quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Cool Heart – Intermezzo 2: “A melhor conversa é sem arte, sem cálculo”

                                                                                           Foto: Gilberto G. Pereira
Esquina da Rua 7 com a 2ª Avenida, na East Village, Lower Manhattan, Nova York
    


No dia 18 de julho de 2016, passei pelo McSorley's Old Ale House e não sentei para tomar uma cerveja. Sequer tirei uma foto. Para falar a verdade, nem percebi que estava passando pelo famoso e histórico bar de Manhattan.

Eu sabia que McSorley's é considerado o bar mais antigo de Nova York, porque está no delicioso posfácio que João Moreia Salles escreveu para O segredo de Joe Gould (livro de Joseph Mitchel de 1964 na edição da Companhia das Letras de 2003), traçando um perfil de Joseph Mitchel que havia escrito um perfil do bar na década de 1940.

João Moreia Salles não sabe apenas fazer documentários premiados, sabe escrever também. Do bar que não visitei, ele disse:

“Cercado de todos os lados por lojas de franquia, permanece do jeito que Mitchell o descreveu há sessenta anos. Podemos entrar, limpar a lama do sapato batendo o pé no chão (é hábito da casa; nada de capachos, a serragem espalhada pelo piso dá conta da sujeira), esquentar as mãos no fogareiro de carvão, pagar dois dólares por uma caneca de cerveja (escura ou clara, produção própria), ir até um canto, espantar o gato da cadeira e nos sentarmos para a ver a vida passar. Horas mais tarde, ao pôr o pé na calçada, quem quiser pode prestar uma pequena homenagem a Joseph Mitchell. Basta ler em silêncio a frase petulante estampada no canto direito da vidraça, para serventia dos que passam na rua: ‘McSorley's: Nós estávamos aqui antes de você nascer.’”

Quando passei pelo bar sem vê-lo, eu estava indo para a Praça Tompkins, que fica na East Village, esquina da Avenida A com a Rua 7. Estava com a câmera. Fotografei muita coisa na Rua 7. Passei por li.

Ainda me lembro de ter lido as palavras “Old Ale House”, mas não me toquei que era o bar que eu queria ver. Tampouco tive o trabalho de fotografar. O nome McSorley's passou batido na minha atenção, por um ato falho talvez.

Só quando cheguei ao hotel, lendo as anotações de meu roteiro, é que vi a besteira que fiz. O McSorley's fica na Rua 7, número 15, na East Village. Não daria mais tempo de voltar lá. Essas coisas parecem besteira, mas constroem um texto na alma da gente, porque senão, qualquer ação seria bobagem, até mesmo viajar para um lugar específico. Poder-se-ia, então, jogar mal-me-quer, bem-me-quer para escolher o destino da viagem. McSorley's, portanto, estava na minha lista por um fator de desejo, como a cidade.

Na hora em que passei por lá, talvez já estivesse aberto, era mais de meio-dia. Era só entrar, pedir uma cerveja, procurar o gato, tirá-lo da cadeira e sentar. Paguei 4 dólares por cervejas ruins em Nova York, e sete dólares por um chope claro muito bom. Talvez a cerveja no McSorley's não seja mais dois dólares, mas valeria a pena.

E na minha solidão de turista, nessas horas (porque minha família nem estava comigo e não me acompanharia num botequim para um dedo de prosa), talvez eu me lembrasse da frase de Mitchell, citada por João Moreia Salles:

“Acredito que, do ponto de vista da conversa, as pessoas mais interessantes são homens reunidos num bar, jogando conversa fora para combater a solidão. Também mulheres no sol em torno de seus bebês, falando sobre como foi a semana ou sobre o aumento do preço da carne. A melhor conversa é sem arte, sem cálculo.”


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