sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Benjamin, Proust e os séculos



Nem sempre proclamamos em voz alta o que temos de mais importante a dizer. E, mesmo em voz baixa, não o confiamos sempre à pessoa mais familiar, mais próxima e mais disposta a ouvir a confidência.

“Não somente as pessoas, mas também as épocas, têm essa maneira inocente, ou antes, astuciosa e frívola, de comunicar seu segredo íntimo ao primeiro desconhecido.

“No que diz respeito ao século XIX, não foram nem Zola nem Anatole France, mas o jovem Proust, o esnobe sem importância, o trêfego frequentador de salões, quem ouviu, de passagem, do século envelhecido, como de um outro Swann, quase agonizante, as mais extraordinárias confidências. Somente Proust fez do século XIX um século para memorialistas.

“O que era antes dele uma simples época, desprovida de tensões, converteu-se num campo de forças, no qual surgiram as mais variadas correntes, representadas por autores subseqüentes. Walter Benjamin, A imagem de Proust, In: Obras Escolhidas – Magia e Técnica, Arte e Política (Editora Brasiliense, tradução de Sergio Paulo Rouanet).

De Benjamin, inócuo falar aqui. Gênio da observação. Esta passagem é bela pela serena construção do argumento. O leitor se depara com uma limpidez incrível de raciocínio. A partir dela, eu fico me perguntando, quem de fato ouviu as confidências do século XX, na literatura, com todo o rol de talento que tivemos e ainda temos?

É claro que o espaço é amplo, a geografia literária aumentou bastante, as ideias parecem pulular, embora muita coisa que se vende, a que se tem acesso pareça estar entre as mesmas capas. Além disso, os procedimentos literários parecem estar sob uma ditadura estética, muito dela, inclusive, fixada pelo próprio autor de Os prazeres e os dias.

Proust nasceu em 1871 e escreveu Em busca do tempo perdido, ou pelo menos o finalizou, nos últimos 20 anos de sua vida. Ou seja, entre 1900 e 1922. Neste caso, guardando todas as proporções, talvez o grande ledor do século XX, o confidente do breve século, ainda esteja entre nós, com a pena em punho, a traçar o texto de sua vida e de todos nós, que nascemos lá atrás, quando a internet ainda era um sonho de maluco.

Um novo século nasce agora, ao redor de nossos olhos atônitos. E ainda nem sabemos de fato (ou direito) o que foi tudo aquilo que jorrou da fonte do século passado.

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