Foto: Gilberto G. Pereira
Rua São Francisco, na direção do Lago da Ordem, centro de Curitiba
De Curitiba
É como aquela contenda poética de Vinicius de Moraes.
Livros é como filhos, com a diferença de que a questão é por que lê-los, mas se
não lê-los, como sabê-lo. Para qualquer lugar a que vou, compro livros. Se fosse
ao Egito, tentaria comprar o Livro dos mortos,
para aumentar minha argúcia sobre a vida. Nestas férias, estou num lugar mais
perto de minha casa que o Cairo. Estou em Curitiba.
Gosto de Curitiba, apesar da fama da cidade de não gostar
de forasteiros. Mas o que vejo na capital paranaense, que não costumava ver na
primeira vez que vim para essas bandas, em 2001, é uma diversidade de gente nas
ruas cada vez maior.
Boa parte dessa mistura se deve ao número de turistas
saracoteando pela Rua XV, Largo da Ordem, Praça Osório, ou na Praça Tiradentes,
pegando o ônibus panorâmico para conhecer os belos parques da cidade. Isso
significa que Curitiba está recebendo bem seus turistas. Outra parte é a de
imigrantes mesmo, de pessoas de outras regiões do país que vêm tentar a sorte
no Sul.
Uma
das coisas que adoro fazer em Curitiba é beber chope no Bar do Alemão, no Largo
da Ordem. Quem frequenta a casa sabe que há uma bebida chamada Submarino, uma
caneca de chope dentro da qual coloca-se uma canequinha de louça cheia de steinhäger
(um destilado alemão) que vai se misturando ao chope enquanto bebemos. A
canequinha pode ser levada pra casa. Já tenho uma coleção.
Gosto de fazer o passeio turístico, aquele do ônibus
panorâmico que vai pingando turistas pelos parques da cidade. Há muitas outras
atrações: folhear livros na Livraria Cultura do Shopping Curitiba, e
eventualmente comprar um ou dois, comer e beber alguma coisa no Arrumadinho; folhear
livros na Biblioteca Pública. E este ano descobri a Estofaria, a menina dos
olhos etílicos do meu cunhado, no Hugo Lange.
Entes de carne e
osso
Morei em Curitiba de 2002 a 2005, e li muitos livros na
Biblioteca Pública do Paraná (BPP), onde corre uma história de que o prédio foi
construído sobre um cemitério. Dizem as línguas soltas e imaginativas que
alguns guardas tremem na base e saem correndo, largando o emprego e tudo,
quando veem sombras suspeitas. Já outros fazem amizades com fantasmas e até
transmitem recados para parentes vivos dos mortos de tempos antigos e de agora,
que se reúnem por ali para eventuais encontros com entes de carne e osso.
Anedotário à parte, observando o acervo da BPP, percebi
que muitos livros novos, e bons, que chegam à instituição têm o carimbo de
doação de cidadãos, e não exatamente de outras instituições ou de compras.
Essas outras fontes também existem, e até com mais força
do que a primeira, mas é aquela que me encanta porque mostra a dinâmica de
leitura da sociedade e seu caráter de passar adiante o saber. Não sei se ainda
é assim, mas testemunhei isso em meus tempos de carteirinha. Antes que um dos
três leitores deste blog me julgue ingênuo, devo dizer que sou leitor do
saudoso Jamil Snege, tenho inclusive em minha estante Como ser invisível em Curitiba, e tenho também Chá das cinco com o vampiro, de Miguel Sanches Neto. Conheço o solo
em que piso.
Aquisições
Nos dias de hoje, quando venho para Curitiba, sempre
compro uns livros. Sempre compro livros diferentes daqueles que tenho na minha
linha de frente para a leitura, e acabo atropelando meus objetivos. Agora mesmo
está rolando uma feirinha no Shopping Estação. Passei por lá com meu cunhado.
Comprei dois livros. Comprei O ano literário:
2002-2003, de Wilson Martins (1921-2010), crítico de literatura que tive o
prazer de conhecer justamente em 2003, quando ele ainda publicava no jornal O Globo e na Gazeta do Povo.
Alguns dos textos, portanto, eu já conhecia. Mas a maioria
esmagadora, não. E o interessante é que essas coletâneas do Ano literário são muitas. É mais ou
menos como outra sequência grandiosa de textos de Martins, Pontos de vistas (14 volumes). Mas me contento com minha aquisição.
É mais que me deliciar com seus textos, é uma formação
sobre como ler um livro literário, sobre o que de fato faz a diferença na leitura
judicativa e na leitura a esmo, em que não se busca nenhum diferencial de
compreensão do mundo pelo texto literário.
A leitura nos ajuda a compor um visão ampla da realidade,
unindo o saber literário com a capacidade de olhar o mundo e arrancar significados
novos da vida. Refina o gosto. Isso a gente aprende lendo, e lendo Wilson
Martins aguça-nos certa inteligência, embora outro grande leitor que admiro,
Haroldo de Campos, não se bicava com o saudoso crítico e chegou a proferir a
seguinte provocação: “O Brasil é o único país do mundo que tem uma história da
inteligência escrita por uma pessoa que não prima pela inteligência.”
Campos se referia ao livro História da inteligência brasileira, publicado em sete volumes, em
que Martins faz um levantamento crítico das obras fundamentais do Brasil desde
a Colônia, garimpando as raízes da inteligência nacional que foram forjando o
pensamento brasileiro.
Junto com O ano
literário, comprei ainda um velho livro do Zuenir Ventura que eu havia lido
na época da faculdade de Jornalismo na Universidade Federal de Goiás.
Intitulado, Mal secreto: inveja (da
Coleção Plenos Pecados, da Editora Objetiva, de 1998), o livro ainda me interessa
pela fluidez da prosa, pelas tiradas conceituais sobre inveja que são muito
boas. Numa delas, Vera Loyola, a socialite, diz que inveja não é querer o que o
outro tem, é querer que o outro não tenha.
A feirinha no Shopping Estação é da Top Livros, e vende
todos os livros a R$ 10. Vai até o final de janeiro. Para quem procura livros
raros ou grandes achados, talvez se decepcione, mas há sempre alguma coisa
interessante perdida entre a massa de livros pedindo pra serem lidos. Ainda
posso voltar lá. Estou entre a certeza e a ameaça.
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