Foto: Gilberto G. Pereira
Biblioteca Pública do Bronx (prédio da esq.), na Franklin Ave. com a East 169, na Morrisania
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Como toda cidade grande, Nova York também tem seus ícones
da miséria. A cidade não leva turista para passear nos esgotos, por exemplo. Mas
é bom lembrar que a ficção sempre nos convida para o underground nova-iorquino,
como o filme Joe e as baratas,
protagonizado por Jerry O'Connell, e o universo psicodélico das tartarugas
ninja que cresceram nos subterrâneos da cidade.
Os ratos, a pobreza, os esgotos, tudo isso está no
substrato escondido da chiqueza esplendorosa de Manhattan. Produzido pela MTV, Joe e as baratas mostra esse tipo de sujeição
a que os mais pobres se submetem.
A violência, o racismo, a fome nos porões da miséria encontram-se
no mesmo veio das oportunidades e da riqueza sorridente refletindo nos espelhos
e no concreto erguido como pelos eriçados na pele plana da ilha.
Quando senti vontade de morar em Manhattan, não me esqueci
dessas questões. Morar ali sendo garçom, nem pensar. Só haveria trabalho e
desgaste físico e emocional. Não haveria espaço para o gozo. Falo de mim. Há
quem tenha muita energia para não só começar como garçom, mas ir além, e
tornar-se dono de uma rede de restaurantes.
O filme A pequena
loja dos horrores, adaptação de um musical da Broadway, é um clássico da
figura da miséria e da favela em Nova York. Dois amigos têm uma floricultura
onde passam o tempo se lamentando por não conseguirem escapar da pobreza da
cidade.
A metáfora terrível de sua monstruosidade é uma flor
carnívora que suga o sangue humano. É uma comédia de humor negro, um “terrir” que
lê bem o texto de encanto e desencanto da Big Apple.
O drama Viver sem
endereço, com Jennifer Connely, de 2014, com direção de Paul Bettany, é um
exemplo recente do mesmo horror que é a marginalização da vida desde sempre, em
qualquer lugar. A história se passa em Nova York, mostrando que nem tudo é ouro
por lá.
Humanamente rico
O Bronx, por ser pobre, tem uma riqueza diferente da de
Manhattan, a riqueza humana da diversidade, e olha que é difícil porque
Manhattan também é humanamente rica. A diferença talvez seja o modo como essa
riqueza humana se constrói no Bronx, sem os recursos materiais de Manhattan.
Negros do continente africano se misturam aos latinos do
caribe, aos asiáticos e aos negros da diáspora escravista. No livro Histórias de duas cidades: o melhor e o
pior da Nova York de hoje, de John Freeman (org.), Garnette Cadogan lembra
que o distrito do Bronx tem bairros com alta taxa de criminalidade e pobreza
extrema, mas tem também pessoas que não recusam conversas e sorrisos a quem
ousa caminhar por lá.
Houve uma época em que o Bronx recebia uma grande leva de
famílias de judeus e outros europeus pobres. Muitas destas famílias conseguiram
se reerguer, mudando-se para Manhattan ou South Brooklyn, que hoje é um lugar
de bacanas, como Park Slope, que sofre o processo de gentrificação. O Harlem
também está passando por isso.
Nomes como Stanley Kubrick, Moss Hart, Lauren Bacall, Woody
Allen, Marshall Berman e Harold Bloom nasceram no Bronx. Todos judeus, filhos
de pais anônimos e pobres. Todos se tornaram artistas e escritores famosos no
mundo inteiro.
Um brilho no escuro
Em algumas entrevistas que podemos assistir ou ouvir no
Youtube, vemos Harold Bloom narrar sua experiência de criança pobre no Bronx. Cresceu
numa família que só falava ídiche com ele, e aprendeu inglês sozinho na
Biblioteca Pública do Bronx, aos 4 anos de idade.
Bill Finger, co-criador da série de HQs Batman, nasceu em Denver, no Colorado,
mas morou no Bronx quando criança e morreu em Manhattan. Foi Bill Finger quem
deu o nome fictício de Gotham City para a cidade de Nova York no mundo do Homem
Morcego.
Cuba Gooding Jr também nasceu no Bronx. O distrito mais
pobre de Nova York oferece uma perspectiva de riqueza maravilhosa, talvez a
riqueza mais importante, a riqueza humana, o lastro de luz que faz o mundo
brilhar quando tudo está escuro.
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