Foto: Gordon Richardson
Este infinito amor de um ano faz
Que é maior do que o tempo e do que tudo
Este amor que é real, e que, contudo
Eu já não cria que existisse mais.
Este amor que surgiu inesperado
E que dentro do drama fez-se em paz
Este amor que é o túmulo onde jaz
Meu corpo para sempre sepultado.
Este amor meu é como um rio; um rio
Noturno, interminável e tardio
A deslizar macio pelo ermo
E que em seu curso sideral me leva
Iluminado de paixão na treva
Para o espaço sem fim de um mar sem termo ...
O título já nos revela muito do poema. Trata-se do amor, tendo o rio como sua principal metáfora. Mas não é um amor qualquer. O sujeito poético deixa isso claro no decurso do soneto. O primeiro verso indica um amor recente, de apenas um ano, mas também infinito, que quer fazer crer que é maior do que o tempo, que está acima de qualquer coisa. As imagens reveladoras de que tipo de amor o poema realmente trata começam na segunda estrofe.
O caráter inesperado do amor lembra o surgimento de algo numa curva, que pode ser a curva de um rio, como será revelado posteriormente, na terceira estrofe. Mas antes do rio, vem uma imagem crucial para a caracterização do amor cantado no poema e para a prova da condensação poética: a metáfora do túmulo.
Se o amor é o túmulo onde jaz o corpo sepultado, há uma inversão significativa do que se entende por amor. Enquanto se costuma dizer que o amor está dentro do corpo, no coração ou na mente, aqui é o corpo que está dentro do amor, e não apenas por um dia ou dois, mas para sempre. O fato de estar sepultado, também é outro indício de que o corpo já não tem vontades. O amor é quem manda, e ele, o corpo, vai para onde for levado.
Este túmulo, que poderia dar uma idéia de inércia, não o faz, porque, após seu surgimento como amor, continua sua jornada lá na frente, agora como um rio, mas não um rio qualquer. Tal como o túmulo, o rio é sombrio, noturno. E aí, o poema se revela com mais força. Sua correlação com o amor carnal, bonde de desejo, se revela em metáforas mais preciosas ainda.
Um rio, pleno de água, corre para algum lugar, quer para outro rio, quer para o mar. Existe, portanto, uma viagem anunciada aí. Esse amor, esse rio de desejo, deságua no mar, como lemos no último verso. É dominado por este mar. Ao voltarmos para o início do poema, vamos ver que este rio, este amor, faz de conta que é maior do que tudo, mas apenas porque ainda, ao surgir de repente, não sabe que cairá no mar, águas indomáveis, metáfora da mulher amada.
Na viagem do poema, ao construir o curso do rio do amor, o sujeito poético dá ênfase, no oitavo verso, ao substantivo ‘corpo’, em detrimento do pronome possessivo ‘meu’. Mas no verso seguinte, por se tratar do amor, o pronome ‘meu’ é enfatizado. Isso significa que o amor é mais dele (sujeito poético) do que o próprio corpo, mais do que isso, o sujeito poético é o próprio amor.
O que existe nele (sujeito poético) é o sentimento; o que é visível e palpável nele é o próprio amor, um amor imenso, mas que perto da mulher amada é mínimo; o que é uma contradição. Como é contraditória a própria idéia do instante, por ser efêmero e eterno ao mesmo tempo, conceito muito utilizado na poesia de Vinicius de Moraes.
A relação do túmulo – metáfora do amor, em que está sepultado o corpo – e do rio – a segunda metáfora do amor – ilumina todo o poema e conclui o soneto de forma comovente. Seu corpo pertence ao amor, nele sepultado; é levado por ele. Para explicar melhor essa relação, recorramos a outra imagem, a do escravo, que não é dono de si, está, portanto, morto para a autoconsciência, está dentro de uma morte branca, que no entanto pode ser revertida.
Mas a morte nem sempre é uma imagem ruim. Os franceses sabem bem disso, e até fazem dela metáfora para o prazer sexual. Eles usam o termo ‘la petite mort’ (a pequena morte) para se referir ao orgasmo.
