngaro, se intercala à investigação dos negócios da alma e a busca de um lugar ao sol pelo jovem psiquiatra. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="font-family: arial;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Num ambiente de mães corajosas e pais repressores, Sigmund Freud (Robert Finster), com dificuldade para pagar o aluguel, tomando chá de cocaína o tempo inteiro, tenta se estabelecer como psiquiatra, buscando um diferencial na careira como médico de comportamento.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="font-family: arial;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Ele se apresenta para a anfitriã de uma festa, a condessa Sophia (bela e perigosíssima vilã) como um judeu médico visto pelos seus pares como desajustado, louco e charlatão. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="font-family: arial;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Tem um roteiro deliciosamente atrevido. Mexe e remexe com as teorias do dr. Freud. A trama vai sendo costurada dialogicamente, como num conto de Dostoiévski, fazendo uso também da estética de Arthur Schnitzler (que não por acaso aparece na trama), autor de <b>Breve romance de sonho</b>, em que Stanley Kubrick se baseou para fazer o filme <b>De olhos bem fechados</b>.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="font-family: arial;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Toda a atmosfera da série, a fotografia, o cenário, a tonalidade dos mistérios, tudo, advém da estética de Schnitzler, cuja obra literária tem muito a ver com o universo da psicanálise. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="font-family: arial;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Na vida real, Freud também era amigo de Schnitzler. Numa carta, o pai da psicanálise chegou a dizer que ambos tratavam do mesmo tema, com propósitos diferentes. Na série, o roteirista achou um jeito de unir as duas mentes. E ficou fantástico. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="font-family: arial;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Os tormentos (como o do inspetor Kiss, que obedecera a ordem de seu superior - Georg von Lichtenberg – de matar inocentes na guerra austro-prussiana), os desejos reprimidos, a homossexualidade clandestina (Lichtenberg é amante do jovem tenente Riedl), as taras, as pulsões se manifestando nos corpos, sonhos e pesadelos povoam as noites de Viena.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="font-family: arial;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Vemos a atmosfera sombria do que viria a ocorrer no século vindouro. Quase todos os homens têm cicatrizes no rosto, resultantes de duelos de esgrimas, mas que servem como metáfora dos traumas. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="font-family: arial;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Em uma das cenas, Joseph Breuer, orientador de Freud (na série e na vida real), diz ao aluno: “Nos mapas antigos quando não se conheciam os limites do mundo, desenhavam-se quimeras assustadoras e escreviam ‘Hic sunt dracones’, ‘aqui há dragões.’ Um perigo do desconhecido que não compreendemos. Mantenha distância.”<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="font-family: arial;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">“E se eu quiser ser um cartógrafo? Um pioneiro?”, pergunta Freud.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="font-family: arial;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Numa apresentação para doutores, ele expõe seu pensamento e demonstra o quanto era brilhante para criar metáforas, para puxar do abismo insondável de seu objeto de estudo as imagens mais significativas, embora ali, naquele momento, suas palavras não correspondessem ao que tinha para oferecer como prática.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="font-family: arial;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">“A histeria é uma emanação daquilo que chamo inconsciente. Eu sou uma casa. Está escuro dentro de mim. Minha consciência é uma luz solitária, uma vela ao vento, que cintila às vezes aqui, às vezes acolá. Todo o resto está nas sombras. Todo o resto reside no inconsciente. Mas as outras salas estão lá. Nichos, corredores, escadarias, portas, o tempo todo. Tudo que vive dentro de nós, tudo que perambula dentro de nós está lá, operando e vivendo dentro da casa que somos. Instinto, desejos, tabus, pensamentos proibidos, desejos proibidos, memórias que não queremos que as encontrem. Elas dançam à nossa volta na escuridão, nos atormentam e nos atiçam, interferem, assombram e sussurram. Elas nos assustam, nos adoecem, nos deixam histéricos.” <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="font-family: arial;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">Se ignorarmos o fator histeria, que deixou de ser importante nas linhas de investigação psicanalítica, a imensa casa como metáfora do inconsciente ainda vale.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="font-family: arial;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: arial;"><b>Freud</b>, como série de ficção, é um grande achado da Netflix. Dizem por aí que psicanalistas não curtiram muito a produção. Danem-se os psicanalistas (sintoma)! Eu, que não sou psicanalista nem porra nenhuma, fiquei fissurado nela. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="font-family: arial;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: arial;">.</span><span style="font-family: Cambria;"><o:p></o:p></span></p>Gilberto G. Pereirahttp://www.blogger.com/profile/03818881816267946333noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8535957269302774511.post-83644960617124995502022-01-19T09:07:00.003-03:002022-01-19T09:09:19.707-03:00A arte de imitar folhas<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEiChTZSZPKSVqIzPFVSB1E3hjs9hA3e-5ZPKzHOX1sJGYio86lCfWTVr6WyvyRSR3E9zYYtbTlg0FmmAofyjkwz-L1v0rkuwXcKjEUWZ49mEgZzUVuvaqJZRrpx6Xbb2BvKJpoXrLY3Dow9Ixucqau_l5vyq47NZPWCZ4pRYrOQnmMXqr1mbT9hbKaB=s4608" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="4608" data-original-width="3456" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEiChTZSZPKSVqIzPFVSB1E3hjs9hA3e-5ZPKzHOX1sJGYio86lCfWTVr6WyvyRSR3E9zYYtbTlg0FmmAofyjkwz-L1v0rkuwXcKjEUWZ49mEgZzUVuvaqJZRrpx6Xbb2BvKJpoXrLY3Dow9Ixucqau_l5vyq47NZPWCZ4pRYrOQnmMXqr1mbT9hbKaB=w480-h640" width="480" /></a></div><br /><p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Eu também fico assustado<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Eu também tenho medo do mundo<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Às vezes<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Tenho medo do espaço infinito<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Às vezes<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Tenho medo dos astros<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Dos pastos<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Da gravidade<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Do vento<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Do ar<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Das areias<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Das águas<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Do tempo<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Tenho medo das coisas invisíveis <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">E das coisas que só eu vejo e não posso descrevê-las<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Porque eu seria louco<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Tenho medo da loucura <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Da carne e da solidão<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Tenho medo quando a sombra da terra engole a lua e o sol<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">E quando o céu soturno produz cores no escuro<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Cores que não sei distinguir das que matizam meus olhos<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Como se viessem de dentro de mim<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Como se fossem luzes galácticas que iluminariam o mundo<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Tenho medo de ser o sol de alguém<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">E se eu apagar?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Olhe<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Assustar-se por ter medo é normal<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Também me assusto<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Às vezes<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">O primeiro susto é quando a gente nasce<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">A alma dá um pulo dentro da gente e a gente passa a existir<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">A gente nasce como quem brota<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Toda mãe é uma primavera<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Todo pai é um tenebroso outono de chuvas ácidas<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Imagine<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Um broto saindo da terra na selva, entre pés e bichos<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Existindo<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Imagine<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">A selva que é viver<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Para além do mato<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Na fauna humana, inventora de mundos<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Na fauna humana, inventora de choques<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Na fauna humana, inventora de toques<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">E lembranças dentro de lembranças<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Dentro de sonhos<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">E restos de sensações que triscam a alma<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">E ela pula<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">E sabemos<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Lembramos<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Da existência<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Tememos, e trememos, e bebemos, e dizemos só a verdade<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">A verdade é a única coisa que existe de verdade<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">A verdade foi criada por nós que criamos a nós mesmos<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Antes de criar o mundo sobre o mundo já criado<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Criamos a nós mesmos<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Antes de criar o mundo sobre o mundo já criado<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Cheio de bichos e pés e asas e nadadeiras e raízes sugadoras de seiva<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Criamos a nós mesmos<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">E viscosidade e lama<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">E chamas e pingos<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Criamos a nós mesmos<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">De líquidos que nos dissolvem e nos evaporam<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">E desaparecemos<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Sem o medo, porque o medo fica<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">E desaparecemos<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Sem o medo<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">E o susto é o prenúncio de quem vai nascer (como grilos)<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">E desaparecemos<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Sem o medo, com susto<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">E desaparecemos<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Sem o medo, porque o medo fica<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">A preparação para o medo<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Às vezes<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Porque há também a força que nos impulsiona para o destemor<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Porque há também a força que governa o medo<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Às vezes<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Enquanto flutuamos como flocos e féculas<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Enquanto flutuamos como seres helicoidais<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Seres que se entrepenetram e se eternizam<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Enquanto flutuamos como seres sempre com medo e assustados<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Como se um sopro no ouvido<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Como se um sussurro<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Um urro baixinho, infrassônico<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Como se a existência toda pelos espaços vazios<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Entre os astros<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Dissessem<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Num susto<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Eu também sou<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Somos<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Cromo<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">E quando me assusto, eu mudo de cor<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;">Mudo, mudo</span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 14pt; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; text-align: left;">Mudo de cor</span></p><p>(Gilberto G. Pereira)</p><p>.,.</p>Gilberto G. Pereirahttp://www.blogger.com/profile/03818881816267946333noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8535957269302774511.post-60580253416943883492020-12-04T20:08:00.008-03:002020-12-04T20:26:07.494-03:00Lourival Belém Jr. disponibiliza seus filmes no YouTube<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-bTx-RPjMQOU/X8q93fB4RDI/AAAAAAAAJFs/P0kv62_DWfU8tqcrJ56tlXp7HeQvdhaegCLcBGAsYHQ/s1500/filme_turista_espelho_lancamento.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" data-original-height="1500" data-original-width="1000" height="400" src="https://1.bp.blogspot.com/-bTx-RPjMQOU/X8q93fB4RDI/AAAAAAAAJFs/P0kv62_DWfU8tqcrJ56tlXp7HeQvdhaegCLcBGAsYHQ/w266-h400/filme_turista_espelho_lancamento.jpg" width="266" /></a></div><p><span style="font-family: inherit; text-align: justify;">Lourival Belém Jr. é um cineasta documentarista de curta metragem daqui de Goiânia, que sempre esteve antenado com a renovação da linguagem do cinema. Geograficamente distante do main stream, ele nunca se afastou das inovações narrativas. </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;"><span>Seu filme mais recente, <b>O Turista no Espelho</b> (2018, 26 min., colorido), é um exemplo disso. Sua obra vem sendo baixada no canal que leva seu nome no YouTube. Quem quiser apreciar, já estão lá filmes como <b><a href="https://www.youtube.com/watch?v=APt3tmAR-GA&t=16s" target="_blank">Concerto da Cidade</a></b> (Prêmio Fica 2005), <b><a href="https://www.youtube.com/watch?v=TjZYe8Zc16w" target="_blank">Recordações de Um Presídio de Meninos</a></b> (2009) e o belíssimo <b><a href="https://www.youtube.com/watch?v=ayBUd6OYNwY" target="_blank">Quinta Essência</a></b> (1982/2014), o mais poético de todos (em parceria com </span><span style="text-align: left;">Ronaldo Araújo)</span><span>.</span><span> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;">Na próxima quinta-feira, 10 de dezembro, será a vez de <b>O Turista no Espelho</b> ser lançado no canal, filme experimental com uma onda dialógica que vai tecendo junto literatura, releitura cinematográfica, jornalismo, pajelança como protesto, turismo, discurso político, denúncia, num processo que se identifica com a estética relacional, em que ele vai juntando outras narrativas à sua própria, criando um universo crítico, novo e rico. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;">É assim que ele dialoga com a literatura de Milton Hatoum, com o cinema de Jorge Bodanzky e Orlando Senna, <b>Iracema – Uma Transa Amazônica</b>, de 1975, com linguagens publicitárias que, recriadas no escopo do cinema de Belém, denunciam com sarcasmo a voracidade do consumismo e das marcas registradas.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;">Há cenas que se estendem às cidades grandes como Rio de Janeiro, Goiânia e Brasília, para mostrar o fruto da desigualdade e da expulsão das pessoas da zona rural para as periferias urbanas. E a luta. O Turista é sobretudo a revelação das lutas, de suas preparações, como instrumento de sobrevivência, mais do que de conquistas. </span></p><p><span style="font-family: inherit;">Como todos os outros filmes de Belém Jr, a estética é sinônimo de interferência política, que é a alma das artes contemporâneas, sobretudo as plásticas, a fotografia e o cinema documentário, além de um certo nicho da literatura e do cinema de ficção.</span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;"><b>Estética e política</b><o:p></o:p></span></p><p><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-idtblp20L-Q/X8q9ypYJtXI/AAAAAAAAJFo/A7bOpwU4ERgZg9oLzv8SZCknEb2cig3iwCLcBGAsYHQ/s2048/Filme_O_Turista_Espelho_diretor_Lourival_Belem_Foto_03_Guaralice_Paulista_Belem.JPG" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><span style="font-family: inherit;"><img border="0" data-original-height="1371" data-original-width="2048" height="214" src="https://1.bp.blogspot.com/-idtblp20L-Q/X8q9ypYJtXI/AAAAAAAAJFo/A7bOpwU4ERgZg9oLzv8SZCknEb2cig3iwCLcBGAsYHQ/w320-h214/Filme_O_Turista_Espelho_diretor_Lourival_Belem_Foto_03_Guaralice_Paulista_Belem.JPG" title="Lourival Belém Jr., cineasta goianiense" width="320" /></span></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: inherit;">Lourival Belém Jr., cineasta goianiense</span></td></tr></tbody></table><span style="font-family: inherit;"><br /></span><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;">A linguagem experimental de <b>O Turista</b> oferece as perspectivas documentaristas de seu tempo, e o roteiro perfaz o mergulho do cineasta e sua mulher nas ramagens da sociedade profunda da Amazônia, comos os índios, os ribeirinhos e os sem-terra (marginalizados pelo poder e pela elite econômica, mas de fato fixados no coração da floresta). <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;">Eles viajam para esses lugares com uma câmera amadora na mão e mil sentimentos na cabeça (de indignação, de admiração, de dó, de impotência, de espanto, de integração, de reconhecimento, de distanciamento). </span></p><p><span style="font-family: inherit;">Como turista, o cineasta não é mais aprendiz, como o fora Mário de Andrade, que também viajou pelos Norte e Nordeste brasileiros, registrando narrativas e informações sobre o Brasil profundo. Como turista, Belém vê a si mesmo nas pessoas que ele filma, embora sinta-se separado delas pela linguagem e pelos costumes que foram sendo alijados do Brasil oficial ao longo dos séculos.</span></p><p><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p><p><span style="font-family: inherit;">...</span></p>Gilberto G. Pereirahttp://www.blogger.com/profile/03818881816267946333noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8535957269302774511.post-62661790798069076712020-06-04T14:18:00.005-03:002021-01-04T09:36:36.902-03:00Georges Bataille sobre museu<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<span style="font-size: x-small;"> Foto: Gilberto G. Pereira</span></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-ZZAhOLictHE/XtkrjoXb3ZI/AAAAAAAAISU/ynNWOteJjHMlj3ClibQwB_74LOZe5rhMwCLcBGAsYHQ/s1600/DSCN2483.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="1200" data-original-width="1600" height="480" src="https://1.bp.blogspot.com/-ZZAhOLictHE/XtkrjoXb3ZI/AAAAAAAAISU/ynNWOteJjHMlj3ClibQwB_74LOZe5rhMwCLcBGAsYHQ/s640/DSCN2483.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><div class="MsoNormal" style="font-family: "Times New Roman"; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: "calibri";"><span style="font-size: x-small;">Três músicos</span></span></b><span style="font-family: "calibri";"><span style="font-size: x-small;">, óleo sobre tela, de Pablo Picasso, (1921): acervo da Fundação Mrs. Simon Guggenheim, em exposição no Museu de Arte Moderna, NY, em 2016.</span><span style="font-size: small;"><o:p></o:p></span></span></div>
</td></tr>
</tbody></table>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">De acordo com a Grande Enciclopédia, o primeiro museu no sentido moderno da palavra (significando o primeiro acervo público) foi fundado na França pela Convenção de 27 de Julho de 1793. A origem do museu moderno está, portanto, ligada à invenção da guilhotina.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O museu é como os pulmões de uma grande cidade. Todo domingo, o público mergulha como sangue dentro do museu e emerge purificado e fresco. As pinturas não são outra coisa senão superfícies mortas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">É dentro do público que o jogo de fluxo de luzes e radiação, tecnicamente narrado pelos críticos autorizados, é produzido. É interessante observar o fluxo de visitantes, visivelmente guiado pelo desejo, se assemelhar às visões celestiais que arrebatam aos olhos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O museu é o espelho colossal no qual o homem, finalmente se contemplando de todos os lados e se encontrando literalmente num objeto maravilhoso, abandona a si mesmo ao êxtase expresso na imprensa literária.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><b>Georges Bataille</b>, “Museum,” Outubro, no. 36 (1986), p. 25; tradução para o inglês de Annette Michelson; publicado primeiramente no Documents 2, no. 5 (1930), p. 300. (Tradução para o português: GGP). </span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">...</span><span style="font-family: "calibri"; font-size: small;"><o:p></o:p></span></div>
<br />Gilberto G. Pereirahttp://www.blogger.com/profile/03818881816267946333noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-8535957269302774511.post-81272421979605620642020-06-03T14:58:00.008-03:002021-05-17T15:28:12.866-03:00Inglês renovado: “Memórias póstumas de Brás Cubas” ganha nova tradução nos EUA <div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-Dh3FEjxTIao/Xtfj4eJTuiI/AAAAAAAAISE/cQI2PpiKl6gR8BQkXmMjTfsreO5dM_LfgCLcBGAsYHQ/s1600/71-aEjWHOaL.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><br /><img border="0" data-original-height="1600" data-original-width="1046" height="640" src="https://1.bp.blogspot.com/-Dh3FEjxTIao/Xtfj4eJTuiI/AAAAAAAAISE/cQI2PpiKl6gR8BQkXmMjTfsreO5dM_LfgCLcBGAsYHQ/s640/71-aEjWHOaL.jpg" width="418" /></a></div>
<br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O escritor americano Dave Eggers, aquele de livros como <b>Uma comovente obra de espantoso talento</b> e <b>O círculo</b> (que virou filme com a hermiônica Emma Watson), escreveu o prefácio da nova tradução de <b>Memórias póstumas de Brás Cubas</b> para o inglês (“The Posthumous Memoirs of Brás Cubas”, por Flora Thomson-DeVeaux), cuja edição saiu agora em junho nos EUA, pela Penguin Classics.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O prefácio foi publicado na revista <b>The New Yorker</b> desta semana. Se há algo que Eggers não tem é medo de adjetivos. São muitos jogados sobre o romance do Bruxo do Cosme Velho: sagaz, um dos mais brilhantes, mais divertidos, mais vivos atemporais, cintilante, absoluto, presente glorioso, muito engraçado, inimitável, mordaz, melancólico, autodilacerante e romântico. Isso só nos primeiros parágrafos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Trata-se de um texto brilhante, entusiasmado, laudatário até, mas muito verdadeiro, que chama o leitor anglo-saxônio para a arena das leituras novamente de um autor sem igual, conforme ele diz. O título do artigo é <b>Redescobrindo um dos livros mais brilhantes já escritos</b> (<a href="https://www.newyorker.com/books/second-read/rediscovering-one-of-the-wittiest-books-ever-written" target="_blank">leia o texto no original</a>). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Eggers começa falando assim: <b><o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“O talento sagaz pula séculos e hemisférios. Não fica empoeirado, e, quando acerta a mão, não envelhece. “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Joaquim Maria Machado de Assis, é um desses casos. Esquecido por muitos, é um dos livros mais brilhantes, mais divertidos e, por isso mesmo, um dos mais vivos e atemporais já escritos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">É uma história de amor – muitas histórias de amor, na verdade – e é uma comédia de classes e de costumes, e de ego, e é uma reflexão sobre um país e um tempo, e um olhar pleno sobre a mortalidade, e ainda por cima é uma exploração íntima e arrebatadora da arte de narrar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">É uma cintilante obra-prima, e uma alegria absoluta como leitura, mas que, por alguma razão obscura, quase nenhum falante de inglês no século 21 a leu (eu mesmo só vim ler pela primeira vez recentemente, em 2019).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Mas ele sobrevive, e deve ser lido, pela música de sua prosa e, mais do que qualquer coisa, por seu gracejo formal. A nova tradução, feita por Flora Thomson-DeVeaux, é um presente glorioso para o mundo, porque ela cintila, porque ela canta, porque é muito engraçada e procura captar o estilo inimitável de Machado, a um só tempo mordaz e melancólico, autodilacerante e romântico.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Breves e lúcidos capítulos<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Em seguida, contextualiza a trama, tece comentários sobre o personagem, sobre os capítulos e a sagacidade do narrador.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Seu narrador, Brás Cubas, está morto. Ele conta a história de sua vida do túmulo, e, talvez porque não tenha nada a perder – estando morto e tudo -, narra a história exatamente do jeito que quer, a convenção que se exploda. O romance se desdobra em breves e lúcidos capítulos, elucidado além disso com infindáveis referências do narrador e dúvidas de si mesmo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">‘Começo a arrepender-me deste livro’, escreve Brás Cubas em um capítulo chamado <i>O senão do livro</i> (‘The Flaw in the Book’). ‘Não que ele me canse”, continua. “Eu não tenho que fazer; e, realmente, expelir alguns magros capítulos para esse mundo sempre é tarefa que distrai um pouco da eternidade.’<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">A história, no seu fulcro, é quase convencional, um triângulo amoroso aristocrático do século 19. Brás Cubas flutua pelo meio das classes endinheiradas do Rio de Janeiro, mas não tem vontade de se casar (obsessão da irmã), nem tem ambição de fazer carreira no funcionalismo público (desejo do pai).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Ele deixa passar a chance de se casar com a bela Virgília e assim ser catapultado para a vida pública com a influência do poderoso pai dela. Em vez disso, um honrado homem chamado Lobo Neves é que ganha a mão de Virgília e o apadrinhamento do sogro. E só então Brás Cubas começa a se interessar por ela. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Eles iniciam um caso e tentam – sem dificuldade – manter a relação às escondidas do assaz despreocupado marido. Logo, todo mundo na sociedade carioca parece saber, e o perigo da descoberta só faz os amantes se aproximarem ainda mais.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Enquanto isso (do túmulo), Brás Cubas contempla o significado da vida, auxiliado pelo amigo Quincas Borba, que tenta popularizar um sistema filosófico chamado Humanitismo, destinado, escreve Machado, ‘a arruinar todos os demais sistemas.’ No centro da doutrina está a crença na retidão de todo ser humano. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Brás Cubas admite que a doutrina é panglossiana, mas encontra um certo conforto na noção radical de que os humanos deveriam ser permitidos a fazer qualquer coisa que eles naturalmente fazem, de que devemos fazer qualquer coisa que queremos fazer – com uma reverência especial ao ato de fazer mais humanos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">‘O amor, por exemplo’, escreve, ‘é um sacerdócio, a reprodução um ritual. Como a vida é o maior benefício do universo... segue-se que a transmissão da vida, longe de ser uma ocasião de galanteio, é a hora suprema da missa. Porquanto, verdadeiramente há só uma desgraça: é não nascer.’<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Machado meneia entre a história de amor do livro e seus interlúdios metafísicos com facilidade, em parte porque, embora o livro seja sobre coisas sérias – amor, a vida em si, a finalidade da morte –, nunca se leva a sério.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">No capítulo IV, <i>A ideia fixa</i>, Machado inicia uma grande analogia comparando menos esforços humanos para aqueles que ecoam através das eras. ‘Mal comparando, é como a arraia-miúda, que se acolhia à sombra do castelo feudal; caiu este e a arraia ficou. Verdade é que se fez graúda e castelã... Não, a comparação não presta.’<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Os títulos dos capítulos em si já são desconcertantes. Um capítulo, habilmente chamado de <i>Triste, mas curto</i>, é seguido de outro chamado <i>Curto, mas alegre</i>, o que ambos são. Há um capítulo dedicado às botas, um outro às pernas do autor, enquanto outro é chamado de <i>Que não é sério</i>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O capítulo CXXX é intitulado <i>Para intercalar no capítulo CXXIX</i>, e no seu final, o autor pede que o leitor o coloque entre a primeira e a segunda frase do capítulo anterior. Há também uma longa alucinação envolvendo hipopótamos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">De alguma forma, nenhuma das gags e diversão intertextual faz diminuir a força da história. O romance entre Brás Cubas e Virgília é convincente e selvagemente lírico. O sentimento que temos pelo ignorante Lobo Neves é verdadeiro, e o crime cometido pelo narrador e Virgília contra ele nunca é punido – nem na vida, nem na morte.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">E esta é a chave. Este é um livro ateísta, em que não há julgamento que não seja o da consciência, e no qual o ofensor mente sozinho, num caixão permeado de vermes, recontando sua vida e seus fracassos sem qualquer consequência pesada. É engraçado também. É completamente original e diferente de todos os livros que vieram depois dele e que possam, conscientemente ou não, ter se influenciado por ele.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Experimentar<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">E aí, Eggers segue seu texto avaliando o quadro geral dos clássicos, mostrando o quanto Machado está inserido nesse bojo de gênios, o quanto ele não está só, mas apontando sempre para o passado. Para frente de Machado, não há nada igual, como ele já disse. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O que temos nos dias de hoje são romances de autores que se levam a sério demais, diz Eggers, e não conseguem experimentar nem na forma, nem no conteúdo. Na sua avaliação, na contemporaneidade, só temos autores que não experimentam a linguagem. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Segundo o autor, ele participou de um concurso literário alguns anos atrás e havia mais de 400 romances para ler. Desses 400, algumas dúzias eram engraçados, mas apenas alguns eram divertidos de ler, e desses, apenas dois, exatamente dois, “eram, de modo significante, experimentais.