Quando me deparei pela primeira vez com o livro de Paul Auster, O inventor da solidão, tomei um susto. Não sabia que alguém havia surrupiado a patente do velho Gabo, o homem que de fato, em meu imaginário, arquitetou a solidão.
Foi Gabriel García Márquez que nos mostrou a orfandade da América Latina e aquilo que é só, que é lastimavelmente esquecido, escanteado. Tudo isso está em seus livros mais expressivos, como Cem anos de solidão, Ninguém Escreve ao coronel, Crônica de uma morte anunciada e O amor nos tempos do cólera, o mais delicioso caso de amor, abandono, solidão e reencontro.
García Márquez tem hoje 81 anos de idade, e certamente não está só. Vive rodeado de amigos, no México, onde mora desde tempos já esquecidos. Pode até estar no fim da vida, mas continua escrevendo. O que não morrerá, no entanto, nem ficará olvidado nos recônditos escuros das bibliotecas ou dos sebos é sua obra. Pelo menos por um tempo mais inestimável que o tempo dos outros.
Filho de Gabriel Eligio García e Luisa Santiaga García Márquez, Gabriel José García Márquez nasceu numa cidadezinha chamada Aracataca, Colômbia, em 6 de março de 1927 (as fichas técnicas de seus livros dizem 1928), um ano antes da revolta entre os plantadores de banana, que foi repreendida à bala, numa matança histórica para os moradores da região e para o país, descrita em Cem anos de solidão.
O fato é que depois daquela chacina, tudo mudou para a cidade. A companhia exploradora do lugar foi embora e com ela o progresso. “A única coisa certa era que levaram tudo: o dinheiro, as brisas de dezembro, a faca de cortar pão, o trovão das três da tarde, o aroma dos jasmins, o amor. Só ficaram as amendoeiras empoeiradas, as ruas reverberantes, as casas de madeira e tetos de zinco enferrujado com suas pessoas taciturnas, devastadas pelas lembranças”, diz o escritor em suas memórias, provando ser mesmo o autor da solitude e do exagero.
Em Crônica de uma morte anunciada, ele conta a história de Santiago Nasar, baseada na tragédia real de Cayetano Gentile, amigo da família do escritor, morto a facadas, em janeiro de 1952, na porta de casa, sem poder entrar. A mãe do rapaz havia trancado a porta, achando que o filho já estivesse no quarto dele.
Na ficção de García Márquez, a solidão de Nasar é avassaladora. Todos sabem de sua morte, todos comentam seu infortúnio, enquanto ele caminha rumo ao túmulo, sem tomar conhecimento de nada, sozinho em sua doce ilusão de estar vivo.
É tanta solitude e são tantas tramas que só mesmo lendo para se averiguar o mar de Gabriel. Em O amor nos tempos do cólera, de 1985, ele mescla sua própria história sentimental com a de seus pais e outras variantes para dar à luz o conturbado amor entre Florentino Ariza e Fermina Darza.
A solidão nasce nas entranhas de Ariza. Ele debate durante 50 anos para conseguir, finalmente, o privilégio de viver com a amada, mulher dona de seu coração desde sua juventude primeira, desde a adolescência dela e dos 18 anos dele.
Entre uma espera e outra, Florentino Ariza exercita seu amor com outras mulheres, aventurando por todos os tipos de solidão, sem ter a atenção da mulher que ama, alcançando apenas os espaços cavernosos de amores clandestinos, tangenciando a solidão dos outros, ludibriando a si mesmo a falta de sua amada, que se confortava nos braços de um marido ‘impostor’.
Parte dessa história diz respeito à vida do pai de Gabo, em dois momentos: quando Ariza se vê impedido de namorar Darza pelo pai dela e trama mil esquemas para se encontrar com a moça, e quando Ariza mergulha no mundo de mulheres soltas, tentando compensar a falta de seu amor maior.
Na verdade, o senhor Eligio andou cometendo inúmeros delitos amorosos. Em suas memórias, García Márquez comenta sobre o pai: “numa época tive uma certa tentação por seus hábitos de caçador furtivo, mas a vida me ensinou que é a forma mais árida da solidão, e senti uma grande compaixão por ele”.
Em todos esses livros, e ainda em outros de García Márquez, aparecem, em contorno, os traços da desolação e do esquecimento, perpetuados no coração da América Latina, até hoje.
Foi Gabriel García Márquez que nos mostrou a orfandade da América Latina e aquilo que é só, que é lastimavelmente esquecido, escanteado. Tudo isso está em seus livros mais expressivos, como Cem anos de solidão, Ninguém Escreve ao coronel, Crônica de uma morte anunciada e O amor nos tempos do cólera, o mais delicioso caso de amor, abandono, solidão e reencontro.
García Márquez tem hoje 81 anos de idade, e certamente não está só. Vive rodeado de amigos, no México, onde mora desde tempos já esquecidos. Pode até estar no fim da vida, mas continua escrevendo. O que não morrerá, no entanto, nem ficará olvidado nos recônditos escuros das bibliotecas ou dos sebos é sua obra. Pelo menos por um tempo mais inestimável que o tempo dos outros.
Filho de Gabriel Eligio García e Luisa Santiaga García Márquez, Gabriel José García Márquez nasceu numa cidadezinha chamada Aracataca, Colômbia, em 6 de março de 1927 (as fichas técnicas de seus livros dizem 1928), um ano antes da revolta entre os plantadores de banana, que foi repreendida à bala, numa matança histórica para os moradores da região e para o país, descrita em Cem anos de solidão.
O fato é que depois daquela chacina, tudo mudou para a cidade. A companhia exploradora do lugar foi embora e com ela o progresso. “A única coisa certa era que levaram tudo: o dinheiro, as brisas de dezembro, a faca de cortar pão, o trovão das três da tarde, o aroma dos jasmins, o amor. Só ficaram as amendoeiras empoeiradas, as ruas reverberantes, as casas de madeira e tetos de zinco enferrujado com suas pessoas taciturnas, devastadas pelas lembranças”, diz o escritor em suas memórias, provando ser mesmo o autor da solitude e do exagero.
Em Crônica de uma morte anunciada, ele conta a história de Santiago Nasar, baseada na tragédia real de Cayetano Gentile, amigo da família do escritor, morto a facadas, em janeiro de 1952, na porta de casa, sem poder entrar. A mãe do rapaz havia trancado a porta, achando que o filho já estivesse no quarto dele.
Na ficção de García Márquez, a solidão de Nasar é avassaladora. Todos sabem de sua morte, todos comentam seu infortúnio, enquanto ele caminha rumo ao túmulo, sem tomar conhecimento de nada, sozinho em sua doce ilusão de estar vivo.
É tanta solitude e são tantas tramas que só mesmo lendo para se averiguar o mar de Gabriel. Em O amor nos tempos do cólera, de 1985, ele mescla sua própria história sentimental com a de seus pais e outras variantes para dar à luz o conturbado amor entre Florentino Ariza e Fermina Darza.
A solidão nasce nas entranhas de Ariza. Ele debate durante 50 anos para conseguir, finalmente, o privilégio de viver com a amada, mulher dona de seu coração desde sua juventude primeira, desde a adolescência dela e dos 18 anos dele.
Entre uma espera e outra, Florentino Ariza exercita seu amor com outras mulheres, aventurando por todos os tipos de solidão, sem ter a atenção da mulher que ama, alcançando apenas os espaços cavernosos de amores clandestinos, tangenciando a solidão dos outros, ludibriando a si mesmo a falta de sua amada, que se confortava nos braços de um marido ‘impostor’.
Parte dessa história diz respeito à vida do pai de Gabo, em dois momentos: quando Ariza se vê impedido de namorar Darza pelo pai dela e trama mil esquemas para se encontrar com a moça, e quando Ariza mergulha no mundo de mulheres soltas, tentando compensar a falta de seu amor maior.
Na verdade, o senhor Eligio andou cometendo inúmeros delitos amorosos. Em suas memórias, García Márquez comenta sobre o pai: “numa época tive uma certa tentação por seus hábitos de caçador furtivo, mas a vida me ensinou que é a forma mais árida da solidão, e senti uma grande compaixão por ele”.
Em todos esses livros, e ainda em outros de García Márquez, aparecem, em contorno, os traços da desolação e do esquecimento, perpetuados no coração da América Latina, até hoje.
É por isso que, ainda que se prove o contrário, o autor de O general em seu labirinto e Do amor e outros demônios foi quem inventou, para mim, a solidão.
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