Foto: Gilberto G. Pereira
Batista
de Pilar, poeta curitibano: “Que sorte! A morte deu uma distraída./ Ela foi
para o Sul/ e eu fui para o Norte”
De
Curitiba
Curitiba
é uma cidade reveladora de talentos, tanto do mainstream quanto de rua. Os do mainstream
todo mundo conhece e bajula, já os artistas de rua, embora muitos sejam
reconhecidos pelos curitibanos atentos, vivem o cotidiano sem glamour, e alguns
deles amargam dificuldades de subsistência.
Como
se sabe, artistas de rua são aqueles que não têm estrutura institucional para
vender seu produto, como casas de show,
livrarias, gravadoras, galerias, mostras, festivais, empresários que os representem.
Eles é que vão de porta em porta, ou se instalam mesmo nas ruas para oferecer
seu trabalho.
Eu
e meu cunhado curitibano, Diego Rezende, estávamos fotografando o Largo da
Ordem, e eis que conheci um desses artistas, o poeta Batista de Pilar.
Conheci-o de vista, em meio a um rápido papo. Ele já era conhecido do Diego, e
estava sentado num degrau de porta de bar (fechado).
Alcoólatra,
desempregado, sem dinheiro pra pagar o aluguel, andava com uma mochila nas
costas. Sempre viveu na corda bamba. Costumava se sustentar com o suor da
palavra, com seus livros e eventos de cultura. Mas agora estava literalmente na
rua, num momento em que sua poesia não lhe
rendia nenhuma grana.
Há
o lado dramático desta história, mas há também o lado lírico. Ao ver o poeta
com aquela mochila, sem ter onde morar, lembrei-me do escritor argentino Julio
Cortázar (1914 – 1984), segundo o qual, a casa do escritor é sua bagagem
interior. “Os verdadeiros escritores são como caracóis – carregamos a nossa
casa nas costas”, diz Cortázar.
Materialmente,
Pilar estava mal. No entanto, havia em sua condição um substrato filosófico, que
não enchia sua barriga, é verdade. Neste sentido, o poeta estava em casa. Andava
mergulhado na linguagem. Segundo ele, estava em vias de imprimir numas centenas
de camisetas um de seus poemas para vender e amealhar um dinheirinho.
Ele
recitou o poema:
“Que
sorte,
mas
que sorte!
A
morte deu uma distraída.
Ela
foi pro Sul
e
eu fui pro Norte.”
Fiquei
interessado nos versos do poeta. Parece Leminski, pensei. Vi que ele carregava
um livro entre seus pertences, um livro fino que retirou da mochila e começou a
folhear. Príncipe sem trono (85 páginas),
era o título. A diagramação é irreverente, em que o leitor precisa virar o
livro de cabeça pra baixo e folheá-lo a partir da quarta capa. “É minha
publicação recente”, disse o poeta. Quer vender, perguntei. “Bota preço”, respondeu.
“Diz quanto você quer dar”, completou.
O
livro já estava meio puído. As folhas, um pouco gastas, denunciavam a
insistência do poeta em mostrar os poemas às pessoas, ou talvez já eram o
resultado de uma repetida virada de páginas, na tentativa de reafirmar a
própria existência. “Me perco/ no pulsar/ da veia/ onde circula/ a palavra”,
diz um dos poemas. “Pinga/ pingo d’água/ num alambique/ de mágoas”, diz outro. Ofereci
R$ 20. Ele aceitou.
Naquele
dia de passeio pelo centro de Curitiba, havíamos fotografado a Praça
Tiradentes, o Largo da Ordem, focando
detalhes como os prédios antigos, a Igreja do Rosário, as fachadas históricas
dos logradouros em paralelepípedos, o Museu Paranaense, cujo acervo é belíssimo
e informativo sobre a história e a cultura do Paraná.
Todas
as visitas daquele dia foram ótimas, mas nada me agradou mais do que ter
conversado com aquele poeta, e sua poesia errante, consumindo a rua que o
consome, insistindo em surgir do nada, resistindo. Naquele dia, nada foi mais
interessante do que ter comprado seu livro, que fará parte de minha biblioteca.
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