quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

A MÃE DE SARAMAGO

Há muito tempo não leio José Saramago. Aliás, até hoje só li dois livros dele: O evangelho segundo Jesus Cristo, um romance arrebatador, e A bagagem do viajante, ótimo livro de crônicas. Esse desinteresse em avançar nas tantas obras lançadas pelo sábio português, como Ensaio sobre a cegueira e As intermitências da morte, não tem explicação. Talvez porque esteja encantado com outras sereias da literatura.

Mas uma coisa é certa. Saramago sempre me encantou na fala cotidiana. Gosto de ouvi-lo falar em entrevistas, e, do mesmo modo, gosto de ler suas declarações. Quando ouço ou leio Saramago, em seu peculiar passeio pelo vocabulário da língua portuguesa e sua dicção ímpar casada com o jeito lusitano de pronunciar as palavras, acho graça, me delicio com a sonoridade que vem de sua fala.

Até para falar de coisas ligadas ao pragmatismo da vida, Saramago é estético e escolhe exemplos que aproximam sua fala do discurso literário. Numa matéria do site Educação, do portal UOL, ele comenta a discussão em torno do acordo ortográfico entre os países falantes da língua portuguesa, que já passou por todas as fases, mas ninguém até agora acatou as decisões.

Primeiro, vem a fluência que nos chega ao paladar: “O acordo existe e passou por umas quantas cabeças de um lado e de outro. Se for preciso, sentem-se outra vez à mesa, puxem as esferográficas e avancem, que isto já se está a tornar caricato.”

Depois, uma imagem engraçada, mas ao mesmo tempo poética, pelo que ela tem de sugestivo, numa relação umbilical de língua e maternidade, ao dizer que o que se necessita é de uma solução para o impasse, embora ele mesmo não tenha autoridade para decidir o que é certo ou errado:

“Gosto da minha língua tal qual a escrevo, mas não posso impor a 150 milhões de pessoas (sic) os meus gostos pessoais. Recordo que aprendi a escrever mãe com 'e', depois me mandaram escrever com 'i', e depois voltaram a mandar escrever com 'e', quando a mãe era sempre a mesma”.

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