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Se isso não for a indicação de um generalizado medo do novo, uma hesitação em aproveitar oportunidades, e uma assustadora e mal-orientada autosseriedade sobre o romance, não sei bem o que é”, diz ele.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Não se trata de dizer que todos os romances, ou a maioria deles, deveriam ser, ou podiam ser, tão divertidos quanto este. Mas não ia doer ter mais alguns que permitissem os humanos – personagens, leitores, autores também – rirem. Negar as piadas na vida, e a piada da vida em si, é muito triste”, finaliza.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">...//...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Dave Eggers é autor de livros como <b>O que um cidadão pode fazer?</b> e <b>O monge de Mokha</b> (em tradução livre). Ele é o co-fundador do Congresso Internacional das Vozes da Juventude.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: inherit;">...</span>Gilberto G. Pereirahttp://www.blogger.com/profile/03818881816267946333noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8535957269302774511.post-15164057313078048692020-05-28T19:07:00.003-03:002020-05-28T19:08:20.708-03:00Breve história da humilhação: fragmento do livro México, de Erico Verissimo<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-VdcwT4b9V4w/XtA110PJuHI/AAAAAAAAIQA/mxfIyixcw2UyN5qOpUOcWKpLoBITe6TOgCLcBGAsYHQ/s1600/DSCN2048.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1600" data-original-width="1200" height="640" src="https://1.bp.blogspot.com/-VdcwT4b9V4w/XtA110PJuHI/AAAAAAAAIQA/mxfIyixcw2UyN5qOpUOcWKpLoBITe6TOgCLcBGAsYHQ/s640/DSCN2048.jpg" width="480" /></a></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Em seu livro de viagem <b>México</b> (1957), Erico Verissimo (1905-1975) conta a história (à qual ele dá o título irônico de O Herói) de um coronel do exército legalista na Revolução de 1910, que foi pego pelos revolucionários comandados por Emiliano Zapata, julgado sumariamente e condenado à morte por fuzilamento.<span style="font-size: small;"><o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">E aí, o que Verissimo narra é digno de nota justamente por mostrar como nenhuma bravura consegue superar a capacidade humana de criar mecanismos de humilhação e maldade. Às vezes, a operação é simples, como esta, mas eficaz. Verissimo ouviu o relato do grande pintor mexicano David Alfaro Siqueiros (1896-1974).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Ao ser feito prisioneiro, “o coronel não se defendeu, não pediu clemência, não pronunciou uma palavra durante o julgamento. Recebeu a sentença sem mover sequer um músculo da máscula face. Saiu da sala pisando firme, a cabeça erguida, o porte ereto. Na prisão, onde aguardava com outros condenados a execução da sentença de morte, recusou-se a receber a esposa, que, tendo sido informada do acontecido, viera desesperada e em pranto pedir aos revolucionários que poupassem a vida do marido. ‘Retire-se!’, gritava este sem a mirar. ‘Não peço, nem quero clemência. Volte para casa!’<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Numa dada madrugada, os guardas levaram os priosoneiros para o local de fuzilamento. Na porta da prisão, estavam as mães, as mulheres e os filhos dos condenados, inclusive a mulher do coronel. Quando eles passaram, o clamor começou e os acompanhou até o local do fuzilamento. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“A esposa do coronel caminhava ao lado do marido, pendurava-se-lhe nos braços, no pescoço, beijava-lhes as mãos, que ele tinha amarradas às costas, mas o homem continuava a caminhar imperturbável, como se ela não existisse.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">A caminhada, no entanto, era longa, e a postura do coronel foi mudando aos poucos no percurso. “O homem agora não caminhava teso; a cabeça lhe caía sobre o peito e seus passos eram menos firmes. Ele já olhava para a esposa com um misto de ternura e pena.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Ali, ele já estava quebrado. Talvez haja valentões que suportem mais, ao saberem que vão morrer. Mas ali o bravo coronel já estava partido ao meio. “Sua expressão transformou-se em terror quando, no alto do cerro, ele viu o primeiro companheiro cair diante do muro, crivado de balas. Haviam-no deixado para o fim, e ele tinha de olhar ou pelo menos ouvir o fuzilamento dos outros, em meio aos gritos de desespero das mulheres.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Clareava a barra do horizonte. Galos amiudavam. Soprava um ventinho frio. Ouviu-se nova descarga. O fuzilado tombou. Seu sangue respingou o muro. O tenente aproximou-se do corpo, tirou o revólver e deu o tiro de misericórdia na cabeça do agonizante.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Nesse momento, o orgulhoso coronel soltou um urro e atirou-se no chão, chorando como uma criança, e começou a pedir em altos brados que não o matassem. Beijou, babujou a mão do comandante do pelotão, enlaçou-lhe as pernas como uma fêmea desprezada e louca de paixão, e acabou rolando na poeira, o corpo dobrado, os joelhos contra o peito, a cabeça entre as mãos, recusando a erguer-se e marchar para o muro como um bravo.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">...<o:p></o:p></span></div>
<br />Gilberto G. Pereirahttp://www.blogger.com/profile/03818881816267946333noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8535957269302774511.post-88640824316706924962020-05-02T18:39:00.000-03:002020-05-05T00:34:22.540-03:00A gastronomia segundo Brillat-Savarin<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-jxyAqG5CfAA/Xq3oQfWikLI/AAAAAAAAH-0/_QyBVmrBcsofPb51u1-VrOV6QELj0spgQCLcBGAsYHQ/s1600/DSCN1556%2B%25281%2529.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1600" data-original-width="1126" height="640" src="https://1.bp.blogspot.com/-jxyAqG5CfAA/Xq3oQfWikLI/AAAAAAAAH-0/_QyBVmrBcsofPb51u1-VrOV6QELj0spgQCLcBGAsYHQ/s640/DSCN1556%2B%25281%2529.jpg" width="450" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="font-family: Calibri; font-size: 11pt; line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 18.399999618530273px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">Jean-Anthelme Brillat-Savarin (1755-1826) foi um juiz francês que viveu num dos períodos mais conturbados de seu país, entre a segunda metade do século XVIII e a primeira do XIX. A Revolução Francesa quase lhe tirou a cabeça, mas não foi por isso que ele entrou para a história.<span style="font-size: small;"><o:p></o:p></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">Quem o colocou lá foi seu livro <b>A fisiologia do gosto</b> (Companhia das Letras, 2005, 384 páginas), um tratado bem-humorado e cheio de verdades sobre a gastronomia, que o colocou na boca de personagens de cinema e nas conversas de <i>chefs de cuisine</i> no mundo inteiro.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">Para o autor, todos os campos do conhecimento humano acabam tangenciando o universo gastronômico, desde a física, a história natural, a química, a própria culinária até o comércio e a economia política. Para falar de gastronomia, ele usa todas essas referências, e seu texto enriquece com isso.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">“A influência da gastronomia se exerce em todas as classes da sociedade; pois se é ela que dirige os banquetes dos reis reunidos, também é ela que calcula o número de minutos de ebulição necessários para que um ovo fresco seja cozido ao ponto”, diz.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">Sinceridade e graça<o:p></o:p></span></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">Segundo Brillat-Savarin, os conhecimentos gastronômicos são necessários a todos os homens, embora os mais ricos sejam os que mais precisam deles em função de suas relações amplas dentro da sociedade, seus encontros políticos, posturas diplomáticas e reuniões de negócios. Mas são úteis também ao homem simples, pelos laços de amizade que esse conhecimento proporciona, ao saber fazer uma boa comida.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">Publicado originalmente em 1825, um ano, portanto, antes de o autor falecer, <b>A fisiologia do gosto</b> é um livro peculiar do gênero pelo fino senso de humor de Brillat-Savarin. As definições de cada sensação ou de determinadas posturas são sinceras, mas escritas de forma graciosa. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">Ele define o apetite, por exemplo, como o monitor do corpo que avisa quando a contínua perda de nutrientes ameaça parar o funcionamento orgânico: “O apetite se anuncia por um certo langor no estômago e uma leve sensação de fadiga”, comenta.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">Cegos gastronômicos<o:p></o:p></span></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">Nesse ritmo de conversa e ensinamento, o autor vai pontuando a complexa engrenagem da gastronomia. Fala dos sentidos, incluindo um sexto, que ele chama de ‘genésico’ ou ‘amor físico’, cujo estímulo pela boa comida é responsável por grande parte do prazer que o homem tem ao se alimentar, chegando próximo ao prazer do orgasmo. Mas adverte que nem todos são dotados de boa língua.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">A língua de alguns desafortunados, diz ele, “é mal provida de terminações nervosas destinadas a absorver e apreciar os sabores. Estes suscitam-lhes apenas uma sensação obtusa; em relação aos sabores, são como cegos em relação à luz”, finaliza. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">Como exemplo de ‘cegos’ gastronômicos, Brillat-Savarin cita Napoleão Bonaparte, que “comia depressa e mal”. Neste caso, o autor demonstra aqui a vocação da gastronomia para a slow food em contraposição à fast food, que se tornou quase padrão no mundo veloz de hoje.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">O livro passeia pelas dicas e receitas de como escolher um bom restaurante, os tipos de bebidas e suas combinações, fala de especialidades, da sede, da fritura, do prazer da mesa, da digestão, do sono, dos sonhos, da obesidade, da magreza, do jejum, da morte, da gastronomia clássica e até do fim do mundo. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">O que não se sabe é o que ele tinha comido quando lançou sua filosofia sobre os últimos dias sobre a terra. Em todo caso, nessas reflexões, ele diz que não vale a pena imaginar grandes catástrofes sobre o mundo, porque nada nesse universo conspiraria tão grandiosamente sobre nós, pois “não valemos tamanha pompa”.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">Aforismos<o:p></o:p></span></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">O autor abre seu livro com uma série de aforismos que servem como trilha rumo ao que o leitor poderá encontrar nas páginas seguintes. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">1) O universo nada significa sem a vida, e tudo o que vive se alimenta.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">2) Os animais se repastam; o homem come; somente o homem de espírito sabe comer.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">3) O destino das nações depende da maneira como elas se alimentam.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">4) Dize-me o que comes e te direi quem és.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">5) O criador, ao obrigar o homem a comer para viver, o incita pelo apetite, e o recompensa pelo prazer.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">6) A gastronomia é um ato de nosso julgamento, pelo qual damos preferência às coisas que são agradáveis ao paladar em vez daquelas que não têm essa qualidade.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">7) O prazer da mesa pertence a todas as épocas, todas as condições, todos os países e todos os dias; pode se associar a todos os outros prazeres, e é sempre o último para nos consolar da perda destes.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">8) A mesa é o único lugar onde jamais nos entediamos durante a primeira hora.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">9) A descoberta de um novo manjar causa mais felicidade ao gênero humano que a descoberta de uma estrela.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">10) Os que se empanturram ou se embriagam não sabem comer nem beber.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">11) A ordem correta do comer é dos pratos mais substanciais aos mais leves.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">12) A ordem correta do beber é dos vinhos mais suaves aos mais capitosos e perfumados.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">13) Afirmar que não se deve mudar de vinhos é uma heresia; o paladar se satura; e, depois do terceiro copo, o melhor vinho não provoca mais que uma sensação obtusa.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">14) Uma sobremesa sem queijo é uma bela mulher a quem falta um olho.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">15) Aprende-se a ser cozinheiro, mas se nasce assador.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">16) A qualidade mais indispensável do cozinheiro é a pontualidade: ela deve ser também a do convidado.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">17) Esperar muito tempo por um conviva retardatário é falta de consideração para com os que estão presentes.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">18) Quem recebe os amigos e não dá uma atenção pessoal à refeição que lhes é preparada não é digno de ter amigos.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">19) A dona da casa deve sempre ter certeza de que o café é excelente; e o dono, de que os licores são de primeira qualidade.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">20) Entreter um convidado é encarregar-se de sua felicidade durante o tempo todo em que estiver sob nosso teto.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">...</span></span>Gilberto G. Pereirahttp://www.blogger.com/profile/03818881816267946333noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8535957269302774511.post-88578050798231248822020-05-01T12:06:00.000-03:002020-05-02T18:42:12.552-03:00Gastronomia: o poder do alimento como vínculo social<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<span style="font-size: x-small;"> Foto: Divulgação</span></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-aYdKuYmmFj0/Xqw4rpNBPnI/AAAAAAAAH9o/EqLpU6Y_MIw45DKlhXSgoYFL1RwwKm4uwCLcBGAsYHQ/s1600/lentrecote-de-paris-07-1024x1024.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="1024" data-original-width="1024" height="640" src="https://1.bp.blogspot.com/-aYdKuYmmFj0/Xqw4rpNBPnI/AAAAAAAAH9o/EqLpU6Y_MIw45DKlhXSgoYFL1RwwKm4uwCLcBGAsYHQ/s640/lentrecote-de-paris-07-1024x1024.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: "calibri"; font-size: x-small; line-height: 18.399999618530273px;"><span style="text-align: justify;">L’entrecôte: </span>prato francês feito por um bistrô que virou moda no mundo das franquias (e já está em Goiânia)</span><span style="font-size: small; text-align: start;"></span></td></tr>
</tbody></table>
<span style="font-family: inherit;"><br /></span>
<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;"><i>Parênteses: Escrevi esta pequena reportagem em 2010, publicada no jornal <b>Tribuna do Planalto</b>, em Goiânia. Mas o jornal renovou seu conteúdo online, e o texto se perdeu. Então decidi ressuscitá-lo aqui. <o:p></o:p></i></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;"><i>A única coisa que desatualizou a informação sobre o restaurante do chef André Barros, que estava prestes a ser inaugurado na ocasião. Foi de fato inaugurado, mas já fechou as portas. As ideias de Barros, no entanto, e o modo como ele vê a gastronomia continuam valendo. <o:p></o:p></i></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;"><i>O texto entra aqui pelo vínculo com a literatura, já que cito três nomes importantes para quem gosta de ler. Feita a ressalva, boa leitura!</i><o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">...<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">Quem nunca foi convidado para um almoço ou um jantar? Quem, mesmo que tenha sido na infância, não ofereceu a alguém um pedaço de pão com o intuito de fazer amizade, desfazer mal-entendidos? <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">A comida sempre foi um elemento poderoso nas relações sociais. Elemento essencial da vida, é uma força capaz não só de matar a fome, mas também de criar vínculos entre pessoas.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">Como laço de convívio social, o alimento pode ser usado para nutrir uma amizade, mas também para desfazer vínculos, pode inclusive virar armadilha para capturar o inimigo. É tão importante na cultura anglo-saxã que a frase usada pelos ingleses para dizer que a comida não lhe caiu bem é “the food didn’t agree with me” (“a comida não concordou comigo”).<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">De acordo com o chef de cozinha, André Barros, a gastronomia não é privilégio dos profissionais, pelo contrário, faz parte de uma rede de sociabilidade que leva as pessoas às casas umas das outras ou aos restaurantes. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">“O fechamento de um contrato de negócios, o início de um namoro, a visita à casa da namorada ou do namorado para conhecer os futuros sogros, nessas ocasiões sempre há uma boa comida para acompanhar”, diz Barros.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">“Quanto melhor for o cardápio e o tempero, com maior naturalidade a conversa fluirá, mais harmônicos ficarão os ânimos, e mais positiva será a impressão entre as partes”, acrescenta o chef.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">A cerimônia do alimento na cultura ocidental atravessou muitos costumes e valores até chegar aos dias de hoje. Agora concorre com um tipo de alimentação pouco agregador, que é a fast food (alimentação rápida). <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">A fast food prega o contrário da harmonia. As pessoas não conseguem se relacionar na hora da refeição. É rápido demais, prático, e o estômago se sacia com a mesma velocidade das conversas ralas, quando há alguém com quem conversar.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">É contra esse massacre que entra o papel da gastronomia. Ela preza pelo que se chama slow food (alimentação saboreada sem pressa), que no Brasil começa a reagir sobre o avanço do pouco mastigar das comidas rápidas. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">Vontade de voltar<o:p></o:p></span></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">A gastronomia “é o conhecimento fundamentado de tudo o que se refere ao homem, na medida em que ele se alimenta”, diz Jean-Anthelme Brillat-Savarin, um juiz francês do século XVIII, que escreveu <b><a href="https://leiturasdogiba.blogspot.com/2020/05/a-gastronomia-segundo-brillat-savarin.html" target="_blank">A fisiologia do gosto</a></b>, livro que se tornou um clássico da área.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">Brillat-Savarin era um amante da boa comida, mas também um entusiasta da amizade, da moderação e do prazer adquirido numa mesa bem-posta. Muito antes dele, no entanto, antes mesmo do nascimento da cultura ocidental, a alimentação como vínculo social já era compreendida e cultivada em várias civilizações, como na Grécia Antiga. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">Segundo Junito de Souza Brandão, em seu livro <b><a href="https://leiturasdogiba.blogspot.com/2009/07/mitologia-grega-i-do-caos-zeus.html" target="_blank">Mitologia Grega (Vol. I)</a></b>, determinados alimentos têm um poder de fixação muito grande. Quem os come não resiste à vontade de voltar ao local onde os comeu para saboreá-los de novo. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">O autor cita o mito grego de Perséfone que foi raptada por Hades, o senhor dos mortos e deus da riqueza. A pedido de sua mãe Deméter (Ceres, deusa da terra cultivada, de onde vem a palavra cereal), Perséfone teria de voltar à terra, junto aos mortais. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">Hades não podia negar a solicitação de Deméter, mas não queria ficar sem ver a amada. Então pediu a ela que comesse uma semente de romã. Com isso, mesmo voltando para junto da mãe, Perséfone teria de retornar e ficar um terço do ano nas “terras brumosas do Hades”, num eterno ciclo de idas e vindas.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">Segundo Brandão, o poder de fixação de certos alimentos ultrapassa o limite do simbólico, e chega aos dias de hoje ajudando a manter boa parte das relações sociais, do nascimento de novas amizades. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">Brandão também cita Câmara Cascudo, estudioso da cultura popular brasileira, para dizer algo semelhante ao que já dissera da cultura grega: “Quem come e bebe certos alimentos ou líquidos não pode esquecer ou deixar de regressar aos lugares onde os consumiu.”<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">Na lista de comidas e bebidas que têm esse poder de fazer o apreciador regressar, diz Brandão, incluem o Cabrito assado do Cáucaso, o “Puchero” da Argentina, a “Olla podrida” da Espanha, o “Porridge” da Escócia, o Iogurte da Bulgária, o Pato de Rouen (cidade próxima a Paris), o “Coq au vin du Languedoc”, o Vatapá e o Caruru da Bahia, a Água da Fontana di Trevi, em Roma, o Açaí de Belém do Pará, entre muitos outros de tantas outras regiões. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">Para o açaí, existe até uma quadrinha que reforça o poder de fixação do alimento: “Quem vai ao Pará,/ parou./ Bebeu açaí,/ ficou.”<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">André Barros não foi ao Pará, mas viajou para bem próximo. Foi para Manaus, local aonde retorna sempre. Segundo o chef, toda vez que viaja para lá, a trabalho ou não, vai ao restaurante preferido comer uma Caldeirada de Tambaqui.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">Este, no entanto, não é o único prato que faz Barros chegar a Manaus já com água na boca. “O Tacacá e o Filé de Pirarucu com Tucupi (caldo da mandioca brava) são outros dois pratos deliciosos. Gosto muito dessa cozinha regional brasileira”, enfatiza.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">Respeito pela comida<o:p></o:p></span></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">Quando o assunto é gastronomia, Barros não perde o fio da meada. Começa logo a falar de seus projetos de culinárias, de receitas e até de um restaurante que está prestes a inaugurar em Goiânia, o Malauí, nome de um país do sudeste da África, de origem banta, que quer dizer “fogo”, “chama”.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">A ideia de Barros é justamente fazer em Goiânia o que, segundo ele, ainda existe pouco em termos de gastronomia, um espaço que valoriza também a arte de apreciar o convívio social. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">O restaurante que está prestes a inaugurar, com área climatizada de 60 lugares, oferecerá um lounge e um ambiente para pocket shows, como jazz, blues, bossa nova, performance de DJs e stand-up comedy.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">Além disso, haverá um fumoir, com seleção de charutos cubanos e nacionais, e uma pequena butique gastronômica na recepção. Dentro desse projeto, Barros quer dar continuidade àquilo que já sabe fazer muito bem, comida que desperte nas pessoas a vontade de voltar para comer mais.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">Trabalhando atualmente no restaurante do Country Clube, o Bobó de Camarão que ele faz lá é muito apreciado. É um bobó mais encorpado, com lascas de coco fresco e castanha do Pará. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">“Há pessoas que acompanham o boletim do clube e vão lá pelo menos uma vez por mês. E se têm uma visita aqui em Goiânia, levam para conhecer essa releitura que fiz do bobó”, comenta Barros, orgulhoso.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">Orgulho maior, ele sentiu quando o empresário carioca Max Araújo veio do Rio de Janeiro para fechar sociedade com ele na abertura do Malauí. Araújo é o investidor no negócio de mais de R$ 1 milhão. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">Araújo também é um grande connoisseur de gastronomia, tendo possuído restaurantes bem frequentados no Rio de Janeiro, além de já ter viajado para muitos países. Por onde passa, traz uma história de vínculo social proporcionado pela gastronomia.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">Araújo e Barros, portanto, comungam os mesmos ideais. Ambos mantêm um profundo respeito pela comida, acham inclusive que ela tem sentimento, na medida em que é feita com amor, envolta a afetividades, elementos que acabam sendo transmitidos junto com os ingredientes à pessoa que vai comer. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">O caso mais ilustrativo dessa história de vínculos por meio da comida é a própria visita de Araújo a Goiânia, quando Barros ofereceu um jantar para receber o sócio. Araújo aproveitou a ocasião para convidar as pessoas que ele gostaria de agradecer e de conhecer melhor. “O resultado foi uma reunião de conversas agradáveis”, diz.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">Ecos agradáveis<o:p></o:p></span></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">A experiência internacional dos dois também dá boas histórias de sociabilidade construída em torno de um bom prato, que também reforça a mística da fixação. Neste caso, Araújo cita um pequeno restaurante (bistrô) chamado L’entrecôte, em Paris (<i>vale abrir um parêntese aqui para explicar que no fim de 2009, já estava chegando ao Brasil uma franquia desse bistrô, e atualmente, em pleno 2020, há uma rede gigantesca dele espalhada pelo país, que seguiu o exemplo do mundo inteiro; mas Araújo estava se referindo era mesmo à matriz, em Paris</i>).<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">As pessoas ficam duas horas numa fila, muito bem organizada e plena de atenção, no L’entrecôte, para comer filés em tiras, acompanhados de um molho (cuja receita é mantida em segredo) e batatas fritas em caracol. “Sempre que vou a Paris me sinto atraído pelo restaurante, para comer aquele prato”, diz.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">Um dos diferenciais do “L’entrecôte, diz Araújo, é o atendimento feito pelas duas chefes, que vão de mesa em mesa conversar com cada um dos clientes. “Elas são impressionantes. Têm um bom papo e são atenciosas. Por isso, já vi gente do mundo inteiro lá. Vão para comer, mas também para fazer amizade, conversar. Ou seja, a comida é o poder desse local”, comenta.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">As histórias de Barros e Araújo são tantas e tão variadas, com cheiros, sabores e ambientações diversificados que, para quem escuta, ficam como ecos agradáveis na memória. Eles reforçam que o Malauí, com previsão de ser inaugurado no começo de dezembro (2010), terá espaço para todas essas delícias que giram em torno da gastronomia.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">O Brasil tem uma afabilidade natural, e a comida faz parte dela. A feijoada e o churrasco, por exemplo, são manifestações populares de reuniões gastronômicas. Quem se propõe a conhecer o país e não se interessar por esses dois grandes pratos não chegará a tocar na essência do brasileiro. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">Por ouro lado, numa descrição mais sofisticada da gastronomia, um de seus elementos é a moderação, conforme lembra Barros. “Comer, sim, se empanturrar, não”, diz. Segundo o chef, em termos de variedade gastronômica, o Brasil ainda precisa aprender muito. Já em termos de ingredientes, é um dos mais ricos do mundo. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">O que falta é a exploração dessa riqueza. “Mas isso está melhorando. Hoje em dia, há pessoas que viajam atrás de comida, os chamados fooders, que vão a festivais conhecer a comida de um chef, tomar um vinho diferente. São pessoas que vão à feira, pesquisam ingredientes, conversam umas com as outras, descobrindo o país. Neste sentido, estamos vivendo um boom enograstronômico”, diz Barros.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">(Gilberto G. Pereira. Publicado originalmente no jornal <b>Tribuna do Planalto</b>, em 20/06/2010)<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 16.866666793823242px; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="line-height: 18.399999618530273px;"><span style="font-family: inherit;">...</span><span style="font-family: "calibri"; font-size: small;"><o:p></o:p></span></span></div>
Gilberto G. Pereirahttp://www.blogger.com/profile/03818881816267946333noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8535957269302774511.post-84529161725908753412020-04-29T20:12:00.024-03:002022-03-18T23:08:56.877-03:00Rubem Fonseca: carnaval, livros, acúmulo e angústia<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><span style="font-family: Cambria; font-size: 12pt; text-align: start;"> </span><span style="font-family: Cambria; text-align: start;"><span style="font-size: x-small;">Foto: Zeca Fonseca/Divulgação</span></span><span style="text-align: start;"></span><br /><a href="https://1.bp.blogspot.com/-V6m-2Q1KRRg/XqoI7ZfQ4LI/AAAAAAAAH7s/zYKAdkDPJqw_w3ncurb800SLhAtvBTaxACLcBGAsYHQ/s1600/90581%252Cmorre-o-escritor-rubem-fonseca-aos-94-anos-3.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="752" data-original-width="1600" height="300" src="https://1.bp.blogspot.com/-V6m-2Q1KRRg/XqoI7ZfQ4LI/AAAAAAAAH7s/zYKAdkDPJqw_w3ncurb800SLhAtvBTaxACLcBGAsYHQ/s640/90581%252Cmorre-o-escritor-rubem-fonseca-aos-94-anos-3.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: x-small;">Rubem Fonseca (1925-2020): suas palavras <span style="font-family: Cambria; text-align: justify;">permanecerão vivas por muito tempo, vivas e pulsantes na memória do leitor</span></span></td></tr>
</tbody></table>
<span style="font-family: inherit;"><br /></span>
