quarta-feira, 6 de agosto de 2008

O lirismo e o sarcasmo - Biografia Mínima de Martin Seymour-Smith

Seymour-Smith, comparado a Samuel Johnson por Anthony Burgess

Um homem tenso, febril, raivoso feito um touro, cabisbaixo, feio, antiquado, barbudo e tagarela incontrolável, que raramente deixa alguém ter a palavra.

É assim que Martin Seymour-Smith se autodescrevia, segundo a jornalista Sarah Lyall, no obituário do escritor para o jornal norte-americano The New York Times, em julho de 1998.

É uma imagem caricaturesca de si mesmo, mas revela seu senso de humor. Inteligente, extremamente culto, polêmico e dono de um texto deliciosamente sarcástico, lírico e certeiro, Seymour-Smith lia muito bem em 20 línguas, entre elas, o português.

No Brasil, é conhecido como o autor de Os cem livros que mais influenciaram a humanidade, o único traduzido para o português, uma espécie de compêndio literário que vale pelo estilo e pelas explicações bem argumentadas e vastas, que às vezes devastam.

Entre seus livros mais conhecidos está The new guide to the modern world literature (O novo guia da literatura do mundo moderno), um catatau de 1400 páginas comentando, com muita propriedade, todas as literaturas do mundo.

Também são muito lidos Who’s who in twentieth century literature (Quem é quem na literatura do século XX) e as biografias Robert Graves: his life and work, Thomas Hardy – a biography e Rudyard Kipling – a biography.

O escritor britânico Anthony Burgess (1917 - 1993), autor de Laranja mecânica, o comparava a Samuel Johnson (1709 - 1784), um dos maiores críticos literários da história, justamente pelo largo campo de interesse e o destemor apaixonado de seus julgamentos.

Ele não tinha receio de expressar sua opinião. Em The new guide, diz que o argentino Jorge Luis Borges era um homem supremamente inteligente e original na prosa, mas que sua poesia era inadequada, na melhor das hipóteses, um pastiche menor.

Sobre o colombiano Gabriel García Márquez, diz que o poder de sua escrita vem de sua pálida inocência e que “García Márquez é engraçado, mas nunca gaiato. Pode não ser o maior escritor sul-americano da modernidade, mas ninguém é mais cômico do que ele.” Eis aí uma frase ambígua.

Ainda em The new guide, diz que T. S. Eliot (1888 - 1965), como crítico literário, é grande, mas é um poeta menor. E em Os cem livros que mais influenciaram a humanidade, ele pinta Eliot como “anti-semita e secretamente um fascista, cujos versos não são muito mais do que uma antologia e amálgama do talento de outros homens.”

Filho de uma poeta e um bibliotecário, Seymour-Smith nasceu em 24 de abril de 1928, em Londres. Garoto prodígio, aos 14 anos de idade procurou Robert Graves, que já estava com 47 anos, para discutir as implicações do poema The Legs, que o tocava profundamente.

O poema de Graves começa apontando para uma determinada estrada, que abarca todas as direções, cujo tráfego é feito de pernas, só pernas, sem o resto do corpo, que andam sem parar. O poema imprime um ritmo de longa caminhada, passo a passo, com a determinação de quem vai com a cabeça erguida, mas, na verdade, sem pensar, já que não há cabeça, conforme o trecho abaixo (para ler o poema todo, clique aqui).

“There was this road,
And it led up-hill,
And it led down-hill,
And round and in and out.

And the traffic was legs,
Legs from the knees down,
Coming and going,
Never pausing.

(…)”


De acordo com Robert Nye, no jornal londrino The Independent, também por ocasião da morte do escritor, Seymour-Smith se sentiu tocado pelo poema porque fala “do mérito de se fazer o próprio caminho e resistir a qualquer pressão para se acomodar.” Segundo Nye, este também foi o tipo de conduta que Seymour-Smith soube executar por toda a sua vida, apesar dos altos e baixos. Mas o poema pode dizer também da falta de sensibilidade para se olhar ao redor, e talvez esteja aí as inúmeras discussões entre Graves e Seymour-Smith.

Pela ocasião do encontro, travou-se ali uma amizade que durou até o fim da vida do autor de The Legs, que morreu aos cem anos, em 1985. O entendimento entre os dois era tão bem alinhado que, após se graduar com louvor em Oxford, Seymour-Smith acabou se tornando tutor dos filhos de Graves.

Por sua vez, Graves via em Seymour-Smith um igual, um parceiro poético à sua altura, que compartilhava com ele a paixão por mitologia, magia e a natureza da linguagem. Foi em razão disso que Seymour-Smith ajudou Graves na pesquisa para o livro de teoria do mito poético, A deusa branca, de 1948.

Além de crítico literário, polemista e biógrafo, Seymour-Smith também era poeta e editor. De acordo com um texto biográfico publicado na Wikipedia, ele começou como um dos mais promissores poetas britânicos do Pós-Guerra. Mas não chegou a ser reconhecido por isso.

Entre seus livros de poesia, o mais celebrado, segundo os críticos, foi Reminiscences of Norma, cujos 13 poemas falam do amor sexual em todas as tonalidades de arrebatamento e dor. Em 2005, foram publicados seus Poemas Escolhidos.

Ao todo, escreveu mais de 40 livros e, em meio a sua produção de crítica, biografias e poemas, há um estranho no ninho, seu livro sobre astrologia, The New Astrologer.

Seymour-Smith morreu no dia 1º de julho de 1998, em sua casa, no condado de East Sussex, Inglaterra. Era casado e pai de duas filhas, Charlotte e Miranda. Sua mulher, Janet, faleceu dois meses depois da morte de seu companheiro de quase cinco décadas.

Segundo Nye, Janet era uma espécie de parceira intelectual de Seymour-Smith, e muito da pesquisa para The new guide to the modern world literature deve-se a ela.

Nye também diz que Seymour-Smith trabalhava duro (geralmente por pouco dinheiro), mais do que qualquer outro escritor de sua geração, e a poesia, incluindo escrever e ler poemas, era a essência de seu lar.

No Brasil, dificilmente alguém se interessará em traduzi-lo e publicá-lo. Tudo que será lido dele em português, provavelmente, continuará sendo Os cem livros que mais influenciaram a humanidade. Mas é o suficiente para sentirmos a presença de um espírito extraordinário.

4 comentários:

Zé Claudio Matos disse...

Olha, o que há de lamentável no texto de Seymour-Smith em seu "100 livros que mais influenciaram a humanidade" é sua tendenciosa propaganda religiosa. Ele cobra um vago "sentimento religioso" de pessoas como Maquiavel e Simnoe de Beauvoir. E relaciona Husserl e a fenomenologia coma Cabala. Na verdade ele faz demasiadas referências ao movimento gnóstico e à Cabala judaica. Referências irritantes porque parecem um eterno retorno.
Fora isso, de fato é um autor sensível e perspicaz que escreve elgantemente sobre muitos assuntos.

Gilberto G. Pereira disse...

Acho que seu comentário foi brilhante. Você tem um alcance maior que o meu, talvez por leituras mais acertadas, ou talvez pela perspicácia mesmo mais acurada. Em todo caso, obrigado pela visita.

Seán Haldane disse...

Ume leitura tarde do seu commentario.. Como amigo de Martin estou seguro que ele seria contente das suas percepcoes. No 'Guido' ele fiz comentarios interessantes sobre poetas brazileiros, per esempio Andrade. Lastima que nao conecia os poemas de Vinicius quando escriu o livro...
Sean Haldane

Gilberto G. Pereira disse...

Obrigado, Seán, pelas palavras e sobretudo por tê-las escrito em português! Vinicius de Moraes também me é caro e adoraria saber que Seymour-Smith, se o tivesse lido, teria gostado dele.
Thank you so much!