Vinicius de Moraes também sabia disso. E esta correlação está no Soneto do amor como um rio. O amor é um rio. É ele que carrega o corpo do sujeito poético nesta viagem erótica. Mas seu corpo não é levado pelo rio do desejo de forma brutal, como fazem as águas revoltas dos rios selvagens. Seu corpo é conduzido suavemente, porque este amor é um rio que desliza macio; e aqui, a correlação de ‘mar’ e ‘cio’ reforça o caráter erótico do poema.
Este amor de tão amplo não pode ser visto em sua totalidade. É, portanto, um amor a perder de vista, como um grande rio, escuro, interminável, mas também experiente em sua jornada. Outra recorrência da contradição está presente na última estrofe. O amor parece levitar.
Nesse percurso, leva consigo o sujeito poético. Seu corpo, que, embora esteja dentro desse amor noturno, alusão ao sexo, que é sempre voltado para a privacidade, é iluminado pelo desejo, é amparado pela luz da paixão.
Este amor, embora escuro, claro. Este amor parece que acaba, mas, ao mesmo tempo, parece não acabar jamais. No segundo verso da terceira estrofe, a palavra ‘interminável’ traduz esse sentido. E o último verso fecha o poema carregando o paradoxo, num desfecho de gozo absoluto, com o sujeito poético perpetuando seu triunfo dentro dessa contradição, em que o rio do desejo o leva, pleno de paixão, “para o espaço sem fim de um mar sem termo ...”.
É bom notar que este último verso tem mais sílabas fortes do que os outros, e muito mais letras, caracterizando o prolongamento. Não podemos esquecer também das locuções ‘sem fim’ e ‘sem termo’ e dos substantivos ‘fim’ e ‘termo’ – significando, respectivamente, interminável e finito –, arrematados ambos pelo infinito, representado aqui pela reticência, que também indicam um estado de transe, de espasmo, no encontro de um rio com o mar, na realização plena do desejo.
Que é maior do que o tempo e do que tudo
Este amor que é real, e que, contudo
Eu já não cria que existisse mais.
Este amor que surgiu inesperado
E que dentro do drama fez-se em paz
Este amor que é o túmulo onde jaz
Meu corpo para sempre sepultado.
Este amor meu é como um rio; um rio
Noturno, interminável e tardio
A deslizar macio pelo ermo
E que em seu curso sideral me leva
Iluminado de paixão na treva
Para o espaço sem fim de um mar sem termo ...
O título já nos revela muito do poema. Trata-se do amor, tendo o rio como sua principal metáfora. Mas não é um amor qualquer. O sujeito poético deixa isso claro no decurso do soneto. O primeiro verso indica um amor recente, de apenas um ano, mas também infinito, que quer fazer crer que é maior do que o tempo, que está acima de qualquer coisa. As imagens reveladoras de que tipo de amor o poema realmente trata começam na segunda estrofe.
O caráter inesperado do amor lembra o surgimento de algo numa curva, que pode ser a curva de um rio, como será revelado posteriormente, na terceira estrofe. Mas antes do rio, vem uma imagem crucial para a caracterização do amor cantado no poema e para a prova da condensação poética: a metáfora do túmulo.
Se o amor é o túmulo onde jaz o corpo sepultado, há uma inversão significativa do que se entende por amor. Enquanto se costuma dizer que o amor está dentro do corpo, no coração ou na mente, aqui é o corpo que está dentro do amor, e não apenas por um dia ou dois, mas para sempre. O fato de estar sepultado, também é outro indício de que o corpo já não tem vontades. O amor é quem manda, e ele, o corpo, vai para onde for levado.
Este túmulo, que poderia dar uma idéia de inércia, não o faz, porque, após seu surgimento como amor, continua sua jornada lá na frente, agora como um rio, mas não um rio qualquer. Tal como o túmulo, o rio é sombrio, noturno. E aí, o poema se revela com mais força. Sua correlação com o amor carnal, bonde de desejo, se revela em metáforas mais preciosas ainda.
Um rio, pleno de água, corre para algum lugar, quer para outro rio, quer para o mar. Existe, portanto, uma viagem anunciada aí. Esse amor, esse rio de desejo, deságua no mar, como lemos no último verso. É dominado por este mar. Ao voltarmos para o início do poema, vamos ver que este rio, este amor, faz de conta que é maior do que tudo, mas apenas porque ainda, ao surgir de repente, não sabe que cairá no mar, águas indomáveis, metáfora da mulher amada.
Na viagem do poema, ao construir o curso do rio do amor, o sujeito poético dá ênfase, no oitavo verso, ao substantivo ‘corpo’, em detrimento do pronome possessivo ‘meu’. Mas no verso seguinte, por se tratar do amor, o pronome ‘meu’ é enfatizado. Isso significa que o amor é mais dele (sujeito poético) do que o próprio corpo, mais do que isso, o sujeito poético é o próprio amor.
O que existe nele (sujeito poético) é o sentimento; o que é visível e palpável nele é o próprio amor, um amor imenso, mas que perto da mulher amada é mínimo; o que é uma contradição. Como é contraditória a própria idéia do instante, por ser efêmero e eterno ao mesmo tempo, conceito muito utilizado na poesia de Vinicius de Moraes.
A relação do túmulo – metáfora do amor, em que está sepultado o corpo – e do rio – a segunda metáfora do amor – ilumina todo o poema e conclui o soneto de forma comovente. Seu corpo pertence ao amor, nele sepultado; é levado por ele. Para explicar melhor essa relação, recorramos a outra imagem, a do escravo, que não é dono de si, está, portanto, morto para a autoconsciência, está dentro de uma morte branca, que no entanto pode ser revertida.
Mas a morte nem sempre é uma imagem ruim. Os franceses sabem bem disso, e até fazem dela metáfora para o prazer sexual. Eles usam o termo ‘la petite mort’ (a pequena morte) para se referir ao orgasmo.
Vinicius de Moraes também sabia disso. E esta correlação está no Soneto do amor como um rio. O amor é um rio. É ele que carrega o corpo do sujeito poético nesta viagem erótica. Mas seu corpo não é levado pelo rio do desejo de forma brutal, como fazem as águas revoltas dos rios selvagens. Seu corpo é conduzido suavemente, porque este amor é um rio que desliza macio; e aqui, a correlação de ‘mar’ e ‘cio’ reforça o caráter erótico do poema.
Este amor de tão amplo não pode ser visto em sua totalidade. É, portanto, um amor a perder de vista, como um grande rio, escuro, interminável, mas também experiente em sua jornada. Outra recorrência da contradição está presente na última estrofe. O amor parece levitar.
Nesse percurso, leva consigo o sujeito poético. Seu corpo, que, embora esteja dentro desse amor noturno, alusão ao sexo, que é sempre voltado para a privacidade, é iluminado pelo desejo, é amparado pela luz da paixão.
Este amor, embora escuro, claro. Este amor parece que acaba, mas, ao mesmo tempo, parece não acabar jamais. No segundo verso da terceira estrofe, a palavra ‘interminável’ traduz esse sentido. E o último verso fecha o poema carregando o paradoxo, num desfecho de gozo absoluto, com o sujeito poético perpetuando seu triunfo dentro dessa contradição, em que o rio do desejo o leva, pleno de paixão, “para o espaço sem fim de um mar sem termo ...”.
É bom notar que este último verso tem mais sílabas fortes do que os outros, e muito mais letras, caracterizando o prolongamento. Não podemos esquecer também das locuções ‘sem fim’ e ‘sem termo’ e dos substantivos ‘fim’ e ‘termo’ – significando, respectivamente, interminável e finito –, arrematados ambos pelo infinito, representado aqui pela reticência, que também indicam um estado de transe, de espasmo, no encontro de um rio com o mar, na realização plena do desejo.
É visível a construção da imagem principal, o rio como um amor carnal, e de suas variantes, formando um conjunto imagético, carregado de significado, povoado de sentimento estético.