<span style="text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;">O carnaval é o período da mistura de cores, da mescla de máscaras e almas que constroem a tessitura dramática de todos os contos e romances de Rubem Fonseca, e que tece de igual modo o imaginário social do Brasil. </span></span><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">A literatura de Fonseca vem marcada pela insígnia do carnaval desde o começo. Não por acaso, o primeiro conto de <b>Os prisioneiros</b>, seu primeiro livro, de 1963, tem como título <i>Fevereiro ou março</i>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">De condessas a prostitutas, de punguistas a executivos, analfabetos e poliglotas, loucos e médicos, polícia e bandido, gente do morro e moradores solenes do Leblon e Copacabana desfilam em toda sua obra como quem passeia em carros alegóricos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Neste pequeno texto, discorrerei sobre algumas questões da literatura fonsequiana produzida nas décadas de 1960 e 70. Com uma variação ou outra, é ela que dará o tom nas décadas seguintes até o fim. E para fazê-lo, nada melhor do que a imagética do carnaval e sua verve de misturas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Em um dos contos de <b>Lúcia McCartney</b>, a terceira coletânea do autor, de 1969, o narrador diz que num baile de carnaval era “tudo misturado, puta, mãe de família, donzela, artista, estudante, ratazana de praia, filha da mamãe, comerciária, vedete, grã-fina, manicure. Mas o que tinha mais mesmo era puta. Tava assim de puta.” <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Sua estética é isso, passa pela pluralidade. Mineiro de Juiz de Fora, radicado no Rio, Rubem Fonseca morreu no dia 15 de abril de 2020, aos 94 anos. Mas antes de partir, ao longo da vida criativa, construiu um legado estético muito importante para a literatura brasileira. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Autor de 32 livros, entre contos, romances e um de ensaios, Fonseca produziu uma obra que sai das entranhas cariocas para expressar o espectro social brasileiro. Seus contos respiram as mazelas e a festa. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Estética do acúmulo<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Tudo na literatura de Fonseca aparece como jorro, por acúmulo. As citações, por exemplo, estão em todos os livros desde o começo, e surgem como erva daninha em terra fértil. Uma das funções é a ironia. “Todo mundo só sabe nomes e datas, e epígrafes”, diz um dos personagens (A opção, in: <b>A coleira do cão</b>).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Esse tipo de ironia chegou ao ponto máximo quando, no romance <b>Buffalo & Spalanzani</b>, o narrador cita Rubem Fonseca (narrativa narcisista). Os principais personagens são leitores contumazes ou mesmo escritores. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Ermê olhou as estantes cheias de livros” (Nau Catrineta, in: <b>Feliz ano novo)</b>. “Acordado a noite toda. Livro aberto em cima do peito” (Zoom, in: <b>Lucia McCartney</b>). “Via televisão, lia, dormia” (O outro, in: <b>Feliz ano novo</b>).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Se catássemos as citações de autores e títulos ao longo de contos e romances, ergueríamos uma biblioteca inteira. Há algo de estético nisso. Em alguns contos, os livros giram nos ambientes da história como circulariam ingredientes de um apetitoso prato numa cozinha - causando efeitos estimulantes nos leitores.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">No conto <i>A matéria do sonho</i> (conto incrível e merecedor de atenção pela atualidade de sua proposta estética, pela intrigante relação entre homem, tecnologia e desejo), o narrador cita uma lista com mais de 100 livros.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Há também alguma coisa de exibicionismo nisso, por um lado, e de generosidade, por outro. Há algo de sugestivo, como se dissesse ‘hei!, leia esses livros aí pra ver se fica mais culto, mais educado, mais inteligente, mais interessante, com mais repertório, com mais conteúdo, com mais possibilidades de aprender alguma coisa para além da organicidade que emana de minhas narrativas.’ <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">E, ao mesmo tempo, todo esse fluxo de citações é uma transfiguração da afetação da classe média. Neste caso, não só livros, mas o hábito de falar frases ou trechos de frases em inglês aparecem como efeito de comicidade e do ridículo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Técnica inovadora<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Quando surgiu na década de 1960, Rubem Fonseca foi considerado um renovador da prosa brasileira. Chamou a atenção da crítica pelo experimentalismo, misturando linguagem de cinema e de teatro aos procedimentos literários e uma profunda relação com o vocabulário do senso comum.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Os críticos chamaram isso de técnica inovadora. Fábio Lucas, em resenha da época, disse que a literatura de Fonseca inovava porque trazia expressões feitas “por meio de elipses, criando novos signos, organizando uma semiologia própria” - segundo cita Sergio Augusto, por ocasião do relançamento da obra completa do autor pela Editora Agir (que Augusto organizou, em 2009). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Fonseca imprimiu com precisão cenas do cotidiano, abertas, que apenas sugerem múltiplos desfechos, como se o leitor acabasse de chegar a um local onde alguma coisa estivesse acontecendo e saísse de lá antes do fim, só ficando com o “como estava acontecendo” pulsando na memória recente. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Mesmo lendo agora, o leitor pode sentir a mesma sensação. A técnica não envelheceu. As tramas são feitas numa naturalidade que plasma a violência, os desejos e a indiferença social. E a forma continua inteira, atualíssima. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Como autor, Fonseca nasceu tarde, mas já nasceu maduro. <b>Os prisioneiros</b> (1963) foi publicado quando ele tinha 38 anos. A crítica chamou o livro de primor.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">As narrativas são concisas, cuja economia de movimento pode ser descrita tal como fez o advogado Mandrake, no conto <i>Dia dos namorados</i>, em <b>Feliz Ano Novo</b> (1975), quando diz: “(Sou) Mandrake, uma pessoa que não reza, e fala pouco, mas faz os gestos necessários.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">(É bom lembrar que Mandrake viria a aparecer em três romances, <b>A grande arte</b>, de 1983, <b>E do meio do mundo prostituto só amores guardei ao meu charuto</b>, de 1997, e o</span><span style="font-family: inherit;"> homônimo <b>Mandrake</b>, de 2005, além de em vários contos, mas sua primeira aparição fora em 1969, no conto </span><i style="font-family: inherit;">O caso de FA</i><span style="font-family: inherit;">, do livro </span><b style="font-family: inherit;">Lúcia McCartney</b><span style="font-family: inherit;">.)</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Os finais ficam em aberto, com uma surpreendente atualidade e relevância, muitas vezes desenhando situações que viveríamos hoje com mais intensidade. O leitor fica meio que preso no suspense da trama cujo desfecho se realiza sempre na contramão da expectativa (anticlímax).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“A realidade do sr. Ruben Fonseca é inquietante, ou, pelo menos, ele sabe mostrar o que existe de inquietador sob as aparências exteriores da realidade”, diz Wilson Martins, em resenha publicada no jornal <b>O Estado de S. Paulo</b>, em 1° de fevereiro de 1964. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Apalpando a vida<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Em <b>A coleira do cão</b>, seu segundo livro, de 1965, o primeiro conto, <i>A força humana,</i> exibe o momento exato em que o sujeito, ao se entregar à força do mundo, é invadido pelas sensações vitais, pela agonia da existência, pela dor de se perceber nesse mundo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">É como se trocasse sopapos com a realidade das coisas, numa tomada de consciência de que viver era mais do que a sensação física da existência, era uma angústia também. Essa angústia varria o cotidiano e tomava as pessoas de sobressalto. Ele estava sendo tomado por ela agora. Ele estava se descobrindo vivo, humano. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Ali, Fonseca demonstra um poder de síntese impressionante. Os contos trazem para o leitor de 2020 informação de um passado semilongínquo, da segunda metade do século XX, quando as mulheres ainda lutavam por direitos básicos. Mas também encerra um efeito estético admirável.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">A narrativa nos fornece uma sensação de desconforto com o mundo, uma inquietação sensível, uma espécie de choque do eu com a realidade vivida, um conflito que é mais existencial do que social, embora aponte as relações sociais como parte fundadora do drama.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O conto <i>O gravador</i> demonstra com destreza a origem desse conflito. Expõe a relação do homem com a tecnologia, com a violência, com o amor, com a virtualidade. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Nesse conto, uma mulher muda completamente sua postura diante da vida ao travar relação pelo telefone com um sujeito que ela não conhece. É como se ela transferisse sua imaginação para uma relação paralela, que tampouco deixa de ser imaginativa. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">No conto <i>O grande e o pequeno</i>, uma atmosfera comum é exposta em primeiro plano para dali, do subterrâneo das emoções, saírem os sentimentos, as sensações, a pulsação da vida em suas manifestações mais comezinhas, mas tão fortes, tão doloridas, tão presentes.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Nesta obra-prima de Fonseca, <b>A coleira do cã</b>o, tudo aparece com clareza na mesma proporção que vem em poucas palavras. Tudo, o ambiente de sol, a praia e a noite cariocas, os bairros de classe média da década de 1960, o conflito familiar, as relações amorosas, o sexo, a violência, o dinheiro, tudo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Os contos trazem narrativas marcadas pela angústia existencial, com personagens apalpando a vida para ver o que é, sem saber direito como viver, enganchados em alguma coisa, incomodados. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Mas o último conto, que traz o título do livro inteiro, <i>A coleira do cão</i>, é diferente dos demais. A angústia existencial está dispersa, em meio à tensão entre polícia e bandido. Tudo fica muito físico.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O conto trata dos assassinatos no morro e da investigação policial. Talvez aí, Fonseca comece a se tornar mais autor de literatura policial de fato. <i>A coleira do cão</i> mostra a rotina de uma investigação, mostra como são os ladrões e a corrupção da polícia e dos repórteres que cobrem essa área. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O morro aparece em <i>A coleira do cão</i>. A cor do morro é preta. Mas o morro se desvela na contramão do delegado que gosta de poesia e tem aversão a pobreza e tortura. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Barbárie e humanidade<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O Rio de Janeiro que serve “de moldura ao eclético elenco de desajustados urbanos” nos primórdios da literatura de Rubem Fonseca, como diz Sérgio Augusto em 2009, é “um Rio de Janeiro violento, sensualista, socialmente injusto, mas ainda sem favelas dominadas pelo tráfico de drogas — só por bicheiros que no máximo se protegiam com uma pistola 45mm.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Quando <b>A coleira do cão</b> foi lançado, Boris Schnaiderman ficou extasiado com a verve de “barbárie e humanidade” dos contos. Hoje, ao lermos, isso ainda nos inquieta de certa maneira, mas esse sentimento em especial foi superado pela realidade brutal dos noticiários e das narrativas policiais atuais, tanto no cinema quanto na literatura, inclusive a literatura posterior do próprio Rubem Fonseca.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Mas, nesta coletânea, o conto <i>A força humana</i> ainda continua intacto em sua capacidade de sugar o estranhamento da vida a partir da invisibilidade. Continua capaz de nos envolver sutilmente com esse estranhamento, como se nos envenenasse. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Na ocasião, Wilson Martins, escrevendo para <b>O Estado de S. Paulo</b>, vaticinou, segundo cita Sérgio Augusto: “(<i>A força humana</i>) não é apenas um dos melhores contos brasileiros até hoje escritos; é, também, um dos melhores contos da literatura universal.” E até hoje esta observação de Martins ainda vale. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Em 2002, o professor e crítico literário Italo Moriconi selecionou algumas narrativas de Fonseca para a coletânea <b>Os 100 melhores contos brasileiros</b>. O primeiro deles foi <i>A força humana</i>. Isso demonstra a importância deste conto e sua força na história da contística brasileira. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Chutando a porta<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Os primeiros livros de Fonseca não esgotam toda a criatividade do autor, mas expressam o que há de mais inovador em sua linguagem e no seu conteúdo. Depois disso, vieram os romances e mais contos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Depois disso, veio muita sofisticação narrativa, mas vieram também as repetições. Muito das tramas de seus romances é uma releitura ou recuperação de ideias e personagens já existentes na série de contos desses livros primeiros.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Após lançar três coletâneas de contos (<b>Os prisioneiros</b>, <b>A coleira do cão</b> e <b>Lúcia McCartney</b>), Fonseca publicou seu primeiro romance, <b>O caso Morel</b>, em 1973. Em 1975, veio a público seu quinto livro, <b>Feliz Ano Novo</b>, o quarto de contos, que chegou chutando a porta da cozinha literária brasileira. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><b>Feliz Ano Novo</b> tem um tom de janeiro, no sentido de apresentar duas faces, olhando para o tempo que passou, por meio do estilo, e apontando para o que seria Fonseca no futuro, suas tramas, seus personagens, sempre ecoando de certo modo – com sofisticação e alguma novidade – o que já fizera.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Como já era marca do autor, os personagens de <b>Feliz Ano Novo</b> aparecem num ambiente aberto de possibilidades. Na maioria dos contos, estão “sem saber para onde ir”. É o que ocorre, por exemplo, em <i>Abril, no Rio, em 1970</i>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Neste conto, um rapaz de 18 anos, contínuo numa empresa, tenta a carreira de jogador de futebol nos finais de semana. Ele espera alcançar o sucesso, sonha jogar um dia no time do Madureira, e assim alcançar a seleção brasileira. Mas, por enquanto, ele está mesmo é num time de várzea. Joga e perde. Sente-se um perdedor.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O conto <i>Feliz ano novo</i>, que estampa o título do livro, já não impressiona; a violência expressa nele está todos os dias nos jornais, na televisão, na internet. Mas na época de lançamento foi a maior sensação. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Em compensação, <i>Passeio noturno</i> (Parte I e Parte II) se mantém intacto em sua proposta narrativa. Nele, um homem de classe média desconectado da vida, ligado às máquinas e ao mundo dos negócios, combate seu tédio em escapadelas noturnas para, incógnito, atropelar alguém com seu Jaguar preto. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O tema, psicopata que age na calada da noite, não é o mais interessante, no entanto. A técnica, a economia dos gestos, a combinação de movimentos, como dinâmicos frames de cinema, é que mantêm a tensão e a beleza dessa narrativa. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Está lá um homem encalacrado na cidade, absolutamente violento e frio, narrador de suas experiências, de ficha limpa e bem-sucedido na sociedade, com mulher e um casal de filhos já adultos que não trabalham, um predador urbano que age com classe e anonimato na imensidão noturna da cidade grande. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">A violência aparece de modo brutal nas duas partes do conto, brutal por causa das mortes e porque a cidade não se importa. A cidade não está nem aí. A tese do conto é a de que o cérebro pode ser uma máquina assassina, capaz de ficar à espreita da oportunidade criminosa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">A mesma tese aparece em <i>Dia dos namorados</i>, conto interessante na problematização dos personagens e no modo de narrar, bicameral. Um banqueiro está dirigindo pela Avenida Atlântica e vê uma moça linda andando pela calçada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O banqueiro oferece carona. A moça aceita, diz que tem 16 anos. Ele a leva para uma suíte presidencial de um hotel. Lá, o banqueiro descobre que ela é ele, e tenta se livrar do problema, mas o garoto saca uma lâmina e começa a se cortar dizendo “eu sempre quis morrer destruindo um poderoso, como no filme A viúva negra!” <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">E aí, a jovem travesti põe a lâmina na própria carótida, ameaçando se matar com um corte na garganta. O banqueiro liga para Mandrake, seu advogado, para resolver o caso.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">É Mandrake que narra a história – costurando os movimentos dele e do banqueiro – em dupla perspectiva, mostrando o que ocorria com ele, Mandrake, no momento do encontro do banqueiro com a jovem travesti. O desfecho pouco importa. A vertigem da narrativa é o que mais interessa neste conto.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O conto <i>O pedido</i> também está intacto em sua proposta estética. Não é uma narrativa inovadora, mas o sentimento pulsante em seu interior permanece atual. É a história de uma amizade desfeita por razões emocionais completamente idiotas entre dois imigrantes portugueses que vieram juntos de Portugal ainda criança, e sobre a miséria material de um que reflete a miséria afetiva do outro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Já <i>Agruras de um jovem escritor</i> é a gênese dos personagens masculinos que matam mulheres nos contos e romances de Fonseca, como em <b>Búfalo e Spalanzanni</b> e <b>Diário de um fescenino</b>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Outra história que também tem citações genéticas do romance <b>Diário de um fescenino</b> é <i>Nau Catrineta</i>, um incrível conto de canibalismo. “As minhas tias cuidaram de mim desde que nasci. Minha mãe morreu de parto, e meu pai, primo-irmão de minha mãe, suicidou-se um mês depois”, diz José, o narrador de <i>Nau Catrineta</i>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Em <b>Diário de um fescenino</b>, Rufus, o narrador, diz que sua mãe morreu ao lhe dar à luz e que seu pai morreu de enfarte, quando Rufus ainda era bebê. Uma professora aposentada, sua vizinha, o levou para morar com ela. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">A vizinha “tinha três irmãs, e todas, além de velhas, eram muito doentes, creio que tinham uma forma grave de diabetes. Cuidavam de mim com desvelo, era como se eu tivesse quatro mães”, lembra Rufus.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Como o narrador de <b>Diário de um fescenino,</b> José, de <i>Nau Catrineta,</i> mata a amante. A diferença é que este confessa o que fez, mata por motivos antropofágicos, enquanto Rufus não confessa nada abertamente. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">No conto <i>Intestino grosso</i>, há uma passagem que também se repete em <b>Diário de um fescenino</b>:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Quantos livros você tem aqui nesta sala?”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Cerca de cinco mil.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Você já leu todos?”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Quase.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Você lê diariamente? Quantos? Qual a velocidade?”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Leio no mínimo um livro por dia. Minha velocidade, hoje, é de cem páginas por hora. Já li mais rápido.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Em <b>Diário de um fescenino</b>, Rufus diz: “Respondi que não gostava de estudar, mas de ler e de escrever, e ela me perguntou o que eu havia lido, e eu disse que ia ter que ficar falando o dia inteiro, pois lia um livro por dia desde que tinha dez anos.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Na literatura de Rubem Fonseca, tudo se permeia. É como um carnaval, dialogando em metáforas com comida, tiros, livros, filmes, cores, questões sociais de raça e de classe, força física e nuanças intelectuais, além do amor e a violência atravessando filtros morais, chegando à permissividade do sexo e das trocas de sensações.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Vários de seus romances se tornaram filmes e seriados, como <b>A grande arte</b>, <b>Agosto</b>, <b>Mandrake</b>, <b>Bufo & Spallanzani</b>, além de contos. Seu último livro publicado é a coletânea de contos <b>Carne crua</b>, de 2018. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">A característica marcante de sua técnica narrativa é o que os teóricos chamam de “showing” (mostrar), que difere da técnica “telling” (dizer) por essa capacidade de conduzir o leitor pelas imagens vivas de suas palavras. E vivas elas permanecerão por muito tempo, vivas e pulsantes na memória do leitor.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: inherit;">...</span>Gilberto G. Pereirahttp://www.blogger.com/profile/03818881816267946333noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8535957269302774511.post-31581121747726392682020-03-08T09:48:00.002-03:002020-03-08T09:49:26.007-03:00Al Alvarez, o suicida longevo<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-UIRbcPosJkI/XmTpVKwkRZI/AAAAAAAAHlc/24xWj6chSd8WppDDqGdCnsHrPdpfbxmswCLcBGAsYHQ/s1600/Al%2BAlvarez%2B-%2B2834.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="684" data-original-width="1140" height="384" src="https://1.bp.blogspot.com/-UIRbcPosJkI/XmTpVKwkRZI/AAAAAAAAHlc/24xWj6chSd8WppDDqGdCnsHrPdpfbxmswCLcBGAsYHQ/s640/Al%2BAlvarez%2B-%2B2834.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: "cambria"; text-align: start;"><span style="font-size: x-small;">Al Alvarez (1929-2019): “A morte é simplesmente um fim, um beco sem saída, nem mais, nem menos”</span></span><span style="font-size: small; text-align: start;"></span></td></tr>
</tbody></table>
<span style="font-family: inherit;"><br /></span>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Al Alvarez foi um poeta, romancista, jornalista e crítico literário inglês que dizia ser londrino em todos os cantos da alma, mas não se sentia inglês de fato. É autor de vários livros, entre eles, <b>Noite</b>, <b>O Deus Selvagem – um estudo do suicídio</b> e <b><a href="https://leiturasdogiba.blogspot.com/2008/11/para-quem-quer-ser-escritor-uma-dica-de.html" target="_blank">A voz do escritor</a></b>, publicados no Brasil.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Era judeu, descendente de uma família que se viu obrigada durante séculos a escamotear sua origem numa Inglaterra antissemita, que aceitava, por exemplo, que judeus fossem físicos ou filósofos, como Michael Kosterlitz (1943-) e Isaiah Berlin (1909-1997), mas não um crítico literário, um representante da nação em sua cozinha intelectual, segundo John Sutherland, no <b>The Guardian</b>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Al Alvarez não tem o reconhecimento de Raymond Williams (1921-1988), Terry Eagleton (1943-), James Wood (1965-), enfim. Sua obra não possui a consistência desses caras citados, mas ele era um escritor brilhante. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Um de seus livros mais conhecidos é a ensaística <b>O Deus Selvagem</b>, tendo como objeto principal a morte de Sylvia Plath (1932-1963) na análise das possíveis razões pelas quais as pessoas se matam, fazendo observações sobre os escritores e artistas suicidas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Nesse livro, ele cita muitos casos curiosos e faz observações interessantes. Inicia sua narrativa abrindo o primeiro parágrafo do prefácio com uma cena magistral e sombria:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Quando estava na escola, eu tinha um professor de física muito desorganizado e de temperamento amável que vivia falando, em tom de brincadeira, sobre suicídio. Era um homem pequeno com uma enorme cara vermelha, uma enorme cabeça coberta de grossos cachos grisalhos e um sorriso permanentemente preocupado. Diziam que ele tinha se formado com distinção em Cambridge, ao contrário da maior parte de seus colegas. Um dia, ao final de uma aula, ele comentou em tom ligeiro que uma pessoa que estivesse planejando cortar a garganta deveria sempre ter o cuidado de, antes, enfiar a cabeça dentro da uma sacola, caso contrário ela faria uma sujeira terrível. Todo mundo riu. Logo depois, o sinal da uma da tarde tocou e os meninos todos saíram porta afora para almoçar. O professor de física voltou direto para casa em sua bicicleta, enfiou a cabeça numa sacola e cortou a garganta. Não fez muita sujeira. Eu fiquei profundamente impressionado.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Depois disso, Alvarez desenvolve a primeira parte do livro sobre Sylvia Plath, a segunda parte sobre o histórico do suicídio, a terceira parte sobre a dificuldade de as pessoas entenderem o suicida, bem como as falácias sobre o suicídio, as teorias, os sentimentos, e por fim, a quarta parte traçando uma vasta linha de comentários sobre suicídio e literatura.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Ao longo do livro, além das profundas considerações na tentativa de compreender o extremado gesto, ele faz uma série de observações interessantes. Diz, por exemplo: “Acredita-se que Zenão, o fundador do estoicismo, teria se enforcado por pura distração quando deu um tropeção e torceu o dedo.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“A depressão suicida é uma espécie de inverno espiritual, gelado, estéril, imóvel.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“O suicídio, como o sexo, é uma característica humana que nem mesmo a mais perfeita sociedade pode eliminar.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Os psicanalistas já sugeriram que uma pessoa pode se destruir não porque queira morrer, mas porque não consegue suportar um certo aspecto de si mesma.” <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Atingindo um certo grau de desespero, uma pessoa pode se matar apenas para provar que está falando sério.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">No final, confessa: “Depois de tudo isso, tenho de admitir que sou um suicida malsucedido”. Em 1961, aos 32 anos, tomou 45 comprimidos para dormir, trancado no banheiro, e acordou três dias depois num hospital, vendo sua mulher chorar. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Ao falhar com seu método, aprendeu a lição. Não tentou se matar de novo. Mas certamente conviveu ao longo de décadas com o sentimento de suicida, como um soldado enfrenta o inimigo na névoa da guerra, sem vê-lo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Parece tão ridículo agora ter aprendido uma coisa tão óbvia de forma tão árdua, ter tido que percorrer quase o caminho inteiro até a morte só para crescer. Um lado meu ainda se sente ludibriado e lesado, e também envergonhado da minha própria estupidez. No entanto, no final das contas, até o esquecimento foi uma espécie de experiência. Por certo, nada nunca mais foi o mesmo desde que descobri por mim mesmo, no meu próprio corpo e nos meus próprios nervos, que a morte é simplesmente um fim, um beco sem saída, nem mais, nem menos.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Ele escreveu <b>O Deus selvagem</b> para tentar compreender por que essas coisas acontecem, por que as pessoas se matam. Fez esse estudo em 1971, dez anos depois de sua própria tentativa de suicídio. Morreu em setembro do ano passado, aos 90 anos, vítima de uma pneumonia, em Hampstead, Norte de Londres.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: inherit;">...</span>Gilberto G. Pereirahttp://www.blogger.com/profile/03818881816267946333noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8535957269302774511.post-57536914423615926622020-03-04T15:37:00.004-03:002020-03-04T15:37:49.377-03:00Um homem que vivia ativamente: There was a man a man indeed<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<span style="font-size: x-small;"> Foto: Gilberto G. Pereira</span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-E0VFWspPKS0/Xl_03TEK4SI/AAAAAAAAHj4/LJs5EBbBZ-Mgy3Ev5Ld386tkSCRwBNS5ACLcBGAsYHQ/s1600/DSCN9515%2B%25281%2529.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1600" data-original-width="1142" height="640" src="https://1.bp.blogspot.com/-E0VFWspPKS0/Xl_03TEK4SI/AAAAAAAAHj4/LJs5EBbBZ-Mgy3Ev5Ld386tkSCRwBNS5ACLcBGAsYHQ/s640/DSCN9515%2B%25281%2529.jpg" width="456" /></a></div>
<br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Dentro do livro <b>O Deus Selvagem</b><span style="font-size: small;">, de Al Alvarez, há uma epígrafe com o poema infantil inglês </span><i>Um homem que vivia ativamente</i><span style="font-size: small;">, na tradução de Sonia Moreira. Achei o poema curioso, bem sombriamente pitoresco, com uma mensagem sobre algo inexorável que ocorrerá a todos nós, a morte.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Por outro lado, e com outras palavras, ele lembra um pouco nossa parlenda “Hoje é domingo, pede cachimbo”, que também nos joga luz sobre a finitude das coisas e dos seres.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><b><i>Um homem que vivia ativamente</i></b><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Um dia um homem que vivia ativamente<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Cobriu o seu jardim de muita semente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Quando a semente começou a dar rama<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Era como um jardim cheio de grama.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Quando a grama começou a esparramar<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Era como um barco lá no alto-mar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Quando o barco começou a içar vela<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Era como uma ave a fugir da panela.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Quando a ave começou a voar pro alto<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Era como uma águia no céu cobalto.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Quando o céu começou a lançar trovão<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Era como um leão atrás do portão.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Quando o portão começou a ser desfeito<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Era como uma estaca a furar meu peito.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Quando o meu peito começou a tremer de aflição<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Era como um punhal a rasgar meu coração.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Quando o meu coração começou a sangrar em jato<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Era a morte e a morte e a morte de fato.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">(Tradução: Sonia Moreira) <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><b><i>There was a man a man indeed</i></b><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">(Poema popular infantil inglês)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“There was a man, a man indeed<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Who sowed his garden full of seed.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">When the seed began to grow,<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">`Twas like a garden full of snow.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">When the snow began to fall,<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Like birds it was upon the wall<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">When the birds began to fly,<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">`Twas like a shipwreck in the sky<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">When the sky began to crack,<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">`Twas like a stick upon my back <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">When my back began to smart,<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">`Twas like a penknife in my heart<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">When my heart began to bleed,<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Then I was dead and dead indeed.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">...</span><span style="font-family: Calibri; font-size: small;"><o:p></o:p></span></div>
Gilberto G. Pereirahttp://www.blogger.com/profile/03818881816267946333noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8535957269302774511.post-89164923715510658102020-02-29T08:09:00.000-03:002020-02-29T08:10:18.773-03:00Café da manhã com os russos - Café 3 - Nikolai Gógol<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-kehDR-itI1E/XlpGIRD51zI/AAAAAAAAHik/3uZJAWDS2wINrNyV07hnjmfcuhiUQE1TQCLcBGAsYHQ/s1600/475px-N.Gogol_by_F.Moller_%25281840%252C_Tretyakov_gallery%2529.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="599" data-original-width="476" height="640" src="https://1.bp.blogspot.com/-kehDR-itI1E/XlpGIRD51zI/AAAAAAAAHik/3uZJAWDS2wINrNyV07hnjmfcuhiUQE1TQCLcBGAsYHQ/s640/475px-N.Gogol_by_F.Moller_%25281840%252C_Tretyakov_gallery%2529.jpg" width="506" /></a></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Todo mundo sabe que o grande conto de Nikolai Gógol (1809-1852) é <i>O Capote</i>, cuja leitura faz muito brasileiro gaguejar na hora de repetir, aliás, toda hora, o nome do protagonista, Akaki Akakiévitch. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Suas novelas e romances, como <b>A briga dos dois Ivans e Almas mortas</b>, também são clássicos da literatura russa, mas na sua obra há um conto chamado <i>A carruagem</i>, publicado em 1836 (quando Gógol tinha 27 anos), que, segundo os críticos, caiu no gosto de muitos autores que se tornariam clássicos mais tarde, de igual modo. É sobre ele este café.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">A história se passa numa cidadezinha sem graça e feia, em algum lugar no Sul da Rússia. Antes, a cidade era monótona. Ninguém nas ruas, só bichos. Mas tudo muda quando se aquartela um regimento de cavalaria, mudando a rotina e o ânimo do lugar. Agora, carruagens e transeuntes. Nas cercas das casas, bonés de soldados dependurados, floreando a idílica paisagem.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Quando o general transferiu seu QG para lá, os proprietários de terras começaram a frequentar a cidade. <i>A carruagem</i> é o tipo de conto que assalta o leitor com um “vai vendo”. “Como acontece” é o grande lance, porque no fundo “o que acontece” na superfície é pífio.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Num magnífico dia de verão, a cidade está no auge de sua agitação, e o general decide oferecer um jantar. Tudo se volta para esse evento. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Tchertokútski, o homem mais rico do lugar, vai ao jantar, bebe, joga cartas, conversa com o general e o convida para um almoço no dia seguinte. O general aceita ir com seus oficiais, e combina-se o encontro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Mas, na noite do jantar, Tchertokútski bebe demais, e só chega em casa às 4 da manhã. Dorme até meio-dia. É acordado pela mulher dizendo que o general e seus oficiais estão chegando. Sem saber o que fazer, ele se esconde na estrebaria, e lá é descoberto. É uma peça cômica, muito bem engendrada. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O que fica como memória do conto, como elemento nutritivo são a polifonia de figuras e vozes no espaço público da cidade, a convergência de movimentos pelas ruas e nas casas, de gentes e bichos, e objetos, tudo meio que dançando na narrativa, como carruagens e carroças, gente fumando, bebendo, almoçando, conversando. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O mesmo acontece no interior dos personagens. Seus pensamentos, seus desejos e motivações aparecem. A cidade, antes praticamente morta, transforma-se num palco de vida. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">As pessoas em cujas vidas nada acontecia se animam, mudam suas perspectivas. É o que ocorre com Tchertokútski, que vê tudo se iluminar dentro de si, como fogos de artifícios que riscam a noite. Num átimo, a escuridão monótona da alma deixa a festa da existência acontecer, mesmo que a banalidade do cotidiano e o despreparo para os grandes feitos atropelem, depois, suas intenções.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">No Brasil, <i>A carruagem</i> (tradução de Arlete Cavaliere) pode ser lido no livro <b>Nova ontologia do conto russo</b> (Ed. 34).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">...</span><span style="font-family: cambria;"><o:p></o:p></span></div>
Gilberto G. Pereirahttp://www.blogger.com/profile/03818881816267946333noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8535957269302774511.post-90809431887774773052020-02-14T07:42:00.000-03:002020-02-15T23:53:00.010-03:00Café da manhã com os russos - Café 2 - Aleksandr Púchkin<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-ejqNemKKZM0/XkZ2okyQtdI/AAAAAAAAHfs/Eu8lJRnnw0I_olhjFHpOj9yWtN5kwAfbQCLcBGAsYHQ/s1600/Tblisi-IMG-20171111-WA0000%255B1%255D.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="719" data-original-width="1280" height="358" src="https://1.bp.blogspot.com/-ejqNemKKZM0/XkZ2okyQtdI/AAAAAAAAHfs/Eu8lJRnnw0I_olhjFHpOj9yWtN5kwAfbQCLcBGAsYHQ/s640/Tblisi-IMG-20171111-WA0000%255B1%255D.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: x-small;">Tblisi, capital da Geórgia: já era famosa pelos banhos termais na época de Pushkin, que ressalta essa qualidade em seu conto</span></td></tr>
</tbody></table>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Aleksandr Púchkin (1799-1837) tem uma semelhança com Machado de Assis, dizem os críticos. A primeira leva de sua obra seguiu as linhas gerais da narrativa tradicional russa, mas, na segunda, mudou completamente o próprio estilo e o de seus sucessores.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Mas não é só isso que </span>Púchkin<span style="font-family: inherit;"> tem de semelhante com Machado de Assis. O Bruxo do Cosme Velho era mulato. </span>Púchkin<span style="font-family: inherit;"> também. Ele era bisneto de Abraão Aníbal (1670-1762), nascido na Eritreia, escravo negro de Pedro, o Grande. Veja que esse negócio de imperador chamado Pedro nos persegue a nós negros. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Há um conto famoso de </span>Púchkin<span style="font-family: inherit;">, intitulado <i>O negro de Pedro, o Grande</i>, com muitas edições no Brasil (na verdade, é um romance inacabado). Mas o conto em questão neste café da manhã é <i>Viagem a Arzrum</i>, publicado pela Editora 34 (tradução de Cecília Rosas).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">A tradutora bancou a grafia Arzrum, em vez de Erzrum, provavelmente porque assim está no alfabeto cirílico russo. O próprio narrador do conto chama a atenção para a grafia adotada: “Arzrum (incorretamente grafada de Arzerum, Erzrum, Erzron) foi fundada por volta de 415, no tempo de Teodósio II, e chamada de Teodosópolis.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Como a observação está entre parênteses, vá saber se não é coisa da própria tradutora. Dúvida eterna. Só o que se sabe é que nos mapas modernos a grafia é Erzurum – veja Google Maps). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Publicado em 1836, o conto já mostra na introdução uma característica da prosa moderna, que é mistura de nomes e dados factuais do autor com a trama fictícia, enfatizando elementos de ironia (não ainda uma autoficção, mas seu germe, tendo o narrador, inclusive, o nome de Pouchkine).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Há um momento em que o narrador cita um poema de Aleksandr </span>Púchkin<span style="font-family: inherit;">, <i>O Prisioneio do Cáucaso</i> e diz “a obra é toda fraca, juvenil, incompleta; mas há muito ali fielmente intuído e expressado." E há um conde Pushkin que viaja no mesmo grupo e um soldado chamado Mikhail Puschin. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O conto é um relato de viagem que o poeta russo Pouchkine fez à Turquia, para cobrir a guerra russa-turca, em Arzrum. Nessa jornada, ele atravessa o sudeste do país, e algumas fronteiras, até chegar ao seu destino e se encontrar com o comandante das tropas russas, o conde Paskévitch. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Ele sai, então de Moscou e passa por Kaluga, Beliov, Oriol (cidade de Ivan Turguêniev), Kursk, Karkhov, Voronej, Stavropo, atravessa o rio Podkumok (com os recursos do Google Street, você olha o rio e vê que </span>Púchkin<span style="font-family: inherit;"> imortalizou um rio da envergadura do Tamanduateí, ou João Leite, para quem é de Goiânia).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Alcança Vladikavkaz, atravessa o rio Terek, chega a Lars, passa pela cadeia de montanhas Darial, já na Geórgia, observa o monte Kazbek, por onde ele diz ter passado com indiferença porque queria chegar logo a Tbilisi, ou seja, atravessa toda a região do Cáucaso, espremida entre o Mar Negro e o Mar Cáspio.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Atravessou o rio Kura, que banha Tbilisi, a capital de Geórgia (“Tbilis-kalak, em georgiano significa cidade quente”, diz o narrador, que chama a cidade de Tiflis, tal como se diz em russo), e passou por Guiumri (Armênia), Kars (Turquia), avistando, dos vastos campos abertos, o monte Ararate, a mais de 100 quilômetros de distância.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Esse passeio saindo do Sudoeste da Rússia rumo à Ásia Menor, às terras da Turquia, forma uma cartografia interessante. É uma narrativa aos moldes das crônicas de viagem, com riqueza de detalhes. As impressões de lugares e costumes que ele fixa no texto ressaltam seu estilo de prosador e sua fantástica capacidade de pintar a natureza.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">É um texto que deveria ser lido por todo jornalista interessado em escrever reportagens de fôlego. A viagem não é toda fictícia, porque Pushkin de fato fez um trajeto semelhante em 1829. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">As gentes descritas são reais, as magníficas paisagens com seus rios, montanhas, desfiladeiros e céu azul, neve e chuva são reais, a comida, os banhos termais em Tbilisi são reais.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Acompanhe a leitura que você faz usando o Google como ferramenta de apoio. Você verá uma magnitude que os leitores do século 19 não puderam ver, só puderam sentir o impacto das palavras de </span>Púchkin<span style="font-family: inherit;">, que não é pouco. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Os personagens históricos não são inventados, como Alexandr Griboiedov, poeta e diplomata, que sofreu uma morte horrível em Teerã por fanáticos persas, cuja citação no segundo capítulo do conto é de uma beleza ímpar, pela comoção do narrador e pela descrição da personalidade do poeta morto.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Suas capacidades como homem de estado ficavam sem uso; seu talento de poeta não era reconhecido; até sua coragem fria e brilhante esteve algum tempo sob suspeita. Alguns amigos sabiam de seu valor e viam surgir um sorriso incrédulo, esse sorriso tolo e insuportável, quando por acaso falavam sobre ele como uma pessoa extraordinária.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O narrador passa de Kars e chega ao acampamento das tropas russas, na guerra contra os turcos, num avanço imperialista de Moscou. Essa narrativa não deixa de ser exaltação aos valores da Rússia, às suas forças armadas, sua inteligência, sua capacidade de territorialização. É a exaltação de um pensamento imperialista. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Mas, apesar desse realismo político, trata-se de uma bela peça literária pelo tratamento dado, pelos procedimentos estéticos entre o realismo e o romantismo. O que fica como memória do conto, como elemento nutritivo, é a exuberância dessa paisagem exterior da Rússia, complexa em sua formação cultural e geográfica.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">A coloração social mostra uma diversidade de povos impressionante (tártaros, calmucos, nogais, circassianos, ossetas, cossacos, e mais adiante armênios, persas), por meio dos quais o narrador desfila, em sua jornada rumo a Erzurum. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: inherit;">Os conflitos naturais e sua beleza, no entanto, não acarretam transformações marcantes na alma do narrador, nem em subjetividade alguma. Neste sentido, pelo menos neste conto, presente no livro <b>Nova antologia do conto russo</b> (Ed. 34), talvez o último que ele tenha escrito, </span><span style="text-align: justify;">Púchkin</span><span style="font-family: inherit;"> está distante de Machado de Assis (além da distância geográfica e temporal, pois este só viria bem depois).</span><br />
<span style="font-family: inherit;"><br /></span>
<span style="font-family: inherit;">... </span>Gilberto G. Pereirahttp://www.blogger.com/profile/03818881816267946333noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8535957269302774511.post-3166083743084114922020-02-12T09:42:00.001-03:002020-02-14T07:15:40.676-03:00Café da manhã com os russos - Café 1 - Nikolai Karamzin<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-30SrlpIwguY/XkPyco-Y9VI/AAAAAAAAHe4/cf-FN2tg_FoaPsF09m82dioyUNdJZoECwCLcBGAsYHQ/s1600/81Nd6zg23tL.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1600" data-original-width="1121" height="640" src="https://1.bp.blogspot.com/-30SrlpIwguY/XkPyco-Y9VI/AAAAAAAAHe4/cf-FN2tg_FoaPsF09m82dioyUNdJZoECwCLcBGAsYHQ/s640/81Nd6zg23tL.jpg" width="448" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><i>Pobre Liza</i> é um conto russo de Nikolai Karamzin (1766-1826) publicado em 1792. A história se passa nos arredores de Moscou, na zona rural, perto das torres góticas e sombrias do mosteiro de Simonov, instalada sobre uma colina de cujo cume dava pra ver toda Moscou. Isso no século 18, porque hoje a capital russa tem quase 12 milhões de habitantes e já tomou tudo aquilo. Mas o mosteiro, erguido em 1370 (pesquisei), continua de pé. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Próximo do mosteiro, passa o Rio Moscou. Próximo do rio, num pequeno bosque, havia uma cabana onde 30 anos antes (1762) morava uma moça chamada Liza, “a bela e doce Liza”, com sua velha mãe, que ao ficar viúva (quando Liza tinha 15 anos) empobreceu. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Por causa dessa orfandade e uma mãe sem forças, Liza começou a trabalhar. Ia a Moscou vender coisas do campo. Sua mãe era grata por isso, e dizia que Liza era “graça divina, arrimo de família, deleite de sua velhice, e pedia a Deus que a recompensasse por tudo o que fazia pela mãe."<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Um dia, dois anos depois da morte do pai, vendendo lírios em Moscou, Liza conheceu um sujeito chamado Erast, muito simpático e generoso com mãe e filha. Os dois se apaixonaram. Como ele era nobre, e ela, camponesa, o amor permaneceu clandestino. Até que surgiu um boato de que os camponeses haviam arranjado um noivo pra Liza. Eis a a encruzilhada do destino.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Por causa disso, Liza decidiu se entregar ao doce Erast. Fizeram muito sexo por muito tempo, até que Erast disse que tinha de partir para a guerra porque morrer pela pátria era nobre. Amava-a, mas tinha de cumprir seu dever de cidadão e coisa e tal. Foi para a guerra. Liza não se casou, não tinha noivo nenhum, e sofreu pelo amor de Erast. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Dois meses depois, Liza indo a Moscou vender suas coisas, ela se depara com Erast, vivo e são, sem o menor sinal de que estivera em algum front. Ele diz a ela pra esquecê-lo porque agora estava casado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Não. Ele foi pra guerra, sim, hypocrite lecteur. Mas, lá, não lutou contra ninguém, nem contra seu vício em jogo. Jogou apostado até perder toda a fortuna, e teve de se casar com uma viúva rica. Alas me, oh my God! <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Mas não teve tempo de explicar nada à jovem amante. Liza se jogou nas águas do Rio Moscou e morreu afogada. Agora, me diga, com um título desses, numa história contada em 1792, ou era isso ou a solução romântica dos franceses. Mas os russos são os russos. Liza fora enterrada no cemitério do mosteiro, que o narrador contempla ao contar essa história.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Esteticamente, o conto narra uma história da miséria humana, contrapondo a beleza da natureza e sua paisagem exterior irretocável ao roto tecido da pobreza envolvendo a paisagem interior de Liza. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O que fica como memória do conto, como elemento nutritivo é a imagem do infortúnio de Liza, que parece ter sido o mote para um personagem de Dostoievski em <b>Crime e castigo</b>, de 1866. Em <b>Gente pobre</b>, de 1846, Dostoievski já havia colocado um dos personagens das trocas de cartas para citar esse conto.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Em português, o conto está presente no livro homônimo de Nikolai Karamzin (tradução de Natalia Marcelli de Carvalho e Fatima Bianchi) e na coletânea <b>Nova antologia do conto russo</b> (vários tradutores; sendo <i>Pobre Liza</i> a mesma tradução da publicação citada acima; Org. de Bruno Barretto Gomide), ambos publicados pela Editora 34.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">...</span><span style="font-family: "cambria";"><o:p></o:p></span></div>
Gilberto G. Pereirahttp://www.blogger.com/profile/03818881816267946333noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8535957269302774511.post-78386434385362390252020-01-17T14:10:00.015-03:002023-04-02T19:56:06.417-03:00Grimm, uma fabulosa fauna de presas e predadores: metáfora do que somos<div class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<i>“Eu não acredito em monstros, a não ser que sejam pessoas.” </i>Sean Renard, capitão da polícia de Portland, chefe de Nick Burckhardt<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<i>“Os hospitais psiquiátricos estão cheios de pessoas tentando explicar as coisas que viram e não conseguem explicar.” </i>Monroe, relojoeiro, blutbad e amigo de Nick Burckhardt<i><o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<i>“Tem coisas que a gente não entende nesse mundo, o que não quer dizer que não existem.” </i>Hank, parceiro de Nick Burckhardt na polícia de Portland, depois de se iniciar no mundo Wesen<i><o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
“<i>A realidade está aberta a interpretações.” </i>Héctor, um chefe indígena<i><o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<o:p> <table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-x_j8qkDxfjo/XiHqBm_lyNI/AAAAAAAAHZs/QqTacB6j_XYPKKj2T43B923VZ_XzGTL8wCLcBGAsYHQ/s1600/images.jpeg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="415" data-original-width="739" height="358" src="https://1.bp.blogspot.com/-x_j8qkDxfjo/XiHqBm_lyNI/AAAAAAAAHZs/QqTacB6j_XYPKKj2T43B923VZ_XzGTL8wCLcBGAsYHQ/s640/images.jpeg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: x-small;"><b style="text-align: start;">Grimm</b><span style="text-align: start;">, série produzida pela NBC entre 2011 e 2017: em </span><span style="text-align: start;">cartaz no SyFy, da Globosat (TV paga), de segunda à sexta, às 12:35 e às 22 horas</span></span><span face="-webkit-standard" style="font-size: small; text-align: start;"></span></td></tr>
</tbody></table>
</o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">A série <b>Grimm</b> se despediu do público periódico em 2017, na sexta temporada. Mas no dia 6 deste mês fez outra despedida, saiu da grade da Netflix, e vai deixar muita gente com saudade. (O texto a seguir contém spoilers e um monte de nomes e cenas).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><b>Grimm</b> é uma fabulosa fauna de presas e predadores metamorfoseados de gente, o que no fundo, sabemos, é uma metáfora do que somos. Pedófilos, como o lobo mau do primeiro episódio, estupradores, assassinos, exploradores inescrupulosos e seres indefesos, eternas vítimas, desfilam na trama dessa série espetacular.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O interessante disso é que, à luz de Darwin, nós humanos somos os seres mais complexos da evolução, estamos no topo, e tudo que está para trás é um tipo de rastro que deixamos. Daí fazer muito sentido a metáfora da vida pelo viés da nossa monstruosidade escondida.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O protagonista é Nick Burckhardt (David Giuntoli), investigador da polícia e Grimm, cujos ancestrais caçavam Wesen, seres de aparência humana, mas de essência animal, de diversas espécies: leão, águia, lobo, cobra, vermes, minhocas etc. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Só os Grimms veem essa essência, quando algum Wesen voga (aparece como é), em estado de medo ou sob forte emoção (vogam também pra todo mundo ver, mas é raro). “Um Grimm é uma pessoa que consegue ver através das trevas, alguém que vê coisas que as outras pessoas não entendem”, diz Monroe, amigo de Nick.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">E se forem reais?<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Produzida pela TV americana NBC, de 2011 a 2017, <b>Grimm</b> foi estruturada dentro dos gêneros de fantasia, policial e ação. No Brasil, a série teve o título de <b>Grimm: contos de terror</b>, exibida na Record, no Universal Channel e na Netflix. Saiu da grade desses canais, mas está em cartaz no SyFy, da Globosat (TV paga), de segunda à sexta, às 12:35 e às 22 horas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O nome, obviamente, vem dos irmãos Jacob (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-1859), dois linguistas, poetas e escritores alemães que coletaram e organizaram vários contos de fadas na Prússia (atual Alemanha) e se imortalizaram por isso. Eles são citados na série como os primeiros ancestrais de Nick e dos raros Grimms que ainda andam por aí caçando “monstros”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Essa origem justifica o fato de os nomes que envolvem os animais e teorias no mundo da série serem quase todos em alemão. Wesen, por exemplo, quer dizer ‘criatura’, ‘essência’, ‘natureza’, ‘caráter’, segundo o Pequeno Dicionário Michaelis Alemão-Português/Português-Alemão.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">A ambientação é na cidade de Portland, no Estado de Oregon, EUA. O tempo é a contemporaneidade, começando em 2011, que é o ano de estreia da produção criada por Stephen Carpenter, Jim Kouf e David Greenwalt.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Embora os Grimm sejam impiedosos caçadores de Wesen, Nick é diferente. Ele segue a lei dos humanos (kehrseite). Prefere prender quem comete crimes, “tem distintivo e consciência”, não sente vontade de matar Wesen a torto e a direito. Quer dizer, mata muitos, mas apenas quando estes são assassinos brutais e não há o que fazer para pará-los.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">A premissa que justifica a trama é colocada na boca de um dos personagens no Episódio 21 da primeira temporada: “E se todas as histórias que ouvimos não forem só histórias? E se forem reais?” Pois é. Eis a questão.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">O lobo bom e a bela raposa<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O personagem mais interessante da série é Monroe. Ele aparece nas primeiras cenas do primeiro episódio, e se torna um grande parceiro não oficial de Nick Burckhardt. Monroe é relojoeiro, além de Wesen. É um blutbad (piscina de sangue, em alemão), essência do lobo, mas é vegetariano, justamente porque abandonou a vida louca dos carnívoros.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">Ele é engraçado, companheiro, tem um senso de humor refinado, é culto e adora música. Sobre talento genuíno, uma vez ele disse: “Talento é um dos mistérios da vida, ninguém sabe de onde vem, mas é o que nos eleva da tristeza do comum.” <o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt;"><o:p> </o:p></p><span style="font-family: Cambria; font-size: 12pt; text-align: start;">Toca violoncelo. Seu repertório é sofisticado. Aprecia Mozart, Bach, Brahms, Rimsky-Korsakov. Lê livros, fala alemão, e anda num fusca bege com o para-choque traseiro esquerdo cinza.</span><span style="text-align: start;"></span></div><p class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman";"><o:p></o:p></span></p>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Uma vez, conversando com Rosalee, sua mulher, sobre a velhice e a solidão na morte, Monroe disse que os dois envelheceriam juntos e morreriam juntos, e então citou o trecho de um poema de W. B. Yeats: “But one man loved the pilgrim soul in you,/ and loved the sorrows of your changing face.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Os versos são do poema “When you are old” (“Quando você estiver velha”, em tradução livre), do livro <b>Early Poems II: The Rose</b>, que pode ser traduzido assim (sem métrica): “Mas um homem amou a alma peregrina em você,/ e amou os sofrimentos de seu rosto mudado.” É um romântico.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;">Rosalee é uma fuchsbau (raposa) incrível, que sabe tudo de ervas. Mudou-se para Portland para resolver questões da morte do irmão e conheceu Monroe. Ela então decidiu continuar lá, vendendo produtos naturais para fazer todo tipo de poção mágica e unguentos.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Os dois personagens são muito bem construídos, e contam com boas atuações. Silas Weir Mitchell (Monroe) e Bree Turner (Rosalee) têm uma química que deu muito certo ao longo de todas as temporadas. Eles são um dos casais mais cativantes já vistos numa obra de ficção.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Além de Nick, que vê coisas que os outros não veem, Juliette, que é veterinária e talvez fosse ter um papel diferente na série, mas acabou se desenvolvendo de um jeito menos hortodoxo, Rosalee e Monroe, os outros coadjuvantes são Hank Griffin, policial parceiro de Nick, Wu, outro parceiro de Nick, e Trubel, uma bela e jovem Grimm que entra na trama mais tarde (Ep 19, Temp 3). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O elenco principal ainda tem Bud Wurstner, um eisbiber (castor) amigo de Nick, medroso que só ele, mas muito família, Adalind Schade – hexenbiest (bruxa) de personalidade inconsequente, que está sempre fazendo o mal e ferrando os outros e a si mesma – e Sean Renard, chefe de Nick e um zauber-biest (bruxo) que oscila entre o bem e o mal (algo que parece ser da natureza dos bruxos).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">No mundo da série<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O fulcro da trama são os crimes cabeludos do ponto de vista das pessoas normais, ou seja, kehrseite (se sabem sobre os wesen, são kehrseite-Schlich-Kennen; se não sabem, são kehrseite-genträger).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Em um dos episódios, Nick investiga o tráfico de órgãos feito por Geiers (urubus), incluindo vesícula biliar humana seca, que os Wesen usam para tomar com chá branco. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Os Geiers praticam medicina alternativa, usando partes de animais exóticos como vesícula de urso, chifres de rinocerontes, e órgãos humanos para aprimorar criaturas. Isso funciona bem. Nossos animais exóticos são vocês” diz Monroe a Hank. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Em outro episódio, Nick salva uma seltenvogel (pássaro raro, em alemão), quase extinto, que geralmente é mantido aprisionado como concubina ou periquito, por klaustreiches (um tipo de gato). Os klaustreiches seduzem as seltenvögel, aprisiona-as e as exploram.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O roteiro opera no registro de estereótipos. O castor é encanador, e não advogado. Hexenbiests e zauber-biests (bruxas e bruxos) é que lidam com a lei. Urubus procuram a morte, leões estão no topo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Mas também explora o avesso dos arquétipos, mudando o significado fabular. Logo, há o porquinho que mata lobos, a Cinderela que persegue e mata as meias-irmãs. Há o lobo bom (Monroe). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">A versão da bela adormecida também está modificada. Vem como registro de ironia à contemporaneidade, com Juliette entrando em coma por causa de um feitiço de Adalind, e Renard (que além de zauber-biest é um príncipe bastardo) tendo de se purificar para dar um beijo (puro e verdadeiro) na Juliette, despertando-a, à revelia do conhecimento de Nick.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“É um processo de purificação. A pessoa que acordá-la tem de ser puro de coração. É impossível achar alguém assim hoje em dia, então fazemos isso quimicamente”, diz a mãe de Adalind, expert na alta bruxaria.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Outra coisa importante no centro da série é o trailer herdado por Nick da sua tia Marie. É pleno de armas medievais (Besta, Kanabo, Balestra, Rifle de ogros) e de livros em vários idiomas, como árabe, japonês, alemão, espanhol, italiano, latim, descrevendo as características dos Wesen e como matá-los. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Este lugar é tipo o Arquivo Nacional, ou uma espécie de Smithsonian de Grimmnologia. Só o valor histórico de tudo aqui é...”, diz Monroe, devorador de cultura, completamente apaixonado pela riqueza do acervo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O trailer tem uma biblioteca com as crônicas dos Grimm, e agora, Nick está escrevendo as suas também. “Tem cada coisa espetacular nesse trailer”, diz Monroe (Ep 20, Temp 1). "Acho que nunca vou me cansar daqui. Eu poderia passar dias aqui”, diz Wu (Ep14, Temp4), quando se inicia no mundo especial. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Escuridão infinita<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Se por um lado, um Grimm tem o poder de ver os Wesen ao vogarem, nesse momento, eles também o reconhecem, e geralmente entram em pânico ou fúria, pois ao longo de séculos os Grimm caçavam e matavam Wesen. Agora, são raros. Para muitos, não passam de uma lenda.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Os Grimm não tinham compaixão ou consciência. Matavam homens, mulheres, crianças, animais. Eles tinham um esquadrão da morte, e vagavam pelo interior do país cortando cabeças, arrancando olhos, braços, pernas, testículos”, diz Monroe (Ep 10, Temp 2). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Quando um Wesen voga diante de um Grimm, vê nos olhos deste “uma escuridão infinita, e, refletida nela, vê também sua verdadeira natureza Wesen”, diz Monroe. Ou seja, vê sua própria animalidade.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Onça pintada<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">A série explora as diversas fábulas e todos os cantos do imaginário humano, indo da psicodelia às sondagens do inconsciente. Deve ser um prato cheio para estudiosos da psicanálise que seguem a linha de Bruno Bettelheim. Lendas de todos os continentes são abordadas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Do Brasil, há inclusive uma que inspirara João Guimarães Rosa para um conto muito famoso, “Meu tio o Iauaretê”, que consta no livro <b>Estas estórias</b>, de 1968. Na série, o animal aparece como yaguareté (onça pintada, no Brasil), uma lenda guarani cujo relato diz que o yaguareté é uma pessoa encantada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Várias outras lendas da Amazônia são narradas em <b>Grimm</b>, mas se fôssemos exigir precisão, queríamos a presença pelo menos do Saci Pererê, Mula Sem-Cabeça e da Iara. Sua prima, a sereia, foi lembrada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Apesar de se intitular <b>Grimm: contos de terror</b>, em português, e de fato haver uma estética de fantasia com violência e certo grau de macabro, geralmente as tramas não assustam. Mas são definitivamente um thriller bem contado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Susto e perplexidade<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Como espectador, a história que mais mexeu comigo, talvez entre aí algum componente do inconsciente, foi o episódio “A Chorona”, fantasma de mulher que chora e rouba crianças (Ep 9, Temp 2). A mãe afogou os três filhos por vingança porque o marido a trocara por uma mulher mais jovem. (Quase Medeia). Como consequência, ela se matou e virou esse fantasma assustador.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Assusta-me, talvez porque seja uma história de almas. Não acredito em fantasmas, mas eles não dependem de minha crença, ou da falta dela, para existirem. Nick solucionou o caso, mas não venceu o espírito transtornado, que não era exatamente um Wesen.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Se umas histórias até assustam, outras causam perplexidade, qualidade característica do terror, como o episódio 18 da 5ª temporada, sobre uma família de barbatus ossifrage (um tipo de abutre – como o real Gypaetus barbatus), que quebram ossos para comer a medula (tutano).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Os pais são dois velhinhos que moram num trailer às margens do rio. O filho espreita vítimas à noite num dos parques da cidade, sentindo um tipo de aroma da morte. Ele as atropela várias vezes, quebra bem seus ossos e então usa sua técnica de Wesen para sugar pela boca da vítima a papa de carne e osso dissolvidos no corpo, ficando só a estrutura física de couro e pele.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O filho vai até os pais que estão de bico aberto esperando a refeição. Ele regurgita tudo no bico dos progenitores. Os pais fazem chantagem moral para cobrar comida do filho. “Você é um bom menino”, diz o pai. “O que nós faríamos sem ele?”, pergunta a velha mãe. “Passaríamos fome”, responde o velho e cansado pai.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Quando está caçando, arrastando as vítimas, o filho protesta em voz alta: “Só reclamam. Egoístas! E a minha vida? Espero que morram!” Nick e Hank descobrem quem é o sugador de tutano, e o perseguem. Ele é atropelado e morre. Os pais, velhinhos, vão reconhecer o corpo do filho todo amassado no necrotério.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Esse é o nosso Charles”, diz o pai. “Era um menino tão bom”, diz a mãe. Quando os investigadores saem, os velhinhos olham um para o outro, ainda chorando, e a mãe diz: “Ele não pode ser desperdiçado assim.” E o velhinho: “Tem razão. Vai você primeiro.” E sugam pela boca os ossos triturados do filho.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><b>A trama virou outra</b><b><o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><b>Grimm</b> foi espetacular até o último episódio da quarta temporada. Depois disso – salvo raras exceções, como o episódio dos barbatus ossifrage e um na sexta temporada sobre uma cigarra que hiberna enterrada no chão, junto com um corpo para se alimentar por sete anos, voltando ao mundo dos vivos por 24 horas para buscar mais um corpo –, tornou-se apenas o resíduo de uma usina criativa e original. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O roteiro tomou outro rumo, começou a misturar lenda com mitologia e acabou desembocando na exploração de arquétipos religiosos e premissa de física quântica. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Os produtores gostam de saturar uma boa ideia. Uma série é uma criaturinha que vamos alimentando, e quem vê vai gostando, mas que se tornará fatalmente um monstro incontrolável.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O ideal seria parar antes, no momento exato, e não matar o monstro. Seria melhor liberar a criatura e deixá-la partir para a selva enquanto temos dela os melhores sentimentos. É raro isso acontecer. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Geralmente, os roteiristas exploram até a última hora de criatividade e não percebem que já passaram do ponto, que a premissa original já foi pro espaço e a trama virou outra.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">...</span><span style="font-family: "cambria";"><o:p></o:p></span></div>
Gilberto G. Pereirahttp://www.blogger.com/profile/03818881816267946333noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8535957269302774511.post-52543377385781504542020-01-14T14:06:00.004-03:002020-01-14T14:25:52.561-03:00O Irlandês é um filme imenso<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-2l1bjtwzekk/Xh30F71TF0I/AAAAAAAAHY0/2Fcvn026oQ0uitGoJ9cVxAxH3Y3AD4XnwCLcBGAsYHQ/s1600/O-Irlande%25CC%2582s-45.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="865" data-original-width="1600" height="346" src="https://1.bp.blogspot.com/-2l1bjtwzekk/Xh30F71TF0I/AAAAAAAAHY0/2Fcvn026oQ0uitGoJ9cVxAxH3Y3AD4XnwCLcBGAsYHQ/s640/O-Irlande%25CC%2582s-45.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: x-small;"><span style="font-family: "times new roman"; text-align: justify;">De Niro não foi indicado ao Oscar (Joe Pesci e Al Pacino, sim, como coadjuvantes), mas sua atuação é digna do grande filme que é </span><b style="font-family: "Times New Roman"; text-align: justify;">O Irlandês</b><span style="font-family: "times new roman"; text-align: justify;">, e ele conduz a trama inteira</span></span><span style="font-family: "calibri"; font-size: 14pt; text-align: justify;"> </span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span>
<span style="font-family: inherit;">A primeira vez que tentei ver <b>O Irlandês</b>, não consegui. Parei nos 30 minutos (das 3 horas e meia de filme). Achei o filme lento demais. Ainda assim, nessa primeira meia hora, fiquei impressionado com a atuação de Joe Pesci, contida, sustentando um tom dramático absoluto, sem resvalar na comédia, justo ele que sempre foi engraçado. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: inherit;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: inherit;">Todo mundo já dizia que o filme seria indicado ao Oscar, como foi em 10 categorias. Ontem decidi ver o filme do começo ao enfim. Entre um bocejo e outro, comecei a prestar atenção nos detalhes das cenas, passei a seguir as indicações do roteiro. Terminei de ver, e fui ver de novo para apreciar o fio da narrativa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: inherit;"><b>O Irlandês</b> é um filme imenso, e me sinto envergonhado de dizer isso só depois de estar legitimado pela crítica e pela Academia de Hollywood. Mas é uma aula de direção. Há momentos em que a cena é sustentada pelo silêncio, e a câmera capta nos gestos de Robert De Niro toda a tragédia que se anuncia, todo o drama de chegar até ali matando pessoas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: inherit;">A história da máfia, com suas famílias cheias de vida e de amor, e de empreendedorismo, e de traição, e a morte como a moeda mais corrente, está encerrada nesse filme de modo magistral. Existe uma dor que atravessa a narrativa, e uma consciência de que não há esperança nenhuma que também é muito cortante.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: inherit;">De Niro não foi indicado ao Oscar (Joe Pesci e Al Pacino, sim, como coadjuvantes), mas sua atuação é digna do grande filme que é <b>O Irlandês</b>, e é ele quem conduz a trama inteira, fazendo dois papéis ao mesmo tempo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: inherit;">Faz um papel visível, que é o de um assassino profissional que serve a dois senhores, matando gente (enquanto lida com o drama doméstico de não saber como amar as filhas e a mulher, sendo um assassino).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: inherit;">O outro papel é quase imperceptível. É o de um velho largado num asilo falando sozinho (sutilmente sugerido), narrando a história da máfia que ele mesmo ajudou construir e que sobreviveu a ela, guardando um segredo que jamais contou para as autoridades (quem matou Jimmy Hoffa).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: inherit;">Martin Scorsese concorre ao Oscar de Melhor Diretor, mas concorre com Quentin Tarantino, cujo filme <b>Era uma vez em... Hollywood</b> pode levar o prêmio este ano.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="text-align: start;"><span style="font-family: inherit;">...</span></span></div>
</div>
Gilberto G. Pereirahttp://www.blogger.com/profile/03818881816267946333noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8535957269302774511.post-82932946453141901442020-01-13T22:57:00.000-03:002020-04-24T19:21:03.506-03:00Por onde anda Wania Capelli<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Branca como uma italiana, de uma brancura que aceita o sangue vir à pele em momentos de rubor ou raiva. Plena de entusiasmo (um deus dança dentro dela), cheia de vigor para falar. O primeiro contato que tive com ela foi pela voz ao telefone, em dezembro de 2000, me comunicando a aprovação no Curso Abril de Jornalismo em Revista, em São Paulo.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">A pobreza em que eu vivia em Goiânia saltava aos olhos de qualquer um. Quando passei no vestibular de Jornalismo na Universidade Federal de Goiás (UFG) para o ano de 1997, eu já sabia do novo ambiente que encontraria. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Eu era uma espécie de Colombo do Cerrado descobrindo o Novo Mundo de gente branca e burguesa dos bancos de faculdade. Eu era agora preto e pobre entre meninos e meninas de pele clara.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">No primeiro dia de aula, uma colega pediu que escrevêssemos nossos respectivos endereços num caderninho para contato. Escrevi Rua Palmito, Chácara 4, Vila Yate, e a colega riu, perguntando se eu estava brincando. Para quem morava no Setor Bueno, Marista, Setor Oeste ou adjacências, eu só podia estar de sacanagem. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Mas deu tudo certo. Quando passei no Curso Abril, quatro anos depois, uma dessas plumas diáfanas da burguesia goianiense me disse “parabéns, este era o único curso (estágio) que me interessava fazer.” Ouvir aquilo foi como uma vitória pessoal. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Cheguei a São Paulo trazendo na mochila a mesma expectativa e a mesma pobreza. Wania Capelli foi quem nos recebeu. Ela era subordinada de Eugênio Bucci, na Secretaria Editorial, responsável pelo Curso Abril na ocasião. Ela tinha 38 anos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Quando cheguei, Wania já era uma lenda ali. Fora secretária direta de Victor Civita, o fundador do Grupo Abril, e quando este morreu, ela foi realocada para a Secretaria Editorial e acompanhou de perto o desabrochar de muitos jornalistas da casa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Eu ainda estava em Goiânia quando ela me perguntou onde eu ficaria. Na Zona Leste, eu disse. O Grupo Abril fica na Zona Oeste, em Pinheiros, tocando para o Sul. Não tínhamos direito a hospedagem, só alimentação. Cada um que se virasse com lugar de dormir. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Mas Wania arranjou um jeito de pagar um hotelzinho em Santa Cecília pra eu e um colega ficarmos, um colega tão pobre quanto eu, vindo do Rio Grande do Norte, o Francisco. O restante da turma era de classe média, um tipo de mundo muito agradável, no geral, mais pela logística do que pela fauna encontrada (salvo raras exceções, das quais me lembro muito bem).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Ficamos bem instalados naquele espaço simples, onde uma vez, conversando em inglês, ouvi um nigeriano dizer “eu negocio raw leather (couro cru)”. Mas depois soube que seu trabalho era mesmo com white dust. Traficava cocaína. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Nesse mesmo hotel, havia uma garota – com quem meu colega e eu fizemos amizade – que dizia em toda conversa entre nós que gostava de p**a. Ela era bonita, uma catarinense de sotaque carregado e corpo photoshópico. E eu, inocente, impuro e besta, não reagia à fala dela (pensando falo ou não falo) senão com sorrisos, entre um gole e outro de cerveja.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Eu sabia que aquilo de que ela gostava tinha de vir enrolado em notas de cem, e eu não tinha sequer uma camisa nova. Mas fiquei nesse hotel, e de lá pegava o Pinheiros 308, se não me engano, até o NEA (Novo Edifício Abril), na Avenida das Nações Unidas, ao lado da Marginal Pinheiros.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Do começo ao fim dessas aventuras em SP, a presença de Wania era um galardão pra mim. Era um fluxo de afeto que me impulsionava na difícil empreitada de encarar São Paulo. Eu tinha dois irmãos que moravam lá havia décadas, mas moravam, advinha, na Zona Leste, e por isso, estar num hotelzinho em Santa Cecília era a grande jogada, me facilitava a vida, e Wania sabia disso.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Sua generosidade tinha de ser contada em livro. Wania entrou presencialmente na minha vida em janeiro de 2001. De lá para cá, de novo talento da Editora Abril, passei por todas as fases do fracasso em cada redação que trabalhei, em São Paulo, Curitiba e Goiânia. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Escrevi para a Superinteressante, para a Época, para o Diário do Comércio, para sites e portais, trabalhei na Editora Ática, em assessorias de imprensa como W&NP e FSB, em São Paulo, nas revistas Clube Curitibano e Clube Santa Mônica (Curitiba), nos jornais Tribuna do Planalto, O Popular e Opção (Goiânia).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Em todos esses lugares mencionados, soube usar com maestria a ferramenta da autossabotagem. Fui responsável por cada um de meus desligamentos dessas empresas. Mas não desliguei Wania da chama de minhas lembranças. Ela permanecerá para sempre num lugar especial de minha memória poética.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Sempre que eu olhar para minha história pregressa, verei Wania me arranjando o hotel em Santa Cecília, querendo meu sucesso, me apoiando nas horas mais difíceis, como quando um de meus irmãos foi assassinado em São Paulo e ela foi ao enterro, no Cemitério da Vila Formosa, para me abraçar e me consolar da dor de perder um irmão. Ninguém faz isso na cidade do escárnio se não for por legítima afeição.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Sempre que eu acender minha memória, na primeira luz estará Wania, dançando comigo na festa de encerramento do Curso Abril, me abraçando, conversando comigo, convidando-me para jantar no apartamento dela, onde morava com o marido e o filho, onde degustei um delicioso foundi acompanhado de um inesquecível Beaujolais, num dia frio em Higienópolis.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Wania sempre estará em minha memória em registros afetuosos, como quando esteve presente no Chá de Bebê de minha filha, em 2007, e quando foi ao apartamento onde eu morava, em 2008, para presentear – com uma manta que ela mesma bordou – minha filhinha nascida havia poucos meses.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Junto com essa memória, carregada de lembranças de uma mulher incrível, bonita, inteligente, com grande senso de justiça, há também uma fina névoa de cinza. Quando voltei para Goiânia, o impasse dos anos e a distância afastaram-me de Wania Capelli. E me entristeço. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Enquanto estava em São Paulo, deixei passar as oportunidades de dizer o quanto a amei por tudo isso, como quem ama a uma mãe. Agradecer não era suficiente. Seria preciso dizer “eu te amo”, e isso eu não fiz.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Não tive fartura de gestos para mostrar a ela minha gratidão. Não a abracei suficientemente, não lhe mandei flores, não telefonei pra ela o bastante pra dizer coisas simples, ou simplesmente para ouvir sua voz de sotaque da Bela Vista criticando as ordinarices do mundo, para ouvi-la, para vê-la.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Wania foi meu primeiro sorriso paulistano. Seguramente, por este sorriso ter sido na chegada, foi quem me fez acreditar que naquele imenso geral de prédios e barulho havia uma distinção feita de afeto.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Ela me protegeu, me salvou, me acolheu, me apoiou, encheu meu mundo de lembranças positivas, de exemplo de afeto desinteressado, de amor mesmo, um tipo de amor raro sempre, o amor da amizade, porque foi uma amizade dada ao primeiro encontro, e amizade dada – como diz Riobaldo, de <b>Grande sertão: veredas</b> –, amizade dada é amor.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Todas as fotos que tirei com Wania Capelli foram acidentalmente apagadas por minha filha, ainda pequenininha, do meu computador. As imagens das fotos foram deletadas, mas não as imagens registradas em minha memória. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O mais importante é que elas não são estáticas. Estão em movimento, com o volume da voz, com a dinâmica dos gestos elegantes, da postura ereta, do olhar, do jeito de andar, da mão segurando o cartão para passar na catraca da Editoria Abril e ir almoçar no restaurante do NEA.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Wania merece todas as palavras benditas, todos os verbos perfumados e afetivos e alegres e cheios de vida apenas para completar a vida imensa e enérgica que sempre teve. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Flutuei pelas águas da cidade que é dela. Sei tanto quanto ela do nível de surfe que se pode ter em meio às ondas de dificuldade e do número de caminhos que se bifurcam em tão pouco tempo na Pauliceia. São tantos que nos fazem até perder a direção, mas também nos ensinam que a vida é esse emaranhado de fios e cores em meio ao cinza que tisne o redor.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">...</span><span style="font-family: "cambria";"><o:p></o:p></span></div>
Gilberto G. Pereirahttp://www.blogger.com/profile/03818881816267946333noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8535957269302774511.post-31900935804796106492020-01-02T14:03:00.000-03:002020-01-02T14:05:33.936-03:00The Witcher – entre Game of Thrones e o fracasso<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td><a href="https://1.bp.blogspot.com/-2h-n_WgR3mc/Xg4hDby_XHI/AAAAAAAAHTY/ZpEy_p6aT6cvitRmYPMWLy7mSYSZx8c3wCLcBGAsYHQ/s1600/The-Witcher-_-Netflix-revela-novas-fotos-dos-4-primeiros-episo%25CC%2581dios-da-se%25CC%2581rie.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="740" data-original-width="1387" height="340" src="https://1.bp.blogspot.com/-2h-n_WgR3mc/Xg4hDby_XHI/AAAAAAAAHTY/ZpEy_p6aT6cvitRmYPMWLy7mSYSZx8c3wCLcBGAsYHQ/s640/The-Witcher-_-Netflix-revela-novas-fotos-dos-4-primeiros-episo%25CC%2581dios-da-se%25CC%2581rie.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption"><span style="font-family: "cambria"; text-align: start;"><span style="font-size: x-small;">Yennefer de Vengerberg, Geralt de Rívia e Cirilla, a trindade heroica da série, cada um com seu conjunto de atributos conflitantes, que na segunda temporada deve mostrar mais a que veio, caso contrário, a série não decolará</span></span><span style="font-size: small; text-align: start;"></span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Se a Netflix apostou nos Fandoms dos livros e do game <b>The witcher</b> – criação literária do polonês Andrzej Sapkowski – para o sucesso da série homônima lançada no final de 2019, pode ser que dê certo. São milhões de apreciadores da narrativa que conta a saga do renegado bruxo mercenário Geralt de Rívia rumo ao seu destino, a saber, proteger uma princesa (que tem poderes ocultos) de 12 anos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Mas cada formato tem suas peculiaridades. Todo mundo sabe disso. Não há ninguém bobo numa produção de US$ 80 milhões. <b>The witcher </b>chegou ao serviço de streaming com grande expectativa, com muita jogada de marketing, alguns jornalistas dizendo inclusive que veio para ocupar o lugar de <b>Game of thrones</b>, mas a realidade é mais complicada. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Não é a primeira vez que a Netflix inventa de concorrer com o megablockbuster da HBO, cuja última temporada foi ao ar em 2019. Em dezembro de 2014, com <b>Game of thrones</b> no auge de sua performance, a Netflix lançara <b>Marco Polo</b>, com esse mesmo intuito, fazer frente à poderosa intriga de Westeros. <b>Marco Polo</b>, também superprodução, tinha um roteiro mais bem trabalhado que <b>The witcher</b>, e só durou duas temporadas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Os realizadores da nova série querem fazê-la durar até a oitava temporada. Sei não. Muitos elementos contribuem para um possível fracasso. Além de problemas no roteiro (coisa que pode ser consertada a partir do segundo ano), os atores são fracos e os personagens são mal desenvolvidos, principalmente Geralt de Rívia (Henry Cavill). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">A direção não joga com a empatia do público, a fotografia é um permanente déjà vu, e as estratégias de narrativa enrolaram mais a cabeça do espectador do que ajudaram a acompanhar a introdução e o desenvolvimento dos arcos dramáticos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Para se ter ideia, a confusão do roteiro fez a jornalista do portal UOL Beatriz Amendola, em reportagem esclarecedora em muitos aspectos (<a href="https://entretenimento.uol.com.br/noticias/redacao/2019/12/22/the-wicther-nao-e-game-of-thrones-mas-quer-ocupar-seu-lugar-sera-que-da.htm" target="_blank">22/12/2019</a>), dizer que “a jornada de Geralt de Rívia desenrola-se em paralelo a um grande confronto entre os reinos de Nilfgaard e Cintra”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Não é bem isso que acontece. Para ser paralelo, deveriam ser duas narrativas. No caso da trama de <b>The witcher</b>, há apenas uma narrativa. O que causa o estranhamento é um imenso flashback que dá início à história, com Geralt de Rívia matando uma quiquimora (com garras de rapina, cabeça meio humana e corpo de aranha), muitos anos antes do nascimento da princesa Cirilla (Freya Allan), o seu destino.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O espectador acompanha Geralt (lê-se Guéralt) em sua sanha de caça ao monstro, matando um aqui outro acolá, inclusive uma princesa amaldiçoada (salvando outra lá na frente, mas tudo antes do nascimento de Cirilla) até o minuto 12 do primeiro episódio, quando entra em cena o tempo presente da narrativa, com Cirilla aos 12 anos, jogando bugalha com seus jovens súditos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">A ruína de Cintra<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Este jogo entre presente e passado da narrativa não são eventos paralelos, são eventos de um mesmo tempo, de uma mesma história, que se intercalam para exibir uma trama que não é contada de modo linear.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">A primeira sequência do tempo presente mostra o reino de Cintra e sua rainha, Calanthe, arrogante e violenta, avó de Cirilla, e o avanço do reino de Nilfgaard que toma Cintra e mata todo mundo no castelo real, sobrando apenas Cirilla, que foge. Calanthe se mata, mas antes pede para a neta procurar Geralt de Rívia, que é seu destino.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Não há spoiler aqui. O que há, isso, sim, é uma dica para se seguirem as pegadas de um longo flashback com suas reviravoltas. O flashback dura os sete primeiros episódios de uma série de oito, intercalando com o tênue fio do presente. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Quando se entende isso, segue-se a marcha de Cirilla com clareza. A intercalação do flashback acompanha não só Geralt, mas todos os outros personagens, incluindo uma terceira muito importante na série, a bela Yennefer.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">A primeira confusão do roteiro (tentativa de inovação?) se dá justamente com esta sequência da tomada de Cintra, a morte de Calanthe e a fuga de Cirilla, porque faz o espectador achar que este é o Incidente Incitante da série, ou seja, aquele momento em que o herói aceita ir à luta para salvar o mundo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Mas, neste caso, Cirilla é quem ouve da avó “procura Geralt”, o herói de fato. E ela é a protagonista, não a heroína. O herói é Geralt, que muito antes de Cirilla nascer ouvira de Renfri, a princesa amaldiçoada que ele matou (ou pelo menos cremos assim), a seguinte profecia: “A garota da floresta sempre estará com você. Ela é seu destino.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O Incidente Incitante, portanto, não é a destruição de Cintra. O espectador vai descobrir mais tarde qual é a importância dessa sequência. Revelar a função desta cena seria, aí, sim, um spoiler imperdoável. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O Incidente Incitante, na verdade, está escondido no flashback, e aparece no episódio 4, um erro de estratégia narrativa, ao meu ver. Pode dar certo para um romance literário, não para uma série.<o:p></o:p></span></div>
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<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Quiromancia, tripas e ritmo<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Entre os muitos recursos cênicos da série toda, esse flashback extraordinário que toma sete episódios, intercalando com o presente de Cirilla, há um flashforward dentro do flashback, que ficou esteticamente muito bem feito, uma cena de necromancia. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Nesse flashforward (um pequeno spoiler, mas que segue a linha de esclarecer o confuso curso da trama), o corpo da rainha Calanthe é encontrado pelos Nilfgaardenses, e um homem corta um pedaço do braço da rainha morta e come. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Em seguida, Fringilla, feiticeira oficial de Nilfgaard, enfia um punhal no ventre do homem que comeu a carne da rainha e lhe estripa. As vísceras caem para frente e o corpo para trás. Fringilla então lê nas tripas do antropófago o paradeiro da princesa Cirilla: “Está na Floresta Brokilon.” <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Esta cena é um acerto narrativo, e há muitas neste sentido. Em alguns momentos, a condução da narrativa segue um ritmo incrível, como uma dança, com cenas, cenário e atuações okay. Mas os erros de estratégia são marcantes porque tiram a paciência do espectador e complicam o sucesso da série. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Eu nem precisaria dizer, mas devo dizer, que esta é apenas uma leitura, uma análise que pode se mostrar equivocada. Logo, T<b>he witcher</b> pode se tornar um sucesso. Mas, se continuar nessa toada, não será, não.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Elementos<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Tendo como fulcro a jornada de Geralt e o drama de Cirilla, a trama ocorre num espaço geral chamado Continente, com muitos reinos. Há um embate ideológico, uma polarização entre Norte e Sul. O Sul está sendo dominado por Nilfgaard, que representa um novo tipo de poder. Sua empreitada começa tomando justamente Cintra, que poderia ter tido o auxílio dos magos de Aretusa, mas estes lavaram as mãos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Quem poderá deter Nilfgaard? Os poderes de Cirilla com a ajuda de Geralt e a feiticeira Yennefer (dissidente da escola de Aretusa, mas que volta para ajudá-los a conter o avanço de Nilfgaard rumo ao Norte)? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O personagem de Cirilla se desenvolverá (e precisa) muito na segunda temporada, porque na primeira é só uma menina assustada, à deriva, em meio à violência de todo lado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Geralt é um bruxo mercenário que sai por aí matando monstros por encomenda. Tem uma égua chamada Plotka, com quem conversa. É sério, anda calmamente, fala calmamente. Tem longos cabelos embranquecidos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Ele usa uma vestimenta preta, com uma fina armadura de cavaleiro também preta, um colar, com um medalhão, e duas espadas numa aljava. Em seu código de honra, não mata humanos nem dragões, e sabe-se lá mais o que vai dizer que não está disposto a matar. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Esteticamente, o problema de Geralt é duplo: a atuação de Henry Cavill, que não consegue marcar seus gestos com expressões que gerem empatia (embora diga que bruxos não têm sentimentos), e a própria construção do personagem. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Por exemplo, há duas informações que deveriam vir no começo, mas só aparecem no último episódio. Quem se encheu da trama antes, nem viu. A primeira é o fato de Geralt ter sido abandonado pela mãe quando criança para ser criado por um bruxo. É um órfão, portanto, que passou poucas e boas (e ali, ele demonstrou que tinha sentimentos).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">A segunda é o que sua própria mãe o ensinou, um código de ética cuja máxima é “devemos viver e deixar viver”, aliada a outra, "devemos acreditar em alguma coisa, senão, o caos toma conta do mundo". O espectador merecia acompanhar Geralt com essas informações desde o primeiro episódio.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Além disso, não rolou química na relação entre Geralt e Yennefer. A parte da fantasia funciona mansamente, com muita citação de monstros e pouca aparição deles. A parte da ação se isola em cenas divididas entre o flashback e o tempo presente, a fuga de Cirilla. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">A parte do drama é quase nula. Não ha eficiência dramática, porque é preciso bons atores diante de uma boa direção. As atrizes que fazem Calanthe (Jodhi May) e Yennefer (Anya Chalotra) são os destaques, e das duas, Jodhi May tem a melhor atuação.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both;">
<b><span style="font-family: inherit;">A bela bruxa</span></b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-iJItVrxeQTk/Xg4g2N_V-HI/AAAAAAAAHTU/zUlKAi0xo1IapZj5mZUyuZo2JmL02JcmACLcBGAsYHQ/s1600/a9zct9dmhk441.png" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><span style="font-family: inherit;"><img border="0" data-original-height="769" data-original-width="1600" height="305" src="https://1.bp.blogspot.com/-iJItVrxeQTk/Xg4g2N_V-HI/AAAAAAAAHTU/zUlKAi0xo1IapZj5mZUyuZo2JmL02JcmACLcBGAsYHQ/s640/a9zct9dmhk441.png" width="640" /></span></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: inherit; font-size: x-small;"><span style="font-size: x-small; text-align: start;">Yennefer, ainda como garota da roça, rejeitada pelo pai, corcunda, torta, fazendo sexo com o aprendiz de feiticeiro Istredd, com uma plateia que no final aplaude e desaparece (fenômeno que certamente saiu da cabeça de Istredd – só um homem para ter uma ideia espetaculosa dessas)</span><span style="font-size: small; text-align: start;"></span></span></td></tr>
</tbody></table>
<span style="font-family: inherit;"><br /></span>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Anya Chalotra, porém, se destaca pelo conjunto da obra. É uma belíssima e competente atriz, que até quando está corcunda, com o queixo apontando para uma direção e o pescoço entortado para a outra, é linda, com olhos expressivos, um olhar triste e pungente, uma postura cautelosa de gato escaldado. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Quando garota, feia, pobre, corcunda, rejeitada pelo pai, Yennefer é comprada por uma ninharia por Tissaia de Vries, reitora de Aretusa. Há uma cena em que ela, ainda toda torta, faz sexo com Istredd, um dos jovens aprendizes, com um monte de gente assistindo. Seu corpo, mesmo giboso, é de tirar o fôlego. Quando eles gozam, todos aplaudem e desaparecem.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Mais tarde, ela se tornará a toda poderosa Yennefer de Vengerberg, senhora do caos, possuidora de uma força absoluta e devastadora. Mas na maior parte da trama ela esteve solitária, mesmo nos momentos compartilhados com Geralt.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Outro ponto defeituoso da trama são os diversos arcos abertos demorando a se fechar, muitas histórias fracamente se interligando, demorando demais para seus fios se cruzarem. Como se voluntariamente misturassem mundo comum e mundo especial nas diversas subtramas para soar novo, e com isso não alcançando nada além de confusão dramática.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Apesar de muito se falar no bestiário e pouco se mostrar, o espaço do realismo fantástico está bem povoado. Há quiquimora (o primeiro monstro a aparecer, e a ser morto por Geralt, na trama), graveir, súcubos, estrige (que se alimenta de fígado e coração humanos).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Há ainda lobisomem, dermoptera, vukodlak, dragões, selkiemore, manticora, djinn (gênio da lâmpada), hirikka (bicho bípede, peludo, de orelhas grandes e pontudas) e criaturas fantásticas como elfos, dríades, feiticeiros druidas e magos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Lilith retornará?<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Outra coisa que soa inépcia, embora possam ser estratégias de arcos abertos para serem explorados nas próximas temporadas, são os tropos, os espaços e personagens que aparecem uma vez e desaparecem sem explicação.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Entre os exemplos desse procedimento está a curta aparição e o desaparecimento da vila de Blaviken e a menina Marilka, o possível retorno de Lilith (deusa demoníaca da noite, enviada para exterminar a raça humana) e o destino da família real de Teméria (após Geralt desencantar a filha, fruto de incesto do rei Foltest com a irmã Adda, que havia nascido monstro – uma estrige).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Obviamente, o show runner da série (roteirista chefe), Lauren Schmidt Hissrich, e a equipe de produção e direção ajustarão os elementos e as estratégias. E aí, o espectador poderá dar uma segunda chance. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Mesmo porque, para além das questões de narrativa, há um teor filosófico muito forte na série, baseado na sabedoria antiga, principalmente na grega, sobre destino, lugar natural, ética e poder, que merece ser considerado e apreciado pelo espectador.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">...</span></div>
Gilberto G. Pereirahttp://www.blogger.com/profile/03818881816267946333noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8535957269302774511.post-52141256679138111002019-10-24T16:28:00.007-03:002021-07-10T23:23:12.612-03:00Não houve tempo para ler tudo - a morte de Harold Bloom<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: "cambria"; font-size: 12pt;"> Foto: Getty Images</span></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-LMGZIS6caeg/XbH5tzTjGkI/AAAAAAAAG2w/8JcGTSCGLnwUcbBftAwyNEk3EzUGhIeEQCLcBGAsYHQ/s1600/gettyimages-1838055-1558542689.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="1600" data-original-width="1176" height="640" src="https://1.bp.blogspot.com/-LMGZIS6caeg/XbH5tzTjGkI/AAAAAAAAG2w/8JcGTSCGLnwUcbBftAwyNEk3EzUGhIeEQCLcBGAsYHQ/s640/gettyimages-1838055-1558542689.jpg" width="470" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: "cambria"; text-align: start;"><span style="font-size: x-small;">Harold Bloom (1930-2019): “Se você não lê profundamente, e não lê de fato o que há de melhor na <br />literatura, então você jamais aprenderá a pensar, e se você não sabe pensar, você obtém Donald Trump”</span></span><span style="font-size: small; text-align: start;"></span></td></tr>
</tbody></table>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Harold Bloom morreu aos 89 anos no dia 14 de outubro de 2019, num hospital de New Haven, Connecticut, EUA. Aquele cérebro de sinapses velozes – capaz de ler 500 páginas por hora, e que dizia que líamos para encontrar cérebros mais inteligentes do que o nosso – não existe mais.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Leitor poderoso, criador de sulcos insuperáveis na consciência crítica, Bloom deixou um legado enriquecedor. Cada livro seu é um curso completo de algum tema literário. Depois de <b>Shakespeare: a invenção do humano</b>, por exemplo, o leitor nunca mais lerá o bardo inglês do mesmo jeito.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">A luz que se apaga com a morte de Bloom escurece uma significativa extensão do território da crítica literária. Sua morte tira-nos um pouco o chão. Ainda bem que seus livros nos servirão de lastro. Ainda bem que suas palavras iluminarão as leituras que continuaremos a fazer dos grandes gênios da narrativa. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O que Bloom fez, no fim das contas, foi defender o humano, tão escanteado a favor das máquinas e da inteligência artificial nos dias de hoje. Por sua capacidade de ler e trabalhar tantos dados ao mesmo tempo, constantemente, vinha-nos a pergunta: “como é que ele faz? Como consegue?”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Era um tipo raro de gênio, que, se não criava personagens, se não criava tramas (chegou a escrever um romance, em 1979, The Flight to Lucifer [O voo de Lúcifer], debalde), sabia analisar como ninguém os espaços inventados pelos outros gênios da linguagem. Como ninguém, era detentor de uma energia psíquica arrebatadora. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Seu imenso talento permitia-o manipular a massa textual de toda a literatura ocidental como quem bate massa para um bolo. E ficava gostoso, além de substancial. Seu repertório crítico foi sem dúvida o mais largo e profundo entre os críticos que li.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Digo isso na comparação com nomes como Terry Eagleton, Northrop Frye, Antonio Candido, Otto Maria Carpeaux, James Wood. Em matéria de domínio de massa textual, só <a href="https://leiturasdogiba.blogspot.com/2008/08/biografia-mnima-martin-seymour-smith.html" target="_blank">Martin Seymour-Smith</a>, dos que li, o alcança (e talvez o ultrapassasse). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Diálogo<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Seus livros me fizeram enxergar com outros olhos muita coisa dentro do campo literário, como a questão da crítica e da lança ideológica que persegue o texto, mas que não o alcança de todo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Foi por ele que fiquei sabendo de Zora Neale Hurston, autora de <b>Seus olhos viam Deus</b>, romance que Bloom colocou ao lado de <b>Homem invisível</b>, de Ralph Ellison. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Também foi ele quem me disse que James Baldwin não é tão grande assim (“é apenas um documento de época”), fazendo-me perceber que não é preciso concordar com tudo que um grande espírito diz para considerá-lo, ainda assim, genialmente imenso.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Bloom não gostava de literatura engajada. Para ele, Baldwin era um escritor a serviço de uma causa política (uma causa justa, digna, necessária, mas, ainda assim, uma causa). Mas, para quem ama literatura e tem consciência negra, dá para, a um só tempo, apreciar a estética e a luta na obra de Baldwin, absorver a estética formal pura e entender Bloom. E amá-lo também, em sua larga perícia de leitura, de diluição e análise.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Origem, memória e crítica<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Filho de um alfaiate e uma dona de casa (imigrantes judeus da Rússia), Bloom nasceu em 1930, no distrito do Bronx, em Nova York, em um bairro ocupado na ocasião basicamente por judeus pobres. Sua vizinhança toda só falava íidiche e hebraico.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Aos quatro anos, ele começou a frequentar a biblioteca local e a ler em inglês. Foi aprendendo a língua de Shakespeare intuitivamente, adivinhando a pronúncia e correlacionando as conexões sintáticas e semânticas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Numa grande reportagem produzida pelo jornalista Arthur Nestrovski, no Caderno <b>Mais!</b>, da <b>Folha de S. Paulo</b>, em 1995, cujo texto de abertura se intitula <b>Crítico reage contra a balcanização da cultura</b>, há um trecho da fala de Bloom em que ele comenta: “Quem lê tem de escolher, pois não há, literalmente, tempo suficiente para ler tudo, mesmo que não se faça mais nada além disso.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Em 1995, ele foi entrevistado por Eleanor Wachtel, do programa <b>Writers & Company</b>, da rádio canadense CBC (disponível no <a href="https://www.youtube.com/watch?v=5Th7MV6Odg8" target="_blank">YouTube</a>). Nesta entrevista, após Bloom dizer que tinha uma memória espantosa para leituras desde seus quatro anos e que conseguia ler numa velocidade ímpar, Eleanor comenta “li em algum lugar que você consegue ler 500 páginas por hora”, e ele diz “ainda consigo fazer isso, mas não gosto de fazê-lo” (minuto 5:55).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Para se ter ideia dessa façanha, e a título de comparação, Umberto Eco disse uma vez que lia 90 páginas por hora. Embora o feito de Bloom seja algo inacreditável, eu, pessoalmente, não tenho nenhuma razão de achar que ele estivesse mentindo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Se você consultar o Google, vai ver uma série de textos conferindo a Bloom um poder ainda maior, dizendo, por exemplo, que ele era capaz de ler mil páginas por hora. Mas, cá para nós, 500 páginas por hora já são o cúmulo da energia psíquica. Uma massa encefálica capaz de tamanha proeza já basta.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Ou seja, Bloom era uma espécie de “monstro” da palavra, ávido devorador de mundos simbólicos. Era chamado pela imprensa americana de King Kong da crítica. Nesta mesma entrevista, a respeito de seu livro <b>O cânone ocidental</b>, Eleanor pergunta o que é o cânone, e Bloom diz que não há nenhum mistério nisso, é só uma lista de autores que devemos ler. E dispara:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Devemos ler Shakespeare e estudá-lo, devemos estudar Dante, ler Chaucer, Cervantes, a <b>Bíblia</b>, pelo menos a <b>Bíblia</b> do Rei James, devemos ler Proust, Tolstói, Dickens, George Eliot ou Jane Austen, James Joyce, Samuel Beckett, porque são absolutamente cruciais.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Eles fornecem uma ideia intelectual, um valor espiritual, que não tem nada a ver com a religião organizada ou a fé institucional. Devemos lê-los porque eles nos ajudam a lembrar do que somos, nos dizem coisas que já esquecemos ou coisas que jamais poderíamos saber sem lê-los, porque fazem nossa mente mais forte, porque nos fazem sentir vivos.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Na entrevista a Nestrovski, ele havia sido mais enfático. O cânone, dissera Bloom, é uma lista de autores que “não morrem nunca”, que se renovam a cada leitura. Ou seja, conferindo o mesmo sentido de clássico de Italo Calvino, segundo o qual, clássico é um livro que você pode ler várias vezes, mas que em cada vez que o ler, aprenderá alguma coisa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Profissionais do ressentimento e a morte do autor<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Publicado originalmente em 1995, <b>O cânone ocidental</b>, elege 26 autores como representantes do caldeirão forjador da cultura literária do Ocidente. Os críticos à sua lista, e ao próprio Bloom, desceram a lenha, e Bloom os chamou de profissionais do ressentimento. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Escola do ressentimento, diz Bloom, é toda a crítica acadêmica que em vez de se ater à compreensão da forma e do conteúdo do texto, mete-se a fazer sociologia e a banhar de posicionamento ideológico, sexológico e raciológico toda a literatura. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“O que ocorreu - e parece agora impossível de ser revertido - foi uma coalizão de, entre aspas, ‘feministas’, ‘marxistas’, ‘neo-historicistas’, ‘materialistas culturais’ e teóricos de inclinação francesa - Lacan, pseudo-Lacan, pseudo-Derrida, pseudo-Foucault.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Esta coalizão representa hoje cerca de 70% dos professores em meio de carreira, e mais da metade deles são cultuadores fanáticos da Escola do Ressentimento”, diz Bloom a Nestrovski, na entrevista à <b>Folha de S. Paulo</b>, de 1995.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Naquele ano, Bloom escrevia mensalmente para o <b>Mais!</b> Em um dos textos, intitulado <b>A inevitável presença do autor</b>, ele continua a bater em seus algozes, com uma verve violenta e arguta. Acusa a crítica francesa de transformar todo discurso sério em um blábláblá garboso e com sotaque. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Diz que a morte do autor é só mais uma figura de linguagem. Atribui à Nietzsche – que proclamou a morte de Deus (na verdade, Schopenhauer, muito antes, já havia dado o primeiro chute) – a influência nefasta na crítica a ponto de ela começar a negar a importância da autoria, nas pessoas dos franceses, sobretudo Michel Foucault. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Seus discípulos franceses (de Nietzsche), Foucault acima de todos, desenvolveram esta proclamação nietzschiana até chegar ao dogma de que todos os autores (incluindo Deus) estão mortos”, diz o crítico. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Sua capacidade analítica era refinada e inteligente: “A única morte do autor que difere da morte mesmo, e que tem importância, é o destino dos poetas fracos. O escritor forte que se integra ao cânone, não morre nunca, que é aliás o sentido real do cânone. Ser lido para sempre: é esta a vida do autor.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">No texto <b>Os estratagemas dos ressentidos</b>, publicado no Caderno <b>Mais!</b> (29/11/ 1998), Bloom cita uma epígrafe (“Eles têm grandes números. Nós temos as alturas”), e em seguida abre o texto assim: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Minha epígrafe vem de Tucídides: são palavras do comandante do exército espartano, na batalha das Termópilas. No que diz respeito à cultura, somos nós agora que estamos nas Termópilas: os multiculturalistas, as pseudofeministas, os milhões de modistas, afligidos por doenças francesas, os comissários de polícia, os fanáticos do politicamente correto, as hostes de novos historicistas e velhos materialistas - todos se postam lá embaixo. Na certa vão subir e talvez sejamos batidos; nossas universidades já não passam de uma encenação e nossos jornalistas são uma paródia dos professores de ‘estudos culturais’.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Machado de Assis, o milagre<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Obviamente, Bloom não se esgota tão fácil. Para falar à vera sobre sua essência de professor, crítico literário e autor de livros incríveis, um texto de blog não basta (aliás, o blog talvez seja o único lugar onde esse texto hipotético coubesse, fora do livro, mas seria igualmente do tamanho de um livro).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Aprofundar em qualquer direção seria empilhar átomos demais. Daí esta pincelada de superficialidades, só para registrar a significativa presença de Bloom na alma de um leitor.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><b>A angústia da influência: uma teoria da poesia</b>, de 1973, seu livro mais importante, em termos de novo direcionamento crítico para a época, merece ser estudado até hoje, porque mostra como não se consegue escapar das influências e como se luta para se fazer original nesse mundão véi de meus verbos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Citemos um autor que não entra no radar de Bloom, por exemplo, João Guimarães Rosa, e que sofreu a angústia da influência, embora não se trate de poesia. Em seu único romance, <b>Grande sertão: veredas</b>, há uma inevitável influência de Machado de Assis, intencionalmente “raspada”. E quando sabemos biograficamente que Rosa achava Machado um estúpido literário, é como dizer bingo!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Rosa não está no radar de Bloom por uma questão de inacessibilidade, segundo o próprio Bloom, que disse (ainda) a Nestrovski que não conseguia ler Rosa e acessar seu código literário porque lia mal português. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Em português, Bloom só conseguia ler jornais, e lia Drummond com a ajuda de amigos. Disse ainda que a tradução de Rosa em inglês era uma bosta (disse isso com outras palavras, evidentemente).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Mas, Machado de Assis, não. Bloom conseguiu acessá-lo, não sem antes passar pelo mesmo problema da barreira das línguas. “O Brasil tem excelentes escritores. <b>Machado de Assis</b> não foi incluído em <b>‘O cânone ocidental’</b> em razão de uma tradução opaca que me caiu nas mãos”, diz o crítico americano, em uma entrevista concedida em 2003 a Sueli Cavendish, para a <b>Folha de S. Paulo</b>, intitulada <b>Bloom o insaciável</b>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Mas, quando li <b>‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’</b> na tradução inspirada de Gregory Rabassa, percebi sua grandeza e o examino em <b>‘Gênio’</b>”, continua Bloom. “Vejo nele uma ponta do ouvido trágico shakespeariano. <b>‘Dom Casmurro’</b>, na igualmente inspirada tradução de John Gledson, revela a fina ironia desse autor.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Em <b>‘Brás Cubas’</b>, vê-se que ele é possuído até as entranhas pelo Stern de <b>‘Tristram Shandy’</b>, o que em nada diminui a sua originalidade, mas o liberta do jugo das pressões puramente nacionalistas”, observa Bloom, um tagarela contumaz (num bom sentido). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Quem tem o desprendimento de ver suas entrevistas e palestras em vídeos disponíveis no YouTube sabe o quanto Bloom gosta de falar sobre literatura, e o quanto ele é envolvido por uma presença de espírito dotada de um tímido senso de humor e pela memória (era capaz de citar <b>Paraíso Perdido</b> inteiro, de cor, por exemplo).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Fui definitivamente fisgado por Machado de Assis e leio cada uma das suas frases com júbilo. Considero-o um milagre, diante das circunstâncias em que viveu, neto de escravos num país em que a abolição só veio em 1888, uma prova da autodeterminação do gênio e da arte”, diz Bloom a Sueli Cavendish.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Em <b>Gênio</b>, de 2002, traduzido para o português justamente em 2003, Bloom analisa os cem maiores gênios da linguagem, e entre esses gênios, coloca quatro nomes de língua portuguesa, e entre esses quatro, além de Camões, Eça de Queirós e Fernando Pessoa, está Machado de Assis.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Neste livro, Bloom diz que o Bruxo do Cosme Velho “é o maior literato negro surgido até o presente”. E olha que ele também incluiu Ralph Ellison na seleta lista de gênios. E profere a frase repetida na entrevista a Sueli Cavendish: “Machado de Assis é uma espécie de milagre.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O título da entrevista,<b> Bloom o insaciável</b>, é apropriado para definir um homem que parece que não houve no mundo um livro importante que não tenha lido. Do Brasil, diz ainda que há grandes poetas também, citando Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Mello Neto e Sebastião Uchoa Leite (opa! Como?). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Combatente feroz <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Bloom publicou mais de 40 livros. Boa parte deles foram traduzidos no Brasil, como os já citados <b>Shakespeare: a invenção do humano</b>, <b>O cânone ocidental</b>, <b>Como e por que ler</b>, <b>Gênio</b>, <b>A angústia da influência</b>, e seus similares, em que o autor elabora a ideia da influência (<b>Um mapa da desleitura</b>, <b>Cabala e crítica</b> e <b>Poesia e repressão: o revisionismo de Blake a Stevens</b>, <b>A anatomia da influência</b>), além de <b>Abaixo as verdades sagradas</b>.<b><o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Leitor exigente e apreciador de uma estética apurada, que não se encontra em qualquer texto, ele comprou uma briga (da qual não compartilho, porque não estou à altura) contra autores como a best-seller J. K. Rowling, autora da série <b>Harry Potter</b>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Ele compara Rowling a Stephen King, e coloca os dois no abismo da desgraça estética: “J.K. Rowling e Stephen King são escritores igualmente ruins, titãs apropriados de nossa nova era das sombras dos teclados: computador, cinema, televisão”, diz ele num texto intitulado <b>A criança no tempo</b>, publicado no Caderno <b>Mais!</b>, da Folha de S. Paulo (03/04/2005).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Por isso mesmo, para combater esses inimigos do espírito, é que ele organizou a coletânea magistral <b>Contos e poemas para crianças extremamente inteligentes de todas as idades</b>, em quatro volumes, um para cada estação do ano. Nesta coletânea, há contos, novelas e poemas de autores como Lewis Carroll, Rudyard Kipling, Oscar Wilde, Esopo e os irmãos Grimm.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Para pensar, é preciso ler<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">No ano passado, prestes a fazer 88 anos, Bloom recebeu um professor de literatura chamado John Bredin em sua casa, em New Haven. Bredin o entrevistou por 20 minutos em um vídeo disponível no YouTube intitulado <b><a href="https://www.youtube.com/watch?v=FCeIvt9CDlI" target="_blank">Saving Literature with Harold Bloom</a></b>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Bloom está visivelmente debilitado, sentado numa poltrona com o corpo levemente encurvado e a voz fraca. Suas mãos tremem um pouco, mas seu raciocínio é límpido, reto, de quem continuava dando aulas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Bredin pergunta para ele sobre a importância da literatura e por que os estudos de humanidades, em particular, a literatura, importam? A resposta de Bloom é afiada: “Se você não lê profundamente, e não lê de fato o que há de melhor na literatura, então você jamais aprenderá a pensar, e se você não sabe pensar, você obtém Donald Trump. E não é uma piada. Nada sobre ele é engraçado”, diz Bloom.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Depois, ele fala de poetas de sua predileção e até recita dois poemas de Wallace Stevens. No final da entrevista, Bloom diz que “a literatura não vale mais que a justiça elementar”, e diz que se você ler muito profundamente “não vai se tornar um monstro de iniquidade” e ela, a literatura, “não te faz necessariamente uma pessoa melhor, mas também não te faz pior. ”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">“Espero dar aulas até que venham buscar meu cadáver”<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Formado pela Universidade Cornell (Nova York), deu aula em várias instituições, inclusive em Harvard, mas sua consagração acadêmica está ligada à Universidade Yale (New Haven, Connecticut), onde era Sterling Professor, “comenda mais alta que se confere, na Universidade Yale, a docentes de vários campos, ostentada no passado por Erich Auerbach e Paul de Man” (Sueli Cavendish).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Na entrevista concedida a Arthur Nestrovski, em 1995, Bloom havia dito: “Espero dar aulas até que venham buscar meu cadáver.” Quando morreu, em 14 de outubro, sua esposa Jeanne Bloom disse que ele havia dado a última aula quatro dias antes, numa quinta-feira, dia 8 de outubro. Foi quase perfeito.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">...</span><span style="font-family: "cambria";"><o:p></o:p></span></div>
Gilberto G. Pereirahttp://www.blogger.com/profile/03818881816267946333noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8535957269302774511.post-54353882675481281162019-06-27T19:28:00.020-03:002024-01-11T15:58:30.908-03:00The Blacklist erra ao manter Reddington fraco<div class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span><i>“Sinceramente, sou só eu, ou a raça humana está armada com a religião, envenenada pelo preconceito e absolutamente frenética com ódio e medo, galopando como malucos de volta para a Idade Média? Quem se sente ameaçado por uma garotinha indo para a escola ou por uma criança ser gay?”</i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span>Raymond Reddington</span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span><i>“Quando ultrapassamos um limite, a escuridão toma conta.”</i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span>Raymond Reddington</span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-5Zb7BqxhLrw/XRU_uRZiZfI/AAAAAAAAGbc/h2Cud6QGOxsT-Qo53roPS32YlL0eesluACLcBGAs/s1600/MV5BYjdhY2FiNDAtYzBjMy00YTcyLTk1MjEtMTA5ZDM5YzEzM2IyXkEyXkFqcGdeQXVyNTczMTQ2MDI%2540._V1_.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="900" data-original-width="1600" height="360" src="https://1.bp.blogspot.com/-5Zb7BqxhLrw/XRU_uRZiZfI/AAAAAAAAGbc/h2Cud6QGOxsT-Qo53roPS32YlL0eesluACLcBGAs/s640/MV5BYjdhY2FiNDAtYzBjMy00YTcyLTk1MjEtMTA5ZDM5YzEzM2IyXkEyXkFqcGdeQXVyNTczMTQ2MDI%2540._V1_.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: "cambria"; text-align: start;"><span style="font-size: x-small;">Kate Kaplan: uma senhorinha, franzina e delicada, com gestos céleres e compenetrados, que nunca altera o tom de sua voz suave</span></span></td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">A sexta Temporada de <b>The Blacklist </b>(<b>Lista Negra</b>) é um fiasco do tamanho da derrocada de Raymond Reddington (James Spader), que começou com a vingança de Mr. Kaplan, no quarto ano da série. A história deveria parar por ali. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Eu, que admirava a desenvoltura do personagem interpretado por James Spader, torci para que Mr. Kaplan acabasse com tudo. Achei covarde demais o que Reddington fizera com ela, embora ele tenha sido coerente. Às vezes, a coerência nos ferra absolutamente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Mas, a série continuou, e Reddington seguiu agonizando ao longo da trama. Agora, em 2019, o sexto ano da história do concierge do crime segue no canal AXN, depois de ter rodado na sua produtora NBC, nos EUA. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Aviso: o que se seguirá apresenta alguns spoilers, não muitos, porque o objeto de interesse aqui é o perfil do anti-herói, não o enredo, os plots, a urdidura da trama.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Enxadrista do crime<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><b>The Blacklist </b>aborda as diversas faces do crime, todas as possibilidades de exploração e violência, o domínio do homem sobre o homem, as inúmeras astúcias e artimanhas do poder, aquele poder bem acima da miséria econômica, muito embora, a miséria humana apareça amiúde. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Talvez seja isso que encanta, além do encantamento natural de Raymond Reddington, ou Reddington, ou simplesmente Red, que encarna bem a máxima do sociólogo francês Pierre Bourdieu de que não existe ato desinteressado. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">A série é muito bem conduzida, os personagens coadjuvantes são incríveis, mas Reddington é o maestro, e se ele vai mal, a história claudica. É fascinante ver a atuação de Red, o anarquista das trevas, sarcástico e poderoso, Red, o homem do chapéu Fedora, o espião que foi excluído, o enxadrista do crime, </span>“<span style="font-family: inherit;">o fugitivo mais ardiloso da história do FBI</span>”.<span style="font-family: inherit;"> </span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Após desertar da CIA, Reddington, que havia sido um talentoso espião, passou para o outro lado do balcão de negócios. Começou a viver fugindo, e, durante quase trinta anos, dormiu entre hotéis de luxo e muquifos, além de pousar clandestinamente em igrejas e até em casas de pessoas que estavam viajando. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">É implacável com os inimigos. Num confronto, só os deixa vivos se tiverem algo que lhe interesse. Tem relações também com agentes do MI-6 (Secret Intelligence Service) britânico, e com o Mossad, polícia secreta israelense. Foi ele quem colocou a Samar, do Mossad, na força-tarefa do FBI, por exemplo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Caminhos que se bifurcam<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">A história toda começa assim: no primeiro dia de trabalho da psicóloga Elizabeth Keen (Megan Boone), no FBI, como perfiladora forense (analista de perfis de criminosos), Raymond Reddington, o procurado número 1 do mundo, se entrega ao FBI e diz que tem uma lista negra com os criminosos mais perigosos da face da Terra, que cometem crimes e permanecem fora do radar da CIA.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">No momento em que diz isso, um desses criminosos está agindo em território americano, o que ajuda Red a seguir com o plano. Ele então exige a presença de Keen, e diz que consegue ajudar a prender este e vários outros criminosos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Mas, para colaborar, ele também quer que o FBI não só o solte e lhe dê proteção como crie uma força-tarefa da qual Elizabeth Keen faça parte. O FBI aceita, e tudo se arma em favor de Red.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">A série é escrita e dirigida pelo americano Jon Bokenkamp (e colaboradores). A primeira temporada foi ao ar na NBC em 2013. Na sequência, todas as temporadas são sempre encaminhadas para o AXN e depois para a Netflix.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">A trama se desenvolve num espaço ficcional que se bifurca entre Washington e Nova York. Os personagens centrais pulam de Washington a Nova York como se estivessem separadas apenas por um rio, como se fossem Nova Jersey e Manhattan. Mas muitas cenas ocorrem mundo afora, em perseguições secretas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Terrível, poderoso e violento<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O que <b>The Blacklist </b>tem de mais soberbo, de mais incrível? Reddington, é claro. Não é só sobre ele que dá para falar. A série tem vários personagens muito bem construídos, como o próprio Mr. Kaplan, além de Dembe (Hisham Tawfiq), o braço direito de Red, e os membros da força-tarefa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Mas Red é o cara. Suas falas, sua erudição, sua genialidade, seu senso de humor criando um contraste com a frieza assassina incomparável, fazem dele um sujeito ímpar entre os anti-heróis. “É um homem muito mal, capaz de fazer coisas muito boas”, diz Liz, depois de anos de convívio com ele, entre conflitos e admiração.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O próprio Reddington se define com palavras parecidas: “Sou um homem violento, um homem terrível, poderoso e violento”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">No primeiro episódio da primeira temporada, ele já criva sua personalidade, cravando uma posição que jamais se alteraria, a de não mentir para Liz, sua obsessão afetiva, a quem ele quer proteger a qualquer custo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Sou um criminoso. Criminosos são mentirosos natos. Tudo sobre mim é uma mentira”, diz Red, num paradoxo instigante porque ele é isso mesmo, e mente sem mentir para Liz. Ao mesmo tempo, há uma humanidade nele que não é vista em nenhum outro, exceto em Liz (que pode ser sua filha), num vetor trocado, porque representa a lei.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Em um dos episódios, Red conta uma história para um homem que o havia traído, história que joga luz sobre a formação de seu caráter, ilumina o modo como encara o compromisso feito com alguém:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Quando eu tinha 15 anos, tive um emprego de verão, instalando carpetes para Albert Kodagolian, no Lake Charlevoix [Michigan – o que indica um possível local de nascimento do personagem]. Um trabalho horrível. Quente, dentro de casa, forçado a ouvir <b>The Gambler </b>[com Kenny Rogers] em fita cassete, enquanto o resto do mundo estava na praia”, diz Red.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Três dias trabalhando”, segue ele em sua narração, “eu já sabia que tinha de sair. Pedi conselho para meu pai. Tudo que ele queria saber era se eu tinha dado minha palavra para o senhor Kodagolian que eu iria trabalhar no verão. Falei que sim. Meu pai sugeriu que eu devia continuar. Eu dei minha palavra. As piores oito semanas da minha vida, até o último dia.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“O senhor Kodagolian apareceu no local do trabalho, me puxou de lado e me disse que, em 27 anos, nenhum garoto tinha ficado durante todo o verão. Ele me deu um bônus, US$ 40,00. O dinheiro mais valioso que já ganhei.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Foi uma lição inestimável sobre a vida. Valorize a lealdade acima de todo o resto”, diz Red a seu prisioneiro. Não precisa dizer que depois do sermão, Reddington, o bom de mira, acerta a cabeça do desgraçado e lhe encerra a vida.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Ele é fascinante por trazer essa violência e essa frieza junto à leveza dos gestos, à civilidade da fala, ao riso constante, a um rígido princípio ético (“valorize a lealdade acima de todo o resto”). Esse tipo de alma é de fato o mais cativante e o mais assustador. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">A erudição do pecador<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Adora contar histórias, adora artes e música, adora uma boa bebida (vinho Margaux é o seu preferido, para acompanhar um filé, mas há várias outras cenas com outros vinhos, sempre das melhores castas, acompanhados de pratos da haute cuisine, como Romanée-Conti, safra de 78) e uma boa comida. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Red está sempre se referindo a pratos exóticos que experimentou nos lugares mais inusitados. “Adoro linguiça e pimenta”, diz. Gosta de ovo frito e sanduíche de mortadela. Na sobremesa, aprecia baclava (leia-se baklavá), um tipo de pastel dos Balcãs, um dos pratos nacionais da Turquia, e torta de nozes pecãs. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Adoro frango frito”, diz ele. Não gosta de vinho branco, prefere o tinto. É a alma de Red sendo todas as coisas, para justificar o gênio que é. Adora Jazz, por exemplo, e entre os jazzistas, ama Chico Hamilton.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">É sedutor, possuidor de um senso de humor incrível, e tem sempre uma boa história para contar. É culto. Sua erudição oscila aos quatro pontos cardiais das citações, dos gregos aos contemporâneos, passando – e às vezes ficando, para saborear – por Shakespeare, Freud, Carl G. Jung, Edgar Allan Poe, Ursula K. Le Guin e Picasso.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Ao citar <b>Provérbios 21</b>, versículo 10, sobre a tese de Salomão de que “não há honra entre os ladrões”, ele diz: “Discordo. Alguns ladrões estiveram entre os homens mais notáveis que conheci.” E completa: “Um pecador também pode ser um santo.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Em outro episódio, Red faz a seguinte observação: “Não sou corajoso. Só pobres têm coragem. Porque eles não têm esperança. Viver na pobreza exige coragem”. Ele está citando Brecht (<b>Mãe Coragem</b>).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Numa cena no hospital, ao lado de Liz em recuperação de ferimentos de um atentado contra ela e Tom, Red lê o poema <b>Invictus</b>, do britânico William Ernest Henley (1849-1903). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: inherit;">Do fundo desta noite que persiste <o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: inherit;">A me envolver em breu - eterno e espesso,<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: inherit;">A qualquer deus - se algum acaso existe,<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: inherit;">Por mi’alma insubjugável agradeço.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: inherit;">Nas garras do destino e seus estragos,<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: inherit;">Sob os golpes que o acaso atira e acerta,<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: inherit;">Nunca me lamentei - e ainda trago<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: inherit;">Minha cabeça - embora em sangue - ereta.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: inherit;">Além deste oceano de lamúria,<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: inherit;">Somente o Horror das trevas se divisa; <o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: inherit;">Porém o tempo, a consumir-se em fúria,<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: inherit;">Não me amedronta, nem me martiriza.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: inherit;">Por ser estreita a senda - eu não declino,<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: inherit;">Nem por pesada a mão que o mundo espalma;<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: inherit;">Eu sou dono e senhor de meu destino;<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><i>Eu sou o comandante de minha alma.</i><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">(Tradução de <a href="http://www.casadacultura.org/Literatura/Poesia/g12_traducoes_do_ingles/invictus_henley_masini.html" target="_blank">André C S Masini</a>)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Sagazes observações<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Em algum momento de outro episódio, ele diz: “George Orwell escreveu: ‘Aqueles que repudiam a violência só podem fazer isso porque outros estão cometendo a violência em nome deles.’”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Em outro episódio, de pistola na mão, Reddington conversa com um bandido. “Freud levantou a hipótese de que tatuagens são mecanismos de defesa, maneiras de externar algum tipo de trauma interior. Então, me diga: que dor secreta você está escondendo embaixo desse exterior já bem confuso?”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">A certa altura, no meio da história de alguma temporada, faz mais uma de suas sagazes observações, desta vez para um tal de Ian Garvey, quando este pede a verdade sobre os ossos numa mala: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“A verdade é que estamos todos apegados a uma velha bola azul flutuando no mar de escuridão. Todo o resto, inclusive a verdade que você está procurando é um conto escrito por um idiota cheio de fúria que não significa nada.” Ele está citando Shakespeare.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Do voo pleno da literatura, Red faz uma rasante no vasto campo do cinema, da comédia, do cinismo, da maldade em meio ao cotidiano. No episódio 18 da Temporada 1, ele e Dembe estão com um sujeito amarrado em certo local. A Câmera primeiro capta a sala, o homem amarrado e o som das risadas, depois os dois, vendo na TV um episódio de <b>O Gordo e o Magro</b>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">A serpente na grama<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Repito, nos momentos mais tensos, Reddington é sorridente e bem-humorado, contando histórias engraçadas. Com essa mesma cara, essa mesma demonstração de inteligência e humor, é capaz de sacar a arma e atirar em alguém para matar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">E às vezes faz isso com sarcasmo. “Você não pode atirar em mim”, diz Diane Fowler (Jane Alexander), procuradora-geral assistente do FBI, chefe da Divisão Criminal do FBI que criou a força-tarefa comandada por Harold Cooper (Harry Lennix). Ela havia conspirado contra Red. “Por que não? Você não é uma das mocinhas”, diz Red, enquanto mete balaços no peito dela.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Em outro episódio, um terrorista biológico, de discurso messiânico, chamado Becker, constrói sua célula num local secreto no mato, e de lá envia pessoas infectadas para contaminar outras em pleno voo (no céu). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Reddington encontra Becker com uma mulher, no meio do mato. “Vocês dois aqui brincando de pique-esconde na floresta me faz pensar em algo bíblico”, diz ele. O homem então saca uma faca da cintura, “quem é você?”, pergunta. “Eu sou a serpente na grama”, responde Reddington, sacando uma pistola. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">As tiradas irônicas são inúmeras. Entre uma morte e outra, entre uma conspiração e uma trilha de escape, Reddington está sempre observando o mundo de um jeito corrosivo, cínico e bem-humorado. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Morri uma vez em Marrakesh, dois minutos e meio. Não vai acreditar no que eu vi do outro lado”, diz ele a alguém, no Episódio 5 da Temporada 1, e repete a mesma fala no Episódio 8 da Temporada 4, quando está sendo torturado por Kirk, demonstrando que não tem medo da morte.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Ao encontrar um médico cirurgião plástico, um criminoso, a rigor, que estava lixando as unhas dos pés, Red diz: “Não sei como consegue. Já fiz isso uma vez. Não aguentei a cosquinha”. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Certo membro do FBI, que estava sendo chantageado por Red, diz a ele: “Você sabe que acossar funcionário federal é crime, né?” E Red responde “vou acrescentar à lista.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Para um criminoso que está comendo um foie gras e lhe oferece, ele diz: “Acho difícil apreciar foie gras. Todos aqueles pobres gansos, os fígados dolorosamente inchados.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Ao descobrir que o FBI não consegue identificar um criminoso pela foto, Reddington diz: “O FBI anunciou que investiu US$ 1 bilhão em reconhecimento facial, e quando diz isso é porque gastou US$ 3 bilhões. Sinceramente, se eu pagasse impostos, estaria revoltado.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Verdade sombria<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Quase tudo que ele diz, quase tudo que faz, tudo que ele é, tem um tom de ironia e perversidade, em meio a uma nesga de verdade sombria, de uma verdade da qual não se pode escapar toda vez que se mergulha no significado das relações humanas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Mas, de vez em quando, para além das marcações de sua ética, de não matar inocentes, nem crianças, por exemplo, algumas de suas observações fazem surgir a parte ensolarada de seu ser, às vezes em gestos, mas às vezes em frases como a que se segue:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">No episódio 14, da Temporada 3, Red ajuda a força-tarefa a encontrar o paradeiro de uma mulher fanática que usa seu filho deficiente mental para matar uma série de crianças também com necessidades especiais. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Ao resolver o caso, Reddington se depara com o autor dos assassinatos. “Eu sou feio”, diz o rapaz. “A única pessoa feia aqui está na minha frente e não é você”, diz Red, olhando para a mãe do rapaz.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Ele conhece bem não apenas a si mesmo, mas a plasticidade humana para atitudes que pendulam tanto para o extremo mal quanto para o bem. “Ninguém consegue matar alguém a sangue frio e sair disso como se não fosse nada”, diz Reddington, em um dos episódios. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Matei uns homens. E não perdi nenhuma noite de sono por isso”, diz Elizabeth Keen a Red. “Vai perder. Num dia qualquer, vai perder”, retruca seu protetor, o homem mau que sabe das coisas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">O bem e o mal<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O roteiro de <b>The Blacklist </b>equilibra bem as forças sombrias com a luz da consciência moral. Entre os episódios que ilustram essa ideia estão os que colocam Dembe em destaque. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Num desses episódios, Red narra a história de Dembe. Seu pai era Samwel Zuma, da vila de Koidu, Serra Leoa, país africano, onde morava com a família. Um dia, foram todos mortos a mando do chefe da máfia local (Cartel Mombassa). Só Dembe sobreviveu, sendo levado pelos assassinos e vendido na cidade. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Dembe ficou oito anos entre bandidos no Quênia. Aos 14, foi encontrado por Reddington. Já era alto, mas era também como um velho, cheio de ódio, quase imprestável. Havia sido abandonado para morrer, marcado, queimado, acorrentado ao cano do porão de um prostíbulo em Nairóbi. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Red investiu em sua educação. Dembe foi para a faculdade e se formou em literatura inglesa. Aprendeu a falar fluentemente quatro línguas, além de se virar em mais outras seis. “Ele é esplêndido”, diz Red. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Vinte e nove anos depois, quando Red e Dembe ficam cara a cara com Geoff, o homem que havia mandado matar a família de Dembe, este diz que não vale mais a pena, depois de tanto tempo, matá-lo. “Você viu isso, Geoff! É isso que um homem bom faz. É isso que separam homens como ele de homens como você e eu”, e atira em Geoff. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Em um episódio bem mais adiante, o caráter de Dembe fica mais claro. Ele é mesmo o homem que prefere arranjar um jeito de neutralizar a morte, em vez de evocá-la. Esse episódio trata da contradição entre o bem e o mal. O bem vence, diz Dembe. O mal vence, diz Raymond Reddington.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Dembe está num caminhão prestes a morrer, tentando salvar um grupo de imigrantes. Se morresse, o mal teria vencido. Se sobrevivesse, o bem venceria. Sobreviveu. Mas sobreviveu por causa de Reddington, representante do mal. Os dois juntos equilibram as forças.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Um gênio que ama literatura<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Na segunda temporada, há uma cena em que Red fala de como seu ser está afundado na linguagem, razão pela qual sua inteligência submerge e emerge no tecido das convenções sociais, na malha da comunicação humana, e, como uma onda produzida por uma pedra na água, alcança a mais absconsa das intenções alheias. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">À caça de um artefato conhecido como Fulcro, recipiente de uma série de códigos que denunciavam os mais poderosos homens do mundo, incluindo o procurador-geral dos EUA (ministro da Suprema Corte americana), Red desconfia que Liz o havia encontrado. “Temos de conversar sobre o Fulcro”, diz ele para Liz. “Eu já falei que não sei nada sobre ele”, responde ela. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">E é aí que começa o comentário de Red que nos interessa. “Elizabeth, um dos motivos para eu ainda estar vivo é devido ao meu amor pela leitura, sejam as palavras em uma página, que revelam os pensamentos do autor, emoções, imaginação, ou então as pessoas em uma conversa. Ignoro o que estão dizendo, para apenas ler suas expressões, sua postura, seus gestos. Liz, você está mentindo.” Liz nega. Mas estava mentindo mesmo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Red acha os assassinos em série sujeitos sem imaginação, lamentavelmente previsíveis. Por isso não se interessa por eles. Quando Liz investigava um serial killer chamado o Caçador de Cervos, achando estar lidando com um homem, ele cravou, só pela descrição dos crimes, “é uma mulher”. E estava certo. Era um homem, no começo, mas sua mulher havia assumido o posto. No momento da investigação, era ela quem matava.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“O senhor Reddington é um gênio. Pode ser um gênio do mal, mas é um gênio”, diz outro personagem interessante de <b>Blacklist</b>, Aram Mojtabai, um sujeito dócil e assustado. Morre de medo de Red, mas o admira. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Aram é um gênio da informática, com doutorado em Harvard. Fã de <b>Stranger Things</b>, ele humaniza o ambiente carregado de assassinos, autoridades corrompidas e agentes durões, inflexíveis, destemidos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Ele é um traço cômico-dramático no meio da loucura toda. Um dia, ele aparece fumando maconha, dizendo que está estressado com a morte de Liz, e faz discurso emocionado, citando de Romeu e Julieta a coisas do cotidiano. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">No final da terceira temporada, Liz Keen morre, num plano forjado para escapar da vigilância permanente de Red, que tentava protegê-la a qualquer custo. Essa </span>vigilância permanente<span style="font-family: inherit;"> era uma das razões porque exigiu que ela fosse colocada na força-tarefa. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Quem ajudou a forjar a morte de Liz foi Mr. Kaplan. E é aí que entra o elemento fulcral nefasto de toda a trama, atravessando todos os arcos dramáticos da série, colocando-a num torvelinho de ações que a levariam à ruína, ao levar à ruina Raymond Reddington.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Mr. Kaplan, a ruína de Reddington<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Red fala de Mr. Kaplan desde os primeiros Episódios, mas sua identidade só é revelada no Episódio 10 da primeira Temporada, qual é a surpresa do espectador, ao ver uma senhorinha, franzina e delicada, com gestos céleres e compenetrados, que nunca altera o tom de sua voz suave, a senhora Kate Taylor, ou Kate Kaplan (personagem da incrível </span><span style="font-family: "times new roman"; font-size: 12pt;">Susan Blommaert).</span><br />
<span style="text-align: start;"></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Na primeira aparição, ela se desfaz dos corpos ao som de Maxime Nightingale, cantando <b>Right back where we started from</b>, num walkman. Mr. Kaplan é leal a Red. Não questiona suas ordens, não reclama da violência, das mortes, das decisões de Red. Só faz seu incansável trabalho de desaparecer corpos, com uma competência sem igual.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Um dia, Red é baleado, a mando da Conspiração (Cabala, organização secreta composta por líderes globais, membros do primeiro escalão de poder das principais potências do mundo), de Tom Connolly (Procurador-Geral). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O esconderijo onde Red estava sendo operado foi cercado pelo pessoal da Conspiração. Mr. Kaplan permaneceu ao lado do leito de Red com arma em punho dizendo “não vou te abandonar”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Ao descobrir que Mr. Kaplan o trai para proteger Liz Keen, Red não absorve o impacto da traição. Ele é implacável contra quem o trai, mais do que com seus inimigos, na mesma proporção que é leal com quem lhe concede lealdade. Coisa de gângster. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">A lealdade para Red é uma condição <i>sine qua non</i>. Mr. Kaplan havia forjado toda a trama por trás da falsa morte de Liz, a fuga para Cuba, e a nova vida que Liz teria com a filhinha e o marido. “A faxineira de repente acha que é estrategista”, diz Red.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Em Amarillo, Texas, Red dá um tiro na cabeça de Kate Kaplan, ao som de <b>If you could read my mind</b>, de Gordon Lightfoot (1970). O que ele não sabe é que ela sobrevive, é salva por um homem local que Red não sabia que morava ali. A área era uma reserva ambiental.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><b>I will survive</b><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">A partir desse dia, Red começa a ter seus negócios sabotados, e ele não sabe quem é o traidor. A quarta temporada é uma espécie de câmara de ressonância da trama toda, de todas as temporadas, com mais arcos abertos do que as anteriores. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Red e a força-tarefa veem suas ações serem antecipadas, e só depois descobrem estarem sendo espionados por um grupo de hackers chamados Thursts (a mando de Kirk, com a ajuda de Hitchin). Mas há também as ações de Mr. Kaplan, que se volta contra Red. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Raymond Reddington, o gênio do crime, começa a perceber que está perdendo centenas de milhões de dólares em transações sabotadas, de suas operações de lavagem de dinheiro. Muita água rola por debaixo da ponte até que ele descobre que quem está por trás dos ataques é sua Nêmesis, é Kate Kaplan.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Ao longo da quarta Temporada, eu, pessoalmente, como espectador e fã da série, torci para Kate acabar com Reddington, mesmo sabendo que isso não seria possível! <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Um dos episódios faz um flashback, mostrando ainda Kate Taylor criança se despedindo da mãe morta, num contraste de sua tristeza, sob música de fundo <b>I will survive </b>(Glória Gaynor), que sobe enquanto corta para os dias de hoje com Kate dirigindo uma picape puxando um trailer, agindo com seu plano para aniquilar Raymond Reddington. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Vários flashbacks marcam o episódio, que reconta o passado de Kate como babá de Masha (Liz). Isso explica por que ela traiu Reddington, para proteger Liz. Kate estudou medicina, e disse que gostava mais dos cadáveres do que dos vivos, e por isso ela era tão boa em desaparecer corpos e limpar a cena do crime, cargo que exerceu para Reddington por décadas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><b>I will survive </b>a persegue em outra voz, Cake (banda americana desde 1991). O flashback comanda novas cenas. Annie Kaplan conhece Kate num bar. As duas se apaixonam, se amam, se casam. As duas sofrem um atentado. Annie leva um tiro no peito; Kate, um tiro na cabeça. Annie morre. Kate sobrevive, e é operada, recebendo uma placa de titânio no crânio. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Isso explica porque ela usa o sobrenome Kaplan, tendo-o usurpado em homenagem ao amor da vida dela. Isso explica também porque sobreviveu ao segundo tiro na cabeça, disparado por Red. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Se você me colocar numa posição em que eu tenha de escolher o que é melhor para você e o que é melhor para ela, vou escolher Elizabeth sempre”, diz Kate a Red, quando este a convidou para trabalhar para ele como protetora de Liz. “Sim, e eu insisto nisso”, disse Red, num flashback revelador de como os dois se encontraram, de como Red protegia Liz desde pequenininha.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Kate andou ocupada<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Quando Kate fala com Red ao telefone, ela diz que vai acabar com o império dele. E ele então diz algo extraordinário:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Você conhece o mestre James de Saint George, arquiteto favorito de Eduardo I? Construção concêntrica. Literalmente construía castelos dentro de castelos, impossível de invadir. Você conseguiria passar pelo muro externo só para encontrar uma torre fortemente protegida e portões, e então um muro interno mais alto formado de arcos.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Coitado do pobre soldado que chegou até ali. A arquitetura da minha organização foi construída pedra por pedra ao longo de décadas. Não pode entrar para me ferir, Kate”, diz Red, calmamente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Mas Kate Kaplan também sabe o que está fazendo, e responde: “Você esqueceu que eu estava ao seu lago o tempo todo. Sei o que foi preciso para acumular o seu poder. Quem você feriu. Quem você traiu. Quem você matou. E o mais importante, como sua faxineira, sei onde os corpos estão, ou melhor, estavam, querido, e vou usá-los, e as histórias que eles contam, para acabar de vez com você.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Sabe o que Red responde? “Andou ocupada”, com a mesma calma de sempre. E aí, Red segue perdendo seus negócios, um por um, com a investida de Kate Kaplan. Ela faz um estrago no mundo de Red, em ambas as frentes, negócios e força-tarefa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Ele sente o golpe. “Passei 30 anos montando uma rede de informações com espiões, informantes, patriotas, traidores. Usei isso para construir um império que existe por apenas dois motivos, para me manter livre e você segura”, diz Red para Liz, a bordo da terceira classe de um navio.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Contra o Estado ninguém pode<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Ferido, acuado como uma fera no meio da selva, lugar onde conhece todas as brechas, Red faz mais uma observação brilhante. “Descobri com minha experiência que as pessoas raramente mudam. E quando mudam, não podemos confiar nelas.” <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">No finalzinho da quarta temporada, em que <b>The Blacklist </b>deveria ter acabado, você ganha uma lição, como prêmio por ter seguido essa trama incrível até aqui. Você torce para que Kate Kaplan acabe com Red, pela implacabilidade dele, pela violência e frieza dele de atirar na cabeça da mulher que dedicou sua via a ele.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Mas, para obter sucesso, ela precisa ser implacável também, igual a ele, como arrancar o olho de um homem só para acessar uma seção de arquivos secretos do FBI. E aí você percebe a inexorabilidade da violência e da vingança.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Kate é tão violenta quanto Red, tão inteligente quanto Red, tão obsessiva quanto Red, tão macabra, fria, calculista, genial quanto Red. Mas não dispõe do arsenal de Red, nem de seu acervo de astúcia e estratégias. Kate Kaplan não tem o FBI a seu dispor, cheio de falhas, oportunista, mas do lado da lei, por mais arbitrária que seja a lei. É o poder do Estado, contra o qual ninguém pode.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">No final desta Temporada, Kate Kaplan é encurralada numa ponte, com Red apontando uma arma para ela. Em ambos os lados da ponte, há vários policiais armados.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Ao som de <b>Drowning</b>, de Kevin Morby, Kate Kaplan diz suas últimas palavras: “Eu te amei, Reddington”, e se joga da ponte. Seu corpo boia lá embaixo, enquanto a música sobe acompanhando a sequência de cenas que puxarão os créditos.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Os demais personagens</span></b></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-EHrDTQVdcQY/XRU_mVRWkII/AAAAAAAAGbY/GWFDCCDTso4Y3tSmqIZ6-ClOTwwqw1B0gCLcBGAs/s1600/the-blacklist-4-quarta-temporada-netflix-destaque.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><span style="font-family: inherit;"><img border="0" data-original-height="720" data-original-width="1280" height="360" src="https://1.bp.blogspot.com/-EHrDTQVdcQY/XRU_mVRWkII/AAAAAAAAGbY/GWFDCCDTso4Y3tSmqIZ6-ClOTwwqw1B0gCLcBGAs/s640/the-blacklist-4-quarta-temporada-netflix-destaque.jpg" width="640" /></span></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: inherit;"><span style="text-align: start;"><span style="font-size: x-small;">Parte do elenco: Dembe (Hisham Tawfiq), Donald Ressler (Diego Klattenhoff), Elizabeth Keen (Megan Boone), Raymond Reddington (James Spader), Tom Keen (Ryan Eggold), Harold Cooper (Harry Lennix) e Samar Marnó (Mozhan Marnò)</span></span><span style="font-size: small;"><span style="text-align: start;"></span></span></span></td></tr>
</tbody></table>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Além de Elizabeth Keen, os profissionais que compõem a força-tarefa são Harold Cooper (Harry Lennix), o chefe, Donald Ressler (Diego Klattenhoff), Aram Mojtabai (Amir Arison), Meera (Parminder Nagra), que morreu ainda na primeira temporada, e Samar Marnó (Mozhan Marnò), que veio da Mossad, para ocupar o lugar de Meera, que fora assassinada por Red por ter traído a força-tarefa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Do lado de Red, os personagens fixos são Mr. Kaplan (Susan Blommaert), Dembe (Hisham Tawfiq), além de coadjuvantes menores, como Glen Carter (Clark Middleton), o rastreador digital de Red, uma figura sensacional e muito engraçada, o único que prega peças no Red, ri da cara dele, reclama o tempo inteiro e fica por isso mesmo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Há também Tom Keen (Ryan Eggold), personagem fulcral nas primeiras temporadas, por fazer par romântico e antagônico com Liz Keen, além de uma série de figuras que aparecem como vítimas, oficiais do governo, criminosos e aliados de Red.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">James Spader é um ator sensacional, que se deu muito bem nesse universo de séries de TV. Já ganhou o Emmy três vezes, mas não por <b>The Blacklist</b>. Foi por <b>The Practice</b>, 2004, e <b>Boston Legal</b>, 2005 e 2007. No cinema, venceu Cannes em 1989 por <b>Sex, Lies, and Videotape</b>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Reddington enfraquecido<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Coletivamente, a primeira e a quarta temporadas de <b>The Blacklist </b>são as melhores. E, sinceramente, acho que deveria ter acabado assim. Na quinta Temporada, Red aparece roubando carros para sobreviver, pegando pequenos casos de detetives para faturar uma grana e pagar o aluguel do quarto de motel onde mora. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Um dos arcos dessa temporada mostra Red lutando para reconstruir seu império. Ele está soturno, mais calado, com menos risadas e menos histórias para contar. É uma Temporada mais sombria e sem alma, mais lenta, diferente. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">E segue assim, com Reddington enfraquecido. Tudo que acontece parece ser apenas uma tentativa de recolocá-lo na linha de tramas que o fizeram ser o sucesso que é. Ou seja, tudo que existe a partir daí é uma espécie de procura do arco perdido. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">..</span><span style="font-family: "cambria";">.</span></div>
Gilberto G. Pereirahttp://www.blogger.com/profile/03818881816267946333noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-8535957269302774511.post-136023467325204972019-06-16T18:58:00.001-03:002020-06-21T05:45:45.159-03:00O suicídio de Mishima<div class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: left;">
<span style="font-size: x-small;">“O caminho do samurai é a morte” (Hagakure)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="font-family: Cambria; margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: left;">
<br /></div>
<span style="font-family: "cambria";"><span style="font-size: x-small;">“Vou cometer haraquiri/ Mesmo sabendo que nesse momento você ri”(A Banda Mais Bonita da Cidade)</span></span><br />
<br />
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: "cambria"; text-align: start;"><span style="font-size: x-small;"> Foto: Elliott Erwitt/Magnum Photos</span></span><span style="text-align: start;"></span></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-soa-I6C-VQs/XQa57beAffI/AAAAAAAAGYc/vfhSH7R66n8qrOq9dLCYskLgRp1VyJVFgCLcBGAs/s1600/Nathan_1-052319.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="1058" data-original-width="1600" height="422" src="https://1.bp.blogspot.com/-soa-I6C-VQs/XQa57beAffI/AAAAAAAAGYc/vfhSH7R66n8qrOq9dLCYskLgRp1VyJVFgCLcBGAs/s640/Nathan_1-052319.jpg" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: "cambria"; text-align: start;"><span style="font-size: x-small;">Yukio Mishima (1925-1970): uma morte ímpar, cometida por razões ímpares, </span></span><span style="font-family: "cambria"; font-size: x-small; text-align: start;">dizem os fãs, condenando o gesto, mas aplaudindo a bravura</span></td></tr>
</tbody></table>
<br />
<span style="text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;">O suicídio é tabu em todos as culturas, inclusive na japonesa que, bem antes dos homens-bomba muçulmanos, expressou sua vontade de morrer num ritual de guerra espetacular, na figura dos kamikaze, na Segunda Guerra Mundial. </span></span><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Kami, em japonês, é deus, e kaze, vento. Logo, a morte dos homens que se encapsulavam num avião de guerra – carregado de bomba, voando direto ao alvo até tudo explodir – era o resultado de um “sopro divino”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Não era a morte em si que interessava a esses bravos homens. A morte em si era apenas uma consequência da beleza do gesto, do sopro de deus que os empurrava até seu destino inexorável.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Encarar a morte como elemento estético não é para qualquer um. Mas a cultura antiga dos japoneses já estava acostumada com esse espírito, acima de tudo, corajoso, esse espírito invencível, ao mesmo tempo elástico e inquebrável, porque nem a morte os vencia. A morte era só uma passagem, só mais uma etapa do truque da vida. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">No caso dos samurais, a morte, segundo o próprio <b>Hagakure</b>, o segundo código ético dos guerreiros que mais valorizaram a beleza como elemento essencial da existência (o primeiro é o <b>Bushido</b>), era apenas o caminho por meio do qual realizavam a própria vida. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Um dia, esse caminho chegava ao fim, que poderia ser uma planície (metáforas minhas) – morte na velhice, talvez, uma trajetória longa e enfadonha –, uma montanha, luta malograda, o ápice, ou um precipício, que seria o famigerado seppuku, que no Ocidente ficou conhecido por meio de outra palavra japonesa, haraquiri, ritual sublime, espantoso, que há muito tempo é condenado pelos códigos morais do Japão moderno. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Os samurais eram homens cultos, sensíveis. Um dos grandes samurais da história japonesa, Matsuo Bashô criou a forma poética por excelência do Japão, o hai-kai. Mas não se arredavam da morte. Não se curvavam, não se acovardavam. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Sinceridade nas vísceras<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Na cultura dos samurais, o haraquiri é cometido para reparar uma falta grave diante do seu senhor, seu mestre, o xogum, ou da própria sociedade. Todo samurai vivia como defensor das terras do xogum (donos de terra, que mantinham servos para cultivá-la e samurais para defendê-la).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Se houvesse algum desentendimento, e o samurai, em vez de se matar, resolvesse sair fora, ele se tornava um ronin. Mas a maioria preferia a morte. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O escritor japonês Yukio Mishima costumava contar a história de que o maior valor do samurai era a sinceridade, que estava nas vísceras. Quando cometia algo vergonhoso diante do seu senhor, o samurai pedia perdão. Para demonstrar que seu pedido de perdão era sincero, rasgava o ventre no ritual de haraquiri.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Para quem quer entender melhor esse jogo espiritual, há um filme japonês chamado justamente <b>Haraquiri </b>(Seppuku, em japonês), de 1962, que teve um remake homônimo em português, em 2011, mas que em japonês se chama <b>Ichimei</b>. O filme retrata a contradição entre a velha cultura japonesa e a nova, tendo a prática do haraquiri como fulcro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Mishima se gabava de ter uma alma clássica japonesa, embora amasse também a arte ocidental, mas não a política. Ele nasceu em 1925, em Tokyo, e, portanto, testemunhou a ascensão e a derrocada do Japão imperial do século XX.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Ele viu o belicoso Estado japonês, que chegou a dominar a China e a Coreia, ser trucidado pelas forças armadas americanas, no final da segunda Guerra Mundial, com o lançamento das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Ele cresceu com essa espécie de angústia lhe cravando a alma. Mishima tem romances belíssimos. Era um criador de metáforas sublimes, como no <b>Templo do pavilhão dourado</b>, que narra a história de um jovem desajustado que quando garotinho presenciou a mãe transando com o amante ao lado do leito de morte do pai. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Esse rapaz não assimilou bem o baque, e mais tarde desenvolveu um senso estético que beirava a loucura, apaixonando-se apenas pelas coisas estranhas, feias, fora do padrão, mas tomou gosto pela beleza do Pavilhão Dourado (construído em 1397), em Kyoto, que existe até hoje, mas que de fato fora queimado várias vezes, e a última delas por um monge que inspirou Mishima.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Contra o artigo 9º da Constituição <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O presente texto tem como objetivo apenas descrever a cena da morte de Mishima, e não exatamente falar de sua obra que tem uma riqueza digna de um texto separado. Ele era um suicida esteta, que levava a sério a ideia dos samurais sobre rasgar o ventre para demonstrar sua sinceridade.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Quando o Japão criou sua nova Constituição em 1946, entrando em vigor em 1947, Mishima tinha 22 anos de idade. Desde aquela época, ele não se conformava com o fato de o artigo 9º ser um ato de submissão japonesa ao império americano, dizendo que abdicava de forças armadas ofensivas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">É por aí que a biografia de Mishima vai se embrenhando até sua morte. Era um nacionalista exaltado, um orador inflamado. Inteligente, e dono de uma verve literária ímpar, foi algumas vezes candidato bem cotado para o Nobel de Literatura. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Em 1968, Yasunari Kawabata (1899-1972), a quem Mishima admirava, ganhou o Nobel, e Mishima entendeu que dificilmente seria laureado. A partir daí, aumentou sua onda de protesto contra a Constituição Japonesa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O fascínio dos autores japoneses pela morte é algo fora da curva. Muitos se mataram ou escreveram sobre suicídio. Kawabata, por exemplo, se mataria em 1972. Mas antes, em 1970, Mishima se matou, fazendo de seu suicídio uma ficção levada ao grau máximo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Foi um gesto para mostrar sua sinceridade sobre o artigo 9º da Constituição japonesa, que submetia a nação nipônica aos EUA. A história é contada na biografia <b>A vida e a morte de Mishima</b>, do jornalista britânico Henry Scott Stokes.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Mishima tinha uma milícia de estudantes (permitida no Japão da época), e escolheu três de seus melhores integrantes para auxiliá-lo no espetáculo macabro que se desenrolaria no gabinete do chefe do Estado-Maior do Japão (que fora rendido), com toda a imprensa convocada, lá fora. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Há documentários, filmes e vídeo com cenas reais do caso no Youtube, para quem possa se interessar. Após cometer haraquiri, Mishima teria de ter a cabeça decepada, conforme pedia o protocolo do ritual, para que não ficasse em agonia até morrer.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Segue o que se narra<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“O escritor (Mishima) desceu o pequeno lance de degraus, coberto por tapete vermelho, que dava acesso à sala do general.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">- Eles não conseguiram escutar direito o que eu disse – comentou com os estudantes.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Morita entrou na sala atrás dele.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Mishima começou a abrir os botões da túnica. Estava num canto da sala, perto da porta do gabinete do chefe do Estado Maior, de onde não podia ser visto, através dos vidros quebrados, pelos homens no corredor.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Já tinham tirado a mordaça da boca do general. Ficou olhando enquanto Mishima despia a túnica, mostrando o torso nu – não usava nem camiseta.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">- Pare! – exclamou Mashita. – Não vai adiantar nada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">- Me comprometi a fazer isso – retrucou Mishima. – O senhor não deve seguir meu exemplo. A responsabilidade não é sua.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">- Pare!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Mishima não atendeu o pedido. Desamarrou os coturnos, jogando-os longe. Morita se aproximou e pegou o sabre.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">- Pare!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Mishima tirou o relógio do pulso e entregou-o ao estudante. Ajoelhou-se no tapete vermelho, a uns dois metros da cadeira de Mashita. Abriu a braguilha e afrouxou a calça. A fundoshi (tanga) branca que usava por baixo ficou visível. Já estava quase nu. O peito pequeno, possante, ofegava.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Morita tomou posição atrás dele, de sabre em punho.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Mishima segurava um yoroidoshi, punhal pontiagudo, de lâmina reta e uns trinta centímetros de comprimento, na mão direita.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Ogawa se adiantou com um mohitsu (pincel) e uma folha de papel. Mishima tinha planejado escrever uma última mensagem com seu próprio sangue.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">- Não. Eu não preciso disso – disse o escritor.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Com a mão canhota, esfregou a parte inferior esquerda do ventre. Naquele ponto, fincou o punhal que tinha na mão direita.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Morita levantou o sabre bem alto, de olhos fixos na nuca de Mishima. A testa do estudante estava coberta de suor. A ponta do sabre tremia, as mãos haviam perdido a firmeza.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Mishima gritou uma última saudação ao imperador.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">- Tenno Heika Banzai! Tenno Heika Banzai! Tenno Heika Banzai!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Encolheu os ombros e expeliu o ar contido no peito. Os músculos das costas se distenderam. Aí, então, tornou a encher os pulmões, ao máximo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">- Haa... au!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Mishima soltou todo o ar que tinha no corpo, dando um último grito selvagem.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Fincou o punhal com toda a força na boca do estômago. Depois desse golpe violento, o rosto empalideceu e a mão direita começou a tremer. Mishima arqueou as costas, iniciando o corte horizontal, de um lado a outro. À medida que cravava o punhal, o corpo tentava rejeitar a lâmina; a mão que executava o trabalho sacudia de maneira impressionante. Procurou ajudar com a canhota, fazendo o máximo de pressão possível sobre o lado direito. O punhal permaneceu no talho e ele continuou a cortar em forma de cruz. O sangue jorrava da ferida, escorrendo ventre abaixo, caindo no colo, manchando a fundoshi de vermelho vivo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Com derradeiro esforço, Mishima completou o corte transversal, de cabeça baixa e nuca exposta.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Morita se aprontou para atacar com o sabre e degolar a cabeça do líder.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">- Não me deixe ficar muito tempo em agonia – tinha pedido Mishima.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O estudante cerrou os pulsos no cabo do sabre. Enquanto olhava, Mishima caiu de bruços no tapete vermelho.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Morita aplicou a lâmina com toda a força. Tarde demais. O impacto do golpe foi grande, mas o sabre estalou contra o tapete vermelho no lado oposto de Mishima, que recebeu um corte profundo nas costas e nos ombros.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">- De novo! – gritaram os outros dois estudantes.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Mishima, caído no tapete, gemia, asfixiado pelo próprio sangue e se retorcendo de ambos os lados. Os intestinos lhe escorriam da barriga aberta.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Morita tornou a aplicar o sabre. Errou, mais uma vez, a pontaria. Acertou no corpo, e não no pescoço de Mishima. O ferimento foi terrível.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">- Tentou de novo!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O estudante quase não tinha mais força nas mãos. Ergueu pela terceira vez o sabre cintilante e golpeou com violência total a cabeça e a nuca de Mishima. Quase lhe decepou o pescoço. A Nuca pendeu, enviesada, contra o corpo; o sangue jorrava sem parar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Fuku-Koga se aproximou. Tinha experiência de kendô, a esgrima japonesa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">- Me dá esse sabre! – pediu.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Com uma única cutilada, separou a cabeça do corpo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Os estudantes se ajoelharam.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">- Rezem por ele – disse Mashita, curvando a cabeça da melhor maneira que lhe era possível.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Em silêncio, os três rapazes rezaram uma oração budista.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O único ruído que se ouvia na sala provinha dos soluços dos estudantes. Lágrimas lhes escorriam pelo rosto. O cadáver começou a borbulhar: o sangue, que afluía pelo pescoço, se espalhava pelo tapete vermelho.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">A sala se encheu de fedor de carne viva. As vísceras de Mishima tinham se esparramado pelo chão.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: inherit;">...</span>Gilberto G. Pereirahttp://www.blogger.com/profile/03818881816267946333noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8535957269302774511.post-6822868537704546892019-06-09T12:13:00.000-03:002019-06-09T13:13:24.900-03:00História social do jazz, um livro formidável de Hobsbawm<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-yuTrXs0QkQ8/XP0hENFbX2I/AAAAAAAAGW8/m-4rEVIhl1kFgZEvCWNdH6ZFZo53ljfIACLcBGAs/s1600/DSCN0275%2B%25281%2529.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1600" data-original-width="1115" height="640" src="https://1.bp.blogspot.com/-yuTrXs0QkQ8/XP0hENFbX2I/AAAAAAAAGW8/m-4rEVIhl1kFgZEvCWNdH6ZFZo53ljfIACLcBGAs/s640/DSCN0275%2B%25281%2529.jpg" width="444" /></a></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Todo apreciador de música deve ter em casa um exemplar de <b>História social do jazz</b>, do historiador britânico Eric Hobsbawm (1917-2012). É um livro formidável. Publicado originalmente em 1961, não é a grande fonte histórica do gênero (nunca teve essa pretensão), mas é um clássico sobre como se cultiva o jazz desde sua criação.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">As tiradas analíticas feitas por um apaixonado pelo assunto, e grande conhecedor da conjuntura que fez nascer um dos gêneros mais instigantes do século XX, ainda são o diferencial deste livro, que no Brasil só seria traduzido 25 anos depois, em 1986. Mas em 1989, já estava na terceira edição no mercado editorial tupiniquim. Em 2011, a Paz e Terra lançou a 6ª edição, com prefácio de Luís Fernando Verissimo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Mais conhecido pela série histórica sobre as grandes revoluções que deram ao Ocidente a hegemonia política e econômica do mundo (as eras das revoluções, do capital, dos impérios e dos extremos), Hobsbawm escreveu <b>História social do jazz </b>como um hobby. E sua leitura deve ser feita assim também, como quem ouve música. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Aliás, agora dá para fazer isso, sem problema. Praticamente tudo sobre o qual fala Hobsbawm neste livro está no Youtube. O leitor pode ir lendo enquanto vai curtindo as vozes originais dos astros e das grandes divas do jazz desde a década de 1920. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Uma das primeiras estrelas do gênero é Bessie Smith, que o autor definiu como “mulher grande, bela, rouca, bêbada e infinitamente triste.” Hobsbawm também cita um guitarrista que trabalhou com Bessie, que disse: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Você nem mexia a cabeça enquanto ela estivesse se apresentando. Ficava só olhando para Bessie. Não se liam jornais em nightclub onde ela se apresentasse. Ela só deixava você triste.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Comoventes, deliciosos ou interessantes<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">A lista de grandes artistas do jazz é imensa, e uma das características do livro é justamente “guiar o leitor através do labirinto de estilos orquestrais e instrumentais de jazz”, seguindo o curso desse rio caudaloso de nomes como Lester Young, Ethel Waters, Billie Holliday, Ella Fitzgerald, Sara Vaughan, Duke Ellington (1899-1974, “o talento mais importante produzido pelo jazz até hoje”).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">São muitos nomes. Entre os talentos mais admirados do jazz, há também Charlie Parker (1920-1955), “o Rimbaud do jazz moderno”, Count Baise (1904-1984), Chico Hamilton, Thelonius Monk, Oscar Peterson e Miles Davis. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Para quem está começando a apreciar o jazz, este livro é ainda mais precioso, porque seu objetivo, segundo o autor, é esse mesmo: “Ajudar o principiante a se localizar, mencionando alguns discos mais característicos, vistos pelos entusiastas de um ou outro estilo como comoventes, deliciosos ou interessantes.” Neste caso, é só seguir as dicas, jogar no Youtube e ir ouvindo os caras. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O jazz são tantas coisas. No fluxo das palavras que desenham a inventividade vocal e instrumental do jazz, há também espaço para sua base, o blues. “O blues não é um estilo ou uma fase do jazz, mas um substrato permanente de todos os estilos”, observa o autor. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">E aí, ele cria uma analogia perfeita para falar dessa base. “O blues está para o jazz como a terra estava para Anteu, do mito grego.” Anteu é um personagem mitológico grego, filho de Geia, um gigante que bastava entrar em contato com a mãe terra para recuperar suas forças. O jazz, de igual modo, quando está definhando, volta ao blues e suga novas energias.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Linhas de influência<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Apesar dessa relação íntima e dependente com o blues, a construção estética do jazz não é feita apenas da música negra. Com data de surgimento fixada em 1900, o jazz tem várias outras tradições inseridas no bojo de sua criação. Uma espécie de protojazz, por exemplo, já era ouvida nas últimas décadas do século XIX, o ragtime, tocado por solistas de piano, ainda num estilo musical europeu.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“O jazz surgiu no ponto de intersecção de três tradições culturais europeias: a espanhola, a francesa e a anglo-saxã. Cada uma delas produziu um tipo de fusão musical afro-americana característica: a latino-americana, a caribenha e a francesa (como a da Martinica), e várias formas de música afro-anglo-saxã, das quais, para as nossas finalidades, as mais importantes são as canções gospel e os country blues”, diz Hobsbawm.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Um entendimento dessa fusão se faz melhor quando olhamos para New Orleans como o berço das bandas de jazz, justamente a cidade americana que possui a maior tradição de carnaval, festa móvel do calendário cristão europeu, todos atolados na areia movediça do blues. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">E assim, o autor vai descrevendo as linhas de influência do jazz, chegando inclusive ao rock, como influenciador, a partir da década de 1960. Segundo Hobsbawm, “por três motivos, o rock iria influenciar o jazz.” O primeiro é o ambiente, a atitude do estilo que nascia também a partir do blues. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O segundo motivo era o fato de o rock não se importar em aprender fazendo. A partir disso, os jazzistas, que também eram autodidatas, foram mergulhando na música e nas fusões com mais liberdade. A terceira razão era o fator da inovação, que no rock era patente. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Na questão das bandas, por exemplo, os roqueiros podiam criar sons, experimentar batidas com os vários instrumentos, e o jazz foi emulando isso, a ponto de sua identidade se tornar exatamente essa capacidade de improvisar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Com o exercício da improvisação, os jazzistas mudaram o rumo da música. Para se diferenciarem do jeito de tocar dos brancos, aprenderam a “tocar trompete com a fluidez de um saxofone, um trombone com o esplendor e a rapidez de um trompete, fazer a bateria ‘tocar música’ além de acompanhar o ritmo.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Mas assimilavam tudo. Até Os Beatles, cujos integrantes eram fãs de blues, foram inspiração para os jazzistas, diz Hobsbawm. “Arranjos sofisticados de rock, como <b>Sergeant Pepper</b>, álbum dos Beatles de 1967, que foi rotulado – não sem razão – de ‘rock sinfônico’, não podiam deixar de dar aos músicos de jazz algumas ideias.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">E por aí, vai. Mas, afinal, o que é o jazz? “Não existe uma definição precisa ou adequada de jazz, a não ser em termos muito genéricos ou não musicais”, diz o autor. Bem sabemos que hoje, em tantos festivais de jazz pelo mundo, há uma profusão de estilos e linguagens musicais que se encaixam perfeitamente nesse gênero. Ou seja, é uma espécie de caos organizado, de festa, de originalidade e improvisação.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Linhas gerais<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Por outro lado, há sempre um modo de descrevê-lo. Há linhas gerais que nos colocam no cerne do gênero, que nos fazem sentir se é jazz ou não, toda vez que ouvimos uma música. Se não há “linhas divisórias precisas”, diz Hobsbawm, o jazz ao menos pode nos dizer o que é em cinco características:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">-1 “Uso de escalas originárias da África Ocidental (influência do blues), não comumente usada na música erudita europeia”, mas com peculiaridades decorrentes também “da mistura de escalas ditas europeias e africanas”. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Em todo caso, é a escala blue (terceira e sétima abemoladas) a expressão mais conhecida do jazz. Falar mais que isso é entrar em linguagem técnica demais.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">-2 “O jazz se apoia grandemente, e talvez de maneira fundamental, em outro elemento africano: o ritmo. (...) O ritmo é essencial para o jazz: é o elemento da organização da música”, diz Hobsbawm. Neste sentido, o gênero se aproxima da poesia, cujo elemento dominante é o ritmo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">-3 “O jazz emprega cores instrumentais e vocais próprias. Essas cores derivam, em parte, do uso de instrumentos incomuns em música erudita”, observa o autor.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">-4 “As duas formas principais usadas pelo jazz são o blues e a balada, a música popular típica, adaptada da música comercial comum.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">-5 E por fim, diz Hobsbawm, “o jazz é uma música de executantes. Tudo nele está subordinado à individualidade dos músicos.” Daí, a incrível capacidade de improviso, os movimentos desconcertantes que surgem da bateria, dos instrumentos de sopro ou do piano. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Quando ouvimos John Coltrane, por exemplo, em <b>Blue train</b>, sentimos um balanço que vai se aproximando com certa quentura, e eis que de repente, as notas vão se multiplicando e variando no espaço. E tudo é festa. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“O efeito mais poderoso do jazz”, argumenta o autor, “está na comunicação da emoção humana de forma intensificada.” Por isso, músicos o adoram, porque fomenta em suas almas uma vontade de fazer música, e assim sentem vontade de instigar na alma dos outros uma emoção semelhante, mesmo que em outro estilo, em outro ritmo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><b>História social do jazz</b>é mais que um tratado musical, é um farol que ilumina a cultura. A parte social dessa história é interessante porque vemos o jazz nascer nas camadas mais pobres e menos erudita da sociedade. E por isso sofreu preconceito, como sofreu o samba, no Brasil, como sofre o funk, no Brasil. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Traço inferior do gosto humano<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Quando o jazz começou a tomar forma e a encantar as pessoas nas cidades americanas, era tido como ritmo da indecência, da imoralidade. “Os moralistas, é claro, declararam-lhe guerra imediatamente.” Hobsbawm cita o trecho de um editorial venenoso contra o jazz do jornal Times-Picayune, de New Orleans, publicado em 1918, que começa assim:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">“Por que então a música de jass e a banda de jass? Pergunte-se, igualmente, o porquê da novela barata ou do doughnut engordurado. São todas manifestações de um traço inferior do gosto humano, que ainda não foi consertado pelo processo civilizatório.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">A palavra jazz passou a se referir como gênero musical justamente por causa do preconceito, do racismo. Guardadas as devidas proporções, de etimologia e de semântica, ocorreu mais ou menos como ocorre, até hoje, com a palavra gafieira (termo usado para um tipo de forró que se dança com o par agarradinho, roçando as pernas um no outro, nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste do Brasil).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Jazz (jass, ou jaz), portanto, segundo Hobsbawm, “era um termo de gíria africana para a relação sexual”, que “passou a ser usado como um rótulo genérico para a nova música de dança.” O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa também registra esta mesma acepção. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">No romance <b><a href="https://leiturasdogiba.blogspot.com/2018/06/a-musica-como-metafora-do-sexo-e-da.html" target="_blank">Jazz</a></b>, de Toni Morrison, a descrição do gênero é de uma música e uma dança sensuais demais, subversivas ao extremo que faziam as pessoas temerem e amarem sua verve, ao mesmo tempo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">No romance, a narradora vai descrevendo o caráter mágico e atraente do jazz, que faz as mulheres se sentirem hipnotizadas na dança com seus pares, e diz: “Elas acham que eles sabem antes da música o que suas mãos e pés têm de fazer, mas essa ilusão é o impulso secreto da música.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Apesar de ter conquistado ambientes diversos e sofisticados, o jazz é arte popular. E, como diz Hobsbawm, “a arte popular é mito e sonho, mas também é protesto, pois o comum das pessoas tem sempre alguma razão para protestar.” <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Talvez por isso “o mundo do jazz era, e ainda é, até certo ponto uma rebelião contra os valores da cultura de minoria.” Esta observação foi feita, obviamente, entre 1959 e 1961, mas, de certo modo, ainda vale para hoje, embora o ritmo genuíno de protesto hoje seja o rap. Talvez o jazz seja ouvido como guia revolucionário da subjetividade, algo como modificador da alma.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: inherit;">Vida cheia de livros e de música<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Segundo Hobsbawn, o jazz passou por uma série de evoluções, e de modo muito veloz. Em questão de décadas, ele saiu do gosto médio de um grupo social marginalizado, como os negros americanos, para uma seara de elite intelectual em todo o mundo, o jazz moderno. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Apesar dessas mudanças, algo na essência do jazz permaneceu como característica ímpar, que é sua verve de protesto, seu ânimo de inquietação. “O jazz moderno não é tocado apenas por divertimento, por dinheiro, ou por requinte técnico: também é tocado como um manifesto – seja de revolta contra o capitalismo e a cultura comercial, seja de igualdade do negro ou qualquer outra coisa”, diz Hobsbawm.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><b>História social do jazz</b>nos dá a oportunidade de refletir e de aprender sobre os cruzamentos de culturas. Muito mais coisas são faladas neste livro, como a relação do jazz com as outras artes (a literatura e o cinema, por exemplo), ou a indústria do jazz, a formação do público, o uso dos instrumentos, e o surgimento dos grandes nomes. É um deleite para quem se encontra no torvelinho da vida cheia de livros e de música.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<span style="font-family: inherit; font-size: 12pt;">...</span><br />
<br />Gilberto G. Pereirahttp://www.blogger.com/profile/03818881816267946333noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8535957269302774511.post-7916846879788667322019-06-02T19:24:00.000-03:002019-06-02T19:24:12.095-03:00Sem imaginação, não se pode transformar o mundo<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Cambria; font-size: 12pt;"> </span><span style="font-family: Cambria;"><span style="font-size: x-small;">Foto: abcsofliteracy.com</span></span><span id="goog_472238139"></span></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-9gfOJcjybrw/XPRLSAp_oDI/AAAAAAAAGVc/LBguY7Uoq8Ils45P3O2pDwLmSoboMXE6QCLcBGAs/s1600/PreReadingSkills1.png" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="1600" data-original-width="1600" height="640" src="https://1.bp.blogspot.com/-9gfOJcjybrw/XPRLSAp_oDI/AAAAAAAAGVc/LBguY7Uoq8Ils45P3O2pDwLmSoboMXE6QCLcBGAs/s640/PreReadingSkills1.png" width="640" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: Cambria; text-align: start;"><span style="font-size: x-small;">Ler ficção é importante porque nos dá a oportunidade de conhecermos outras maneiras de organizar o mundo</span></span><span style="font-size: small; text-align: start;"></span></td></tr>
</tbody></table>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Por que lemos? Porque sentimos a necessidade de entrar em contato com as palavras de quem pode nos ensinar alguma coisa, tanto para nos dizer algo novo como para confirmar códigos com os quais nos identificamos, reforçando o que há de comum.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Ler é colher palavras e escolher significados (interpretar), porque as palavras são polissêmicas e estão sempre grávidas de sentido.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Aprender a ler é aprender também a compreender melhor o mundo que nos cerca. A leitura nos dá a consciência de que estamos no espaço e no tempo (físico e mental), sendo empurrados por um, enquanto modificamos o outro. Até quando morremos (nosso último ato), modificamos o espaço. O exercício da leitura nos dá essa consciência.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Há diversos tipos de leitura, que vão desde a mais simples, como ler uma placa na rua, sinalizando uma direção, ou ler um bilhete da mãe, do filho, da professora, do colega, passando por uma complexidade mediana que é ler relatórios técnicos (jornais e livros de divulgação científica), até a complexidade cada vez maior, como a leitura de ensaios filosóficos e de ficção (alta literatura). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O interessante da boa ficção é que ela permeia os elementos da simplicidade e da complexidade, porque trabalha os graus de sentido, de modo que cada leitor chegue aonde pode. Literatura é isso, é “linguagem carregada de significado em seu grau máximo”, como diz Ezra Pound, em <b>ABC da Literatura</b>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Por que ler ficção é importante? Porque nos dá a oportunidade de conhecermos outras maneiras de organizar o mundo, ou de descobrirmos que é possível viver de modo diferente, que é possível criar novas maneiras de viver, de pensar, de sentir e até de inventar novos mundos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">O universo ficcional nos oferece a oportunidade de acompanharmos uma vida inteira pelo ponto de vista que não é o nosso, que é de fora de nosso mundo, de nossas perspectivas; oferece-nos, portanto, outros ângulos de visão sobre o humanamente possível. Isso só se faz dentro da leitura, com o exercício da imaginação.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: inherit;">Neste caso, a imaginação é fundamental. A leitura nos permite exercitar a imaginação. Sem imaginação, não se pode transformar o mundo.</span><br />
<span style="font-family: inherit;"><br /></span>
<span style="font-family: inherit;">...</span>Gilberto G. Pereirahttp://www.blogger.com/profile/03818881816267946333noreply@blogger.com0