Na segunda-feira passada (16/11), o Portal UOL traduziu um texto muito bom de Tomás Eloy Martinez, publicado em The New York Times, falando da descoberta de Clarice Lispector pelo primeiro mundo. É um texto entusiasmado, segundo o qual a