domingo, 21 de dezembro de 2008

A VIRGEM QUE NÃO CONHECIA PICASSO: o erotismo deflorado


Em matéria de ambigüidade, a primeira frase do primeiro conto do livro A virgem que não conhecia Picasso, de Rodrigo Rosp (Não Editora, 2007), não deve nada a ninguém: “Eu tinha um Picasso pendurado.” É engraçada e provocativa pelo que há de ambíguo, cuja sugestão profana só será desfeita no parágrafo seguinte. Mas é aí também que começam a aparecer os defeitos.

O livro traz 15 contos eróticos. Em quase todas as histórias há certo exagero verbal e um humor involuntário, além do intencional, como se o narrador fosse um adolescente mentiroso, recém-descabaçado, mas com uma imaginação altíssima e a libido a ponto de bala.

Embora as histórias sejam independentes, presumindo-se um narrador diferente para cada uma delas, não é exatamente o que acontece. A impressão é que temos a mesma pessoa narrando e, por isso mesmo, mentindo descaradamente.

No primeiro conto, que empresta o título ao livro, um professor universitário de trinta e poucos anos leva ao seu apartamento as aluninhas para ver o quadro de Picasso, falsificado. Todas elas ficam alucinadas e excitadas com a beleza da obra, e aí tudo se encaminha para o sexo sem freio.

O 171 erótico, no entanto, não funciona com uma das alunas, que era virgem e queria ser deflorada pelo professor canalha. Mas com ela, se revelou enjoativamente romântico, causando a frustração do desejo de ambos.

Essa frustração, ora do ato sexual, ora da tentativa e do próprio sentimento investido, permeia todas as histórias. A decepção doce, uma espécie de laranja chupada pela metade antes de cair na lama, é o fulcro de todos os contos. Uma bela premissa, mas que aqui falhou, como quem brocha.

A verdade, ou a verossimilhança da literatura, é comprometida nesses contos. O que permanece é o excesso da palavra, o exagero que desenha a caricatura do sexo. “Ao entrar no apartamento, a pequena Suzy deu um gemido agudo”, diz o narrador do primeiro conto. “Saboreava e consumia aquela salsicha”, diz outro narrador no conto Em tempos de guerra.

Em Algemas e promessas, o narrador é um abstêmio sexual, porque sua namorada está viajando. Ele então resolve ir à Sex Shop comprar uns aparatos para quando ela voltar.

Na loja, a moça é bonita e gostosa. Depois da compra, lemos o curto diálogo: “Não vai querer mais alguma coisa?”, pergunta a vendedora. “Não entre as que estão à venda”, responde ele, para depois continuar a narração: “Estiquei a mão e toquei-lhe a face de leve. O sorriso abriu-se. Tenho certeza de que se lhe encharcaram as entranhas.”

Uma ressalva

Apesar das falhas, os contos trazem uma qualidade inegável: o humor intencional, que corre sempre junto ao riso involuntário. Humor demais em contos eróticos pode resultar em pornô chanchada. Mesmo assim, esta é a razão de o livro, apesar dos percalços, valer a pena. Em Uma puta chamada esperança, temos essa mistura. O conto começa assim:

“― Tira a máscara, quero ver teu rosto.”
“― Só depois da meia-noite.”

A história gira em torno do sujeito que tenta transar com uma mulher num baile de máscaras, mas ela só deixa dar uns amassos. “Nossos corpos grudados, eu ofegava inquieto. Ela colocou a mão sobre a minha calça. Segurou meu pau duro, esfregou com vontade. Dei um urro excitado. Em um segundo, ela me afastou. Nossos corpos separados, fiquei surpreso.”

Ele sai frustrado e excitado da festa e vai para um prostíbulo para aliviar a libido, mas lá também não consegue nada, por falta de grana. Só tinha cinco reais e a prostituta queria dez.

Em função disso, acaba se masturbando na nota de cinco e jogando-a na rua, numa espécie de desaforo do coito solitário contra o capitalismo sujo. Não podemos negar o humor violento e a imaginação criativa.

Esse conto não esconde a cara adolescente e inepta do narrador. No caso do livro, seu autor tem 33 anos, e é uma promessa, mas a narrativa ainda sugere espinhas no rosto.


Trechos:

Predestinada

“Não acredito no destino das pessoas ou das nações. Pressentimentos, premonições, profecias: não passam de bobagens. A única forma de destino em que deposito confiança é o dos rabos.

Há um tipo de mulher, queira ou não, que está fadada a ser puta. Está no corpo, se incorpora à alma. Elas possuem aquela bunda grande, mais que isso, desproporcional, que se intercala no caminhar, balanço oblíquo e provocativo. A típica retaguarda protuberante determina o comportamento sexual: mulheres ariscas, esquivas. Não se deixam possuir a alma, mas entregam para a possessão do corpo.”


As cores de Carla

“A mulher virou-se de costas e começou a abaixar a calcinha. A pequena peça vermelha deslizou com calma, realçando ainda mais as belas nádegas, agora libertadas. Carla desceu até o chão, ergueu um pé e depois o outro para ver-se livre do derradeiro pano. Permaneceu abaixada, sentindo a força dos olhares tocando seu corpo. Deleitava-se com o desejo dos rostos febris que observavam os pêlos escuros e os lábios lilases que apareciam de leve.

Carla virou-se de frente, já trêmula de prazer. Jogou-se no chão e abriu as pernas para que todos pudessem ver com clareza os detalhes de sua intimidade. Atirou a cabeça para trás e gemeu forte. Contraía os músculos enquanto atingia o orgasmo defronte à multidão.”


Serviços
Título: A virgem que não conhecia Picasso
Autor: Rodrigo Rosp
Editora: Não-EditoraPreço: R$ 18,00 (compre)

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