quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Entre o passado e o futuro: experiência e memória, vida e morte

Wiesel: Nobel da Paz de 1996

Elie Wiesel nasceu na Romênia em 1928. Por ser judeu, foi levado com a família para o campo de concentração de Buchenwald, na Segunda Guerra Mundial. Sobreviveu, junto com duas irmãs. Mas os pais e a irmã mais nova morreram.

Ao ser libertado pelas tropas aliadas, em 1945, foi morar em Paris onde estudou na Sorbonne e trabalhou como jornalista. Hoje é cidadão norte-americano e vive em Nova York.

Aos 30 anos, publicou seu primeiro livro, A Noite, que se tornou um clássico da temática do Holocausto, contando as experiências vividas no campo de concentração. Depois disso, escreveu mais de 30 livros, muitos dos quais retratando essa época.

Memória a duas vozes (com François Miterrand), Holocausto: canto de uma geração perdida, Testamento de um poeta Judeu assassinado, Almas em fogo: perfis e lendas dos mestres hassídicos, O tempo dos desenraizados e Sinais do êxodo, são alguns de seus títulos. Recentemente saiu no Brasil O caso Sonderberg, que de certa forma também trata do período cáustico do Nazismo.

Apesar de ser um escritor de talento, Wiesel não ganhou o Prêmio Nobel de Literatura, ganhou o da Paz, em 1996. Isso porque foi reconhecido por sua luta contra o racismo de toda natureza, contra as perseguições e mortes por causa de religião ou origem étnica, no mundo inteiro.

Em seu discurso Esperança, Desespero e Memória, proferido por ocasião da entrega do Prêmio Nobel, Wiesel enfatiza o poder da memória como norte da humanidade, que, estando entre o passado e o futuro, tem de assumir ambos para construir um significado na vida.

Reconciliação

Quando se fala assim, sem um exemplo, tudo parece muito abstrato. Mas basta recorrermos à história dos campos de concentração, do horror que muitas pessoas viveram lá, para se entender o que Wiesel quer dizer. Como ele, muitos outros autores tiveram de encarar o passado para continuar vivendo. Tiveram de fazer de suas experiências literatura, como Primo Levi, Jean Améry, Tadeusz Borowski, entre tantos outros.

Borowski, na verdade, tentou. Escreveu um livro com o título irônico demais, corrosivo demais, tal como estava sua alma. This way for the gas, ladies and gentlemen (Senhoras e senhores, o gás é por aqui, em tradução livre). Mas não aguentou a barra de viver com as lembranças do passado, não conseguiu reconciliar passado e futuro, e morreu ainda jovem, se matando aos 29 anos.

Não é que tenhamos de remoer o passado, simplesmente. É preciso rememorá-lo para, a partir dessas experiências, apontar o norte do futuro. Nós, os negros, por exemplo, não estávamos inseridos num contexto técnico e de linguagem da civilização ocidental quando fomos arrancados da África para sermos escravos no novo continente.

Se nossos antepassados, que sofreram a escravidão aqui, tivessem tido a oportunidade de expressar a experiência que viveram, nossa realidade seria outra, hoje. Nossa consciência seria outra.

Voltando a Wiesel, em seu discurso, ele diz:

“Um homem não consegue viver sem sonhos, nem sem esperança. Se os sonhos refletem o passado, a esperança busca o futuro. Isso significa que nosso futuro pode ser construído em cima de uma rejeição do passado? Essa escolha não é necessária. Os dois elementos não são incompatíveis. O oposto do passado não é o futuro, mas a ausência de futuro. O oposto do futuro não é o passado, mas a ausência de passado. A perda de um equivale ao sacrifício do outro.”

Nosso passado se perdeu, e muito. A maioria dos registros sobre a violência que sofremos no passado (que perpetua ainda hoje por meio do cinismo da elite intelectual e dos argumentos erísticos de gente como Demétrio Magnoli) foi feita por autores que não sofreram na pele, nem trouxeram na memória, a dor daqueles tempos. Nesse sentido, nossa perda equivale à morte, até mesmo ao um suicídio.

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