Sabemos que a consciência se traduz com a linguagem, e esta não existe sem a permeabilidade da palavra, o verbo, o vocábulo preciso na hora de narrar ou pensar com mais rigor para argumentar e persuadir.
As palavras têm alma, na qual se encerra o significado primeiro dos fios que tecem qualquer texto. Este, aliás, é um vocábulo que vem do latim (textus) e quer dizer ‘tecido’. A palavra, por sua vez, tece os fios do espírito e traz consigo toda a intencionalidade do discurso.
Quando se quer penetrar num texto e retirar dele sua essência, é preciso acessar essa alma, buscar na etimologia a primeira intenção. Nenhum escritor de textos literários, jornalísticos ou científicos que se preze ignora isso. Nenhum leitor, de igual modo, deve fazê-lo. É por isso que a filosofia se preocupa com sua terminologia, e ainda assim, deixa abertas, muitas vezes sem querer, certas frechas para a ambigüidade.
Para o leitor que não está nem aí com o rigor filosófico e só quer se divertir na leitura, o legal de acessar a alma da palavra é perceber como sua trajetória pode ser tortuosa e quão sedimentada está no espírito humano, fazendo com que o passado dela se enterre, para nunca mais voltar à tona.
Num átimo de observação, podemos ver que o verbo ‘namorar’, por exemplo, vem de uma junção muito feliz entre ‘amor’, a preposição ‘em’ (servindo como prefixo) e a desinência ‘ar’. Estes dois afixos, aliás, são usados para formar diversos verbos na língua portuguesa, a partir de substantivos e adjetivos, tais como beleza (embelezar) e vadio (vadiar).
O interessante do verbo ‘namorar’ é sua proximidade com o termo ‘apaixonado’ em inglês. Uma ex-colega de faculdade já havia citado o significado de ‘apaixonado’ num texto sobre o amor.
Em inglês, ‘apaixonar’ é ‘estar em amor’ (to be in love). ‘Namorar’ certamente nasceu assim: ‘em amor’, depois ‘em + amor + ar’, logo ‘enamorar’, e aí ‘namorar’. Em espanhol, ‘enamorado’ ainda é o termo que se usa para designar quem está apaixonado.
A relação que se pode fazer entre a etimologia de um determinado vocábulo e seu sentido atual fica dentro apenas da língua analisada. Ou seja, não se podem atrelar sentidos de uma mesma palavra em línguas diferentes. A menos que sua raiz seja a mesma, como ‘humilhar’, em português, e ‘humiliate’, em inglês. Ambas vêm do latim ‘humus’ (barro, base, chão, o mais baixo degrau).
Em nossa língua, isso é até mais profundo, porque ‘homem’ também vem de ‘humus’, o que casa com a lógica bíblica, segundo a qual, o homem foi feito do barro, e com a científica; afinal somos componentes orgânicos que se encontram no humo. E a poesia faz síntese de tudo isso, ao dizer que somos uma “realidade geográfica”, uma “excrescência de terra singular”, nas palavras de Augusto dos Anjos.
Já na língua de Shakespeare, ‘homem’ (man), vem do indo-germânico, a mesma base do alemão. O mais intrigante disso é perceber um machismo escabroso na formação da palavra ‘mulher’, em inglês, ‘woman’ (pronuncia-se /úm∂n/). Isso porque, provavelmente, ‘woman’ vem das junções de ‘womb’ (pronuncia-se /úm/), que significa ‘útero’, e ‘man’ (homem), ou seja, ‘womb man’ (homem de útero).
Esta etimologia é apenas uma suposição. Mas se for verdade, cá entre nós, é bem esdrúxula, com toda a carga etimológica que o adjetivo ‘esdrúxulo’ possa ter.
2 comentários:
eu gostei dessa reflexão esdrúxula.
Hêhêhê!
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