terça-feira, 17 de março de 2009

RUY CASTRO: o design do humor inteligente

“Ler é a segunda melhor coisa do mundo. A primeira é escrever. A que você está pensando é horsconcours”
Ruy Castro



Os leitores brasileiros estão acostumados à literatura de Ruy Castro. Muitos já leram pelo menos um livro dele, em cuja bibliografia o que não falta é variedade de temas: biografias, romances, ensaios, humor, além de traduções, como a do Livro dos Insultos, de H. L. Mencken.

O gênero biografia fala mais alto em sua obra por causa de dois nomes que despertam em demasia o interesse do leitor: Garrincha e Nelson Rodrigues. Mais tarde, aos dois biografados se juntaria Carmen Miranda, outro ícone da cultura brasileira.

Eis que agora o próprio Ruy Castro tem sua vida exposta em livro, com um vasto acervo de fotografias, retratando-o desde ainda garotinho ao marmanjo de hoje, escritor premiado e best-seller.

O livro em questão foi publicado em 2008 pela Memorial, como parte do projeto Álbum de retratos, com o patrocínio da Petrobras (verba captada pela Lei Rouanet). A coleção já trouxe à luz o perfil de nomes como Cacá Diegues, Dona Ivone Lara e Jards Macalé.

Cada um desses perfis traz texto também de um escritor renomado. No caso de Ruy Castro, o livro foi organizado por sua mulher, a escritora carioca Heloisa Seixas, que tem conhecimento suficiente do retratado.

Alguém pode contestar a importância de Castro a ponto de se despender dinheiro público para a publicação de um livro assim, mesmo que o mote publicitário diga que o preço está abaixo dos valores do mercado.

O fato é que não costumamos nunca valorizar nada, a menos que venha de fora. Aposto que daqui a cem anos, provavelmente só teremos esse registro do homem que pesquisou e escreveu ótimas biografias de grandes personalidades de nossa cultura. O mesmo vale para a memória de Dona Ivone Lara e outros.

Ruy no embate verbal

O interessante do livro, além das fotos, é o desenho da personalidade forte de Ruy Castro. Quem o acompanha na imprensa, por meio de seus textos e entrevistas, sabe disso.

No programa Roda Viva, da TV Cultura, por exemplo, em 2006, por ocasião do lançamento de Carmen – uma biografia, Paulo Markun perguntou por que ele suavizara a vida sexual de Carmen Miranda. Castro respondeu que ou Markun não havia lido o livro todo ou fizera leitura dinâmica.

No programa Letra Livre, também da TV Cultura, em que dividia o palco com Paulo Lins, num debate mediado por Manoel da Costa Pinto, Castro comentou o caso da censura da biografia de Roberto Carlos, escrita por Paulo César de Araújo (Roberto Carlos em detalhes). A censura fora feita pela justiça, a pedido do próprio biografado.

Segundo Castro, não daria outra. Ele sabia que isso ia acontecer. Comenta que a alegação dos advogados do cantor foi a de que um dia o próprio Roberto Carlos escreveria sua biografia, e então atira: “Escrever o quê? Ele não escreve nada, não sabe escrever, não sabe nem ler.”

Grosserias a parte, esse comportamento demonstra bem quem é Ruy Castro no embate verbal. Ele diz o que quer. Não faz concessões por pouca coisa. Em seu Álbum de retratos, é descrito como um sujeito com grande senso de humor e que nunca sai do sério.

“Ruy é uma das pessoas mais bem-humoradas que já conheci. É quase impossível tirá-lo do sério. Nem fila de banco, nem engarrafamento, nem aniversário de criança, nada o deixa irritado. Talvez rock tocado alto ou festa funk, mas mesmo assim tenho minhas dúvidas”, diz Heloisa.

Coincidência ou não, o primeiro livro de Ruy Castro se intitula O melhor do mau humor, em que compila frases de diversas personalidades do mundo da arte e da literatura. Mais tarde o livro teria nova edição sob o título Mau humor.

Primeiros passos


O meino Ruy Castro com a máquina que aprendeu a manusear aos seis anos

Carioca enviesado, Ruy Castro nasceu em 1948, em Caratinga, interior de Minas Gerais. Seus pais, mineiros, moravam no Rio de Janeiro, mas em 1947 haviam se mudado para a cidadezinha, retornando à capital fluminense na década de 60.

Aprendeu a datilografar aos seis anos e aos dez já tinha certeza que queria ser jornalista, profissão que seguiu, mesmo tendo estudado Ciências Sociais, na UFRJ.

Seu primeiro emprego foi no Correio da Manhã, em 1967, passando mais tarde pelos principais jornais e revistas do país, como Jornal do Brasil, Manchete e Playboy. “Já trabalhei em praticamente todos os meios de comunicação, exceto, talvez, bula de remédio”, diz.

Hoje, além da atividade de escritor, tem um espaço na segunda página da Folha de S. Paulo, revezando com Carlos Heitor Cony e outros.

Autodescrição

O restante da história pode ser resumida em sua autodescrição:

“Um dia me perguntaram o que era preciso para o sujeito ser um bom biógrafo. Respondi que, para isso, ele deveria também ser uma pessoa biografável – ou seja, ter sido alguém que passou por muitas experiências humanas, e não ficou a vida inteira trancado numa sala e enfiado atrás de um livro. No meu caso, vivi profundamente a rua, no sentido mais amplo da expressão: namorei pra burro, bebi todas (parei em 1988), levei borrachada da polícia nas passeatas (quando estudante), fui preso, enfrentei maridos ciumentos (um deles me obrigou a entrar no carro e ameaçou me matar), pulei muro de estádio (aos 36 anos!) para ver o Flamengo jogar, tive mais de 10 empregos, conheci todos os grandes jornalistas ou escritores brasileiros de 1950 para cá, morei na Europa, assisti a duas revoluções, amei e fui amado, traí e fui traído, sofri e fiz sofrer, tive uma doença grave e, antes que isto vire letra de tango ou de samba-canção, só resta dizer que estou no terceiro e último casamento, tenho duas filhas, dois netos [hoje três], dois gatos, publiquei uma quantidade de livros e já ganhei quase todos os prêmios literários. Mas as coisas de que realmente me orgulho são ter sido reconhecido pelo rei Momo num Carnaval no Rio e ver meu nome citado num coquetel de palavras cruzadas. Se alguém quiser escrever minha biografia, será problema dele. Mas só por cima do meu cadáver.”

Frases

“O único animal que faz sexo por prazer é o homem. E algumas mulheres”

“Não torço pela Seleção, torço pelo Flamengo”

“A segunda cidade mais linda do mundo é o Rio com chuva”

“O apogeu na vida de um homem é entre o primeiro e o segundo casamento”

“Mulher é um bicho que acredita em horóscopo, gosta de vinho branco e sente frio nos pés”

Fotos

Os jornalistas João Luiz de Albuquerque, Carlos Heitor Cony, Janio de Freitas, Sérgio Augusto, Ruy Castro e João Máximo, na mesa redonda do restaurante Arlequino, em Ipanema, numa reunião chamada pelos participantes de “Jantar dos canalhas”.



Castro e Nelson Rodrigues, que seria seu biogrofado em O anjo pornográfico

Ruy rindo

“Dizem por aí – jamais consegui apurar isso direito – que o personagem Fradinho, do Henfil, com aquele sorrizão enorme e aquela crueldade ímpar, foi inspirado em Ruy Castro. Verdade ou mentira, a semelhança é inegável.” Heloisa Seixas.

Trecho:

Ruy Castro e Heloisa Seixas

“Ruy não tem muita intimidade com a vida prática. O mesmo sujeito que desfia fichas técnicas inteiras de filmes poloneses de quarenta anos atrás, incluindo contra-regras e maquiador, ou fala com propriedade sobre a poesia russa, é capaz dos comentários mais absurdos.

Certa vez, estávamos na praia em Fortaleza (num intervalo entre duas palestras de uma feira de livros) quando chegou à areia um camarada que tinha uma perna mecânica. A perna era dessas modernas, muito bem feitas, com um pezinho todo torneado, imitando um pé de verdade. Eu cutuquei Ruy e mostrei: ‘Olha lá. A perna daquele homem é mecânica’. E Ruy, com o ar mais cândido: ‘E o pé? Também?’

Pois é. Eu, que sou vizinha do Millôr (temos nossos estúdios de trabalho no mesmo prédio da Gomes Carneiro, em Ipanema), outro dia ouvi dele a seguinte pergunta no elevador: ‘E aí? A vida ao lado de Ruy Castro é uma eterna festa?’ Não sei se ele estava me gozando (muito provavelmente estava), mas a verdade é que a resposta é: Sim.”

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