quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Gulliver-Black: uma viagem


O recente filme As viagens de Gulliver, que pega emprestado algumas coisas do clássico de Johnatahn Swift, não me parece se propor ficar à altura do romance irlandês.

Protagonizado por Jack Black, que fez o bom Escolinha do rock, o filme não traz nada de animador e Black não tem graça nenhuma. Foi feito para crianças, mas não acho que seja marcante nem mesmo para os enfants de hoje.

Algumas comparações: O Gulliver de Black é solteiro, imaturo, bobalhão e franco atirador de piadinhas sem graça. É falsário, plagiador e jornalista (seria por isso?).

O Gulliver de Swift é casado, irônico, sagaz, bom observador e mentiroso de primeira linha. É sarcástico, dotado de uma incrível capacidade de fazer prognósticos e relatos, e é médico. Em suas memórias de viagens, faz uma leitura paralela, arrasadora e real dos costumes humanos.

A mim me parece que um real filme sobre As viagens de Gulliver teria de ser narrado, o próprio Gulliver teria de narrar essas aventuras passadas em Lilipute, Blefuscu, Laputa, Balnibarbi, Luggnagg, Glubbdubdrib, Japão e no país dos Houyhnhnms.

O que acontece, no entanto, é uma narrativa plana, sem off, em que Gulliver é arrastado por uma tediosa historinha que leva em conta apenas o cenário dos mínimos homens de Lilipute e dos gigantes de Blefuscu.

Entrementes, a adaptação à contemporaneidade traz uma saraivada de citações sem controle, como cenas de Cyrano de Bergerac, de Edmond Rostand, Titanic e Avatar, de Cameron, Escolinha do rock, James West, Transformers, e até o seriado blockbuster Glee.

Um colega de Gulliver (Black) diz a ele: “Você é bem humorado e até divertido, às vezes”. Mas é só isso. O personagem na pele de Black não empolga. À primeira vista, pensa-se que o Gulliver de Black é só um bobalhão, mas logo se vê que a estultícia está em quem escreveu o roteiro, Joe Stillman e Nicholas Stoller.

A direção é de Rob Letterman. Há uma ressalva nessa minha célere leitura. No original de Swift, por onde passa, Gulliver acaba se dando bem, encontra um protetor. Entre os Blefuscus, por exemplo, uma menina de nove anos o protege dos perigos de gatos e ratos e tutti quantti.

No filme, pelo contrário, a menina é normal, uma pestinha que faz de Gulliver-Black a sua boneca secundária. Procurei o filme em busca de imagens do livro, como quando Gulliver está na ilha voadora, ou junto ao governador feiticeiro que evoca mortos (Machado de Assis passou por ali).

Debalde, esperei reencontrar Gulliver no país dos Houyhnhnms, cavalos inteligentes e civilizados que escravizam animais de forma humana chamados Yahoos. Esta é a quarta parte do livro de Swift, a mais corrosiva, a mais constrangedora a nós humanos, em que o narrador faz severas observações de quem somos e como vivemos.

Sinceramente, acho Jack Black engraçado. Mas em Gulliver, ele aparece de maneira patética e desinteressante. Só os efeitos especiais podem se salvar. Em todo caso, não procurarei outras versões.

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