Vista aérea da Praça da Sé e sua Catedral, próximo ao marco zero da cidade
São Paulo nasceu como uma cidadezinha ordinária na segunda metade do século XVI, mais precisamente no dia 24 de janeiro de 1554, como todos sabemos. Continuou ordinária por muito tempo, pelo menos até o final de século XIX.
A partir de então, com o advento da ferrovia que saía do Porto de Santos e ia até Campinas, passando naturalmente por dentro da futura metrópole, e com a migração de italianos, alemães e outros povos no boom da cultura cafeeira, a cidade foi tomando corpo.
Segundo Roberto Pompeu de Toledo, jornalista que escreveu A capital da solidão, “‘um autor calculou que [São Paulo] tinha, no final do século XVI, 1.500 habitantes e 190 casas’”.
O primeiro censo de âmbito nacional, de 1872, mostrava que São Paulo possuía 31 mil habitantes. Menor que a população de oito cidades, entre elas Cuiabá, com 36 mil. Já no censo de 1890, a capital paulista contava com uma população de 65 mil pessoas.
E aí começa a ampliação vertiginosa: em 1893, já eram 130 mil habitantes, em três anos um crescimento de 100%. Se contarmos só os moradores do município e não da Grande São Paulo, em 2003 eram dez milhões e 500 mil pessoas, ou seja, um aumento de 7.700% em 110 anos. Hoje são 10,9 milhões de pessoas morando aqui.
O cemitério da Vila Formosa, um dos maiores da América Latina, já fez quase dois milhões de enterros. Cerca de 200 corpos são sepultados diariamente na cidade.
As personalidades ilustres da cultura de São Paulo até o fim do século XIX eram meio que acidentais. Padre Anchieta, no seu início; Álvares de Azevedo, que nasceu aqui, depois foi para o Rio, e só voltou para fazer a faculdade de direito e morrer, aos 20 anos de idade.
Castro Alves, o baiano que sentia “o borbulhar dos gênios”, transferiu seu curso de Direito para São Paulo e também figurava entre essas personalidades. De igual modo, fazia parte do grupo Luiz Gama, o negro abolicionista, advogado, poeta e jornalista baiano, que, segundo Raul Pompéia, outro ilustre, “‘havia para ele como que um trono em minha alma’”.
Depois, os ilustres já não eram tão acidentais assim. Em 1922, vieram os agitadores da Semana de Arte Moderna, Mário de Andrade, Graça Aranha, Paulo Prado, um dos que patrocinaram o movimento, e Oswald de Andrade, singular sujeito, criador do Manifesto Antropofágico, que pregava a idéia ímpar de consumir o então projeto de metrópole. Segundo ele, São Paulo era uma cidade feita para ser comida. Era preciso degustá-la.
Tudo isso aconteceu nas décadas de 20 e 30 do século XX. Mas hoje, num fenômeno de inversão escandaloso e obsceno, é São Paulo, a cidade-esfinge, quem devora muita gente, e para tanto basta não decifrar seu enigma, diariamente.
Hoje, com vida própria, sobrecarregada de energia, sentimento, arte, pulsação, solidão, desespero e morte, São Paulo é um monstro que se alimenta de homens. É também a bela que embala os sonhos e fomenta os desejos dos que se mantêm vivos, dos que ainda vivem.
Até hoje, ela é a capital da solidão. Mas essa solitude saiu das ruas e entrou nas pessoas mesmo; está agora alojada na alma, e para espantá-la é preciso ir para as baladas, ou tomar um chopinho em qualquer boteco.
A partir de então, com o advento da ferrovia que saía do Porto de Santos e ia até Campinas, passando naturalmente por dentro da futura metrópole, e com a migração de italianos, alemães e outros povos no boom da cultura cafeeira, a cidade foi tomando corpo.
Segundo Roberto Pompeu de Toledo, jornalista que escreveu A capital da solidão, “‘um autor calculou que [São Paulo] tinha, no final do século XVI, 1.500 habitantes e 190 casas’”.
O primeiro censo de âmbito nacional, de 1872, mostrava que São Paulo possuía 31 mil habitantes. Menor que a população de oito cidades, entre elas Cuiabá, com 36 mil. Já no censo de 1890, a capital paulista contava com uma população de 65 mil pessoas.
E aí começa a ampliação vertiginosa: em 1893, já eram 130 mil habitantes, em três anos um crescimento de 100%. Se contarmos só os moradores do município e não da Grande São Paulo, em 2003 eram dez milhões e 500 mil pessoas, ou seja, um aumento de 7.700% em 110 anos. Hoje são 10,9 milhões de pessoas morando aqui.
O cemitério da Vila Formosa, um dos maiores da América Latina, já fez quase dois milhões de enterros. Cerca de 200 corpos são sepultados diariamente na cidade.
As personalidades ilustres da cultura de São Paulo até o fim do século XIX eram meio que acidentais. Padre Anchieta, no seu início; Álvares de Azevedo, que nasceu aqui, depois foi para o Rio, e só voltou para fazer a faculdade de direito e morrer, aos 20 anos de idade.
Castro Alves, o baiano que sentia “o borbulhar dos gênios”, transferiu seu curso de Direito para São Paulo e também figurava entre essas personalidades. De igual modo, fazia parte do grupo Luiz Gama, o negro abolicionista, advogado, poeta e jornalista baiano, que, segundo Raul Pompéia, outro ilustre, “‘havia para ele como que um trono em minha alma’”.
Depois, os ilustres já não eram tão acidentais assim. Em 1922, vieram os agitadores da Semana de Arte Moderna, Mário de Andrade, Graça Aranha, Paulo Prado, um dos que patrocinaram o movimento, e Oswald de Andrade, singular sujeito, criador do Manifesto Antropofágico, que pregava a idéia ímpar de consumir o então projeto de metrópole. Segundo ele, São Paulo era uma cidade feita para ser comida. Era preciso degustá-la.
Tudo isso aconteceu nas décadas de 20 e 30 do século XX. Mas hoje, num fenômeno de inversão escandaloso e obsceno, é São Paulo, a cidade-esfinge, quem devora muita gente, e para tanto basta não decifrar seu enigma, diariamente.
Hoje, com vida própria, sobrecarregada de energia, sentimento, arte, pulsação, solidão, desespero e morte, São Paulo é um monstro que se alimenta de homens. É também a bela que embala os sonhos e fomenta os desejos dos que se mantêm vivos, dos que ainda vivem.
Até hoje, ela é a capital da solidão. Mas essa solitude saiu das ruas e entrou nas pessoas mesmo; está agora alojada na alma, e para espantá-la é preciso ir para as baladas, ou tomar um chopinho em qualquer boteco.
Embora seja melhor ir aos barzinhos da Vila Madalena, onde, certa vez um sujeito me disse: “é o único lugar com vida noturna em São Paulo”. Ou seja, o resto é mesmo solidão, esquecimento, trânsito, morte e aporrinhamento. E a arte? E a arte? É tudo isso. Que maravilha! “E il naufragar m’è dolce in questo mare.”
4 comentários:
Meu caro Amigo,
A Dama negra da lotação chamada Solidão lhe degusta a alma como um petisco de Babette...Desvairadamente deliciosa, Sampa (ou a Tia Paulistana de Caê), Não abandona seus rebentos, mas que ela é assustadora viúva negra devoradora de homens e filhos, ah -isso ela é.
Odeio achismos, mas acho que seu lado feminino precisa, com urgência, aflorar, pois a solidão (talvez por ser um substantivo feminino) prefere os machos de plantão...Preciso ir, depois continuo a terapia. Flávia Jung.
Hahaha! Muito boa, essa, Flávia Jung. Se meus 15 leitores (aumentou da última vez que falei de leitores - rs) postassem comentários assim, me sentiria mais motivado a escrever (é o meu salário - rs).
A solidão me é cara mesmo, embora eu a sinta muito mais conceitualmente, em vários matizes, do que psicologicamente, ainda mais agora que, ao olhar nos olhos de minha filhinha, sinto que não estou só (pelo menos por enquanto -rs), porque vejo neles duas almas que se cruzaram e se presentearam, oferecendo uma vda inteira.
Mas a solidão dá pano pra manga, e as mulheres também sofrem disso na literatura, embora as personagens que eu conheço melhor são desenhadas por homens, como Bovary.
Além disso, a solidão não é fenômeno sempre negativo. A filosofia, por exemplo, a designa em dois sentidos. No primeiro sentido, é o isolamento na busca de melhor comunicação, que é a situação do sábio. No segundo, é patológica.
No caso dos textos em meu blog, falo da solidão na literatura. Não é filosófica, mas tambem não chega a ser patológica. Trata-se de uma situação extremada da existência.
Pois eu (lá vamos nós com os achismos...), acho que a solidão é Patalógica, porque se a Maga tivesse algo ou alguém que a acompanhasse física, mental ou espiritualmente, não ficaria atormentando o avarento Patinhas na tentativa vã e Disneyilógica de roubar a moedinha nº1. Aí sim, Patinhas (um pato, portanto elemento masculino) poderia ficar a sós com seu precioso amuleto da sorte e, com ele (outro elemento masculino), afundar-se na solidão bucólica e metálica,
ilusória e cinética,
idolátrica e psicótica
do vil métalllllllll.
Flávia Maiden.
Logo, se eu levar em consideração o que você escreveu na primeira mensagem "a Solidão lhe degusta a alma", eu estou (ou sou?) doente (rs). Sofro de solidão, seria minha declaração sólida.
Agora me veio uma questão fundamental. Quem sofre de solidão (considerando sua maneira de vê-la) é o quê? Solidético? Solidoso? Solidente? Solibundo? Solidunto? Solidático? Solifrênico? Soliluco? Solilouco? Solipata (não considerando o Tio Patinhas)? Solilóquio? Soliletras? Solimundo? Solimente?
Em todo caso, a leitura é um exercício da solidão. Doente ou não, tenho um considerável grau de solitude. Mas não chega, claro, ao nível de um Nietzsche. Nem pela leitura, nem pelo pathos, nem, muito menos, menos, pelo raio de luminosiddade, que só, clareava, clareou e clareia um mundo inteiro de inteligência.
Um abraço, Flávia, amiga e leitora.
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