“Um
negro orgulhoso de sua identidade étnica é para eles uma afronta intolerável, e
o negro desejar resgatar sua história e seus valores culturais, é puro racismo
às avessas.” Desde que Abdias Nascimento, combatendo a falácia racista
brasileira, fez esta observação, em 1982, na segunda edição de seu livro O
negro revoltado, muitas palavras voaram no horizonte do debate racial.
A
população negra hoje está mais consciente de sua força e de seu valor, mas o
racismo, cínico e quase sempre silencioso, ainda corrói as relações
interraciais no Brasil, como uma espécie de inimigo invisível, porque não é
institucionalizado, como foi na África do Sul, nem declarado como nos Estados
Unidos.
Se
por um lado não aparece o conflito direto, que causaria maiores danos à
sociedade de modo geral, por outro, a reparação de mais de 300 anos de
exploração sobre o corpo, a alma, a força de trabalho e o destino do negro
(escravidão) é mais lenta. E os danos que existem em função desse racismo que
perdura há cinco séculos só recaem, todos, na conta do negro.
Para
combater as injustiças e desigualdades raciais foi necessário criar o que se
chama de consciência negra, fazendo surgir movimentos que demonstravam a
importância da luta ideológica, da construção de heróis negros e instituição de
datas comemorativas. Foi a partir daí que se criou no Brasil o Dia Nacional da
Consciência Negra, celebrada em 20 de novembro, dia da morte do mais
representativo herói negro brasileiro, Zumbi dos Palmares, morto em 1695, após
anos de resistência contra a escravidão.
Mas
o que de fato caracteriza a consciência negra? Que elementos devem perpassar a
consciência individual e a coletiva que confirmam essa nova postura? De acordo
com o antropólogo e ativista negro, Alex Ratts, professor do Instituto de
Estudos Sócio-Ambientais da Universidade Federal de Goiás, a consciência negra
é o despertar do negro no reconhecimento de sua identidade étnica, sua origem e
seus valores que o faz se autoafirmar positivamente e reagir contra
manifestações racistas.
Segundo
Ratts, a ideia de consciência negra, como os movimentos contemporâneos definem,
nasceu nos anos de 1970, tanto na África do sul quanto no Brasil e nos Estados
Unidos. O termo foi criado por Steve Biko, pensador sul-africano que foi
assassinado pela polícia política do Apartheid, em 1977, por enfrentar o regime
racista e mostrar o exato valor da origem e da cultura do povo nativo.
É
claro que esta consciência sempre existiu em muitos líderes negros, brasileiros
e norte-americanos, bem antes da entrada de Biko no cenário da luta contra o
racismo. No Brasil, Abdias Nascimento vinha travando esse combate desde os anos
de 1940, quando criou o Teatro Experimental do Negro (TEN), atitude que ele mesmo
chamava de consciência antirracista.
Nos
Estados Unidos, antes de dois baluartes da luta contra o racismo, Martin Luther
King e Malcolm X, havia nomes como o de Marcus Garvey, precursor dos movimentos
negros que modificaram as relações raciais naquele país.
Mas
foi Biko o responsável pela tomada de consciência de milhares de pessoas que se
tornariam os líderes dos movimentos negros a partir daquela década. Muitos de
seus escritos podem ser encontrados no livro Escrevo o que eu quero, publicado
no Brasil em 1990, mas que atualmente está com edição esgotada.
De
acordo com Ratts, sob influência das ideias de Biko, autores brasileiros como
Hamilton Cardoso, Neusa Santos Souza e Beatriz Nascimento começaram a falar em
consciência negra. A partir daí, grupos inteiros foram formados com essa
expressão. “Eu, por exemplo, fiz parte do grupo União e Consciência Negra,
fundado em 1982 em torno da ideia segundo a qual a negritude não é dada, é uma
consciência que precisa ser construída”, diz.
No
bojo dessa diretriz clara de que a consciência negra precisava ser formada,
toda uma literatura passou a ser lida em português e inglês, colocando a ideia
de que ser negro não era só se identificar com a cor de sua pele. Segundo
Ratts, isso era fundamental, sem dúvida. “A cor da pele estava presente como
identidade também. Mas não era suficiente.”
A
construção dessa consciência, individual e coletivamente, onde a população
negra estivesse, fosse na África ou na diáspora africana (Brasil, Estados
Unidos, Jamaica), tinha de passar pelo reconhecimento de outros elementos.
Entre eles o político e o histórico, duas características fundamentais na
resistência contra o racismo. “Saber como o poder, na esfera das instituições
políticas e econômicas, sempre influenciou a situação do negro é uma questão
que está no centro dessa consciência”, diz Ratts.
Muitas
pessoas argumentam que o racismo não existe no Brasil citando justamente as
conquistas que os negros tiveram só depois de sua organização em torno de
movimentos que reivindicam mais atenção do Estado. Entre essas conquistas está
a criação da Fundação Palmares, instituída em 1989, ano em que também foi
sancionada a Lei Nº 7.716, a Lei Caó, que tipificou o racismo como crime
inafiançável, sendo modificada pela Lei Nº 9.459, de 1997.
Em
2003, foi criada a Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial
(Seppir), dentro da qual outras ações foram realizadas, como o apoio aos
movimentos quilombolas no país todo e a criação da Lei Nº 10.639/2003, que
institui a obrigatoriedade do ensino de história da África e da população negra
brasileira nas escolas de Ensino Fundamental, Médio e Superior.
Segundo
Ratts, embora haja dificuldades na aplicação desta lei, ela obriga a ter uma
visão refeita sobre a África e sobre o negro no Brasil. Em todo caso, não deixa
de ser uma conquista que está diretamente ligada a essa tomada de consciência
negra. Uma das primeiras características dessa nova postura foi notada ainda na
década de 1970, quando vários negros começaram a buscar nas universidades um
meio de combater as desigualdades raciais e a difundir os elementos da
consciência negra.
A
entrada do negro nas instituições de ensino superior, a partir dessa época, foi
uma ação consciente e fundamental para a constituição de grupos e núcleos de
estudos afrobrasileiros. O trabalho acadêmico de Ratts é justamente sobre a
trajetória dos intelectuais negros brasileiros, tendo inclusive publicado um
livro, Eu sou Atlântica, sobre Beatriz Nascimento, sergipana que morou no Rio
de Janeiro, de onde desenvolveu diversos estudos acerca dos problemas raciais
no Brasil.
De
acordo com Ratts, vários nomes despontaram nessa época, no Rio de Janeiro, São
Paulo, Maranhão, Bahia, Rio Grande do Sul, todos utilizando o espaço acadêmico
como espaço de ativismo para recolocar a questão do racismo e da categoria
raça. “Esses intelectuais produziram estudos muito importantes, que depois
dessa fase ficaram meio esquecidos. Mas agora estão sendo reabilitados”, diz.
O
grande diferencial desse grupo, no que diz respeito aos movimentos de
consciência negra no Brasil, é que eles souberam construir um espaço
privilegiado dentro das universidades. Até eles chegarem, a presença do negro
nas instituições de ensino superior era de forma muito isolada, com pessoas que
não se interessavam em lutar pelas causas do negro ou não sabiam como fazer.
“Quem
conseguia entrar para a universidade, cursava direito, medicina ou engenharia e
depois ia cuidar de sua vida. Eventualmente alguém escolhia a área de
humanidades, alguns artistas surgiam, mas não era nada de envolvimento
coletivo, ninguém mergulhava nas ciências sociais, antropologia, ciência
política, pensando no combate à desigualdade racial, sistematicamente”, avalia
Ratts.
Atualmente,
quase todas as universidades federais e estaduais, e algumas privadas, possuem
núcleos de estudos afrobrasileiros. Para se ter uma ideia de como isso avançou
no país nos últimos anos, em 2004 havia 15 núcleos no Brasil. Hoje são 70
núcleos, de acordo com a contagem de Ratts, que coordena o Núcleo de Estudos
Africanos e Afro-Descendentes (NEAAD/UFG). “Mesmo assim, depois de todas as
conquistas, o número de alunos e professores negros nas universidade
brasileiras ainda é irrisório” diz.
O
que não é irrisória é a maneira como essa consciência se alastrou para além dos
movimentos negros, alcançando a população negra de modo geral. Segundo Ratts,
há pessoas que nunca passaram numa reunião de um movimento, mas que têm essa
consciência. “Hoje esse discurso está em toda parte, não da mesma maneira,
claro, mas é abrangente.”
Ratts
diz que seu trabalho na antropologia segue a linha segundo a qual a cultura
circula. Nesse sentido, diz ele, pode ser encontrada uma expressão cultural
negra aqui no Brasil, no Uruguai e nos Estados Unidos (Nova Orleans), como a
lembrança do Rei do Congo, por exemplo, que aqui é celebrada nas festas das
congadas.
Segundo
ele, tudo isso é fruto dos movimentos de consciência negra que leva em conta o
sentimento da diáspora, aglutinando os valores do negro em torno de sua origem
em comum. Outro exemplo citado é a cidade de Catalão, onde é forte a festa das
congadas. “Lá não há um movimento negro, não há grupos políticos organizados em
torno dessa questão, mas as pessoas combatem o racismo, elas têm esse discurso
do movimento negro, sem ter entidades que se autointitulem como tais.”
A
consciência negra, portanto, passa pela consciência do corpo, de repensar a
construção da figura corporal, pela estética, o despertar do gosto pela arte
que trata dos valores negros, e das consciências políticas. Os negros conscientes
de sua origem repensam a escravidão, o racismo contemporâneo e sabem como
reagir a isso. Reação esta que não é só individual, é também coletiva.
(Gilberto
G. Pereira. Publicado originalmente na Tribuna do Planalto, 15/11/2009)
3 comentários:
PRECISO FAZER UM TRABALHO DE ESCOLA SOBRE CONCIENCIA NEGRA, É PARA ENTREGAR AMANHÃ DIA 31/10/11 OQ DEVO COLOCA.E ESTOU NA 5 SERIE POR FAVOR ME AJUDE
PRECISO FAZER O TRABALHO DE ESCOLA OQ DEVO COLOCAR ME AJUDE
Leia o texto acima e busque exemplos. Veja o filme Um grito de liberdade, que conta a história de Steve Biko, ou leia o livro Biko, no qual o filme se baseou. Leia a história de Marcus Garvey, a de Abdias Nascimento. Releia o seguinte trecho: "Mas o que de fato caracteriza a consciência negra? Que elementos devem perpassar a consciência individual e a coletiva que confirmam essa nova postura? De acordo com o antropólogo e ativista negro, Alex Ratts, professor do Instituto de Estudos Sócio-Ambientais da Universidade Federal de Goiás (UFG), a consciência negra é o despertar do negro no reconhecimento de sua identidade étnica, sua origem e seus valores que o faz se autoafirmar positivamente e reagir contra manifestações racistas." Agora procure contextualizar esse pouco de conhecimento. Quando um negro acha que negros tambem são racistas, é porque ele não tem consciência negra e muito menos sabe o que é racismo. Quando um negro houve um samba, dos bons, e percebe que ali há um tipo de ritmo que evoca África, um tipo de letra que fala à sua alma, à sua identidade, quando lê um livro como Recordações do escrivão Isaías Caminha e passa a reconhecer ali as agruras do negro, ele está começando a ter consciência negra. Então, sei que deve ser difícil pra você assimilar isso para segunda-feira, para a idade e a carga de leitura que deve ter, mas é por aí. Não há conhecimento sem um esforço mínimo, a menos que se seja um gênio. E, neste caso, imagino, a menos que seja uma pegadinha, você estara noutra. Um abraço e boa sorte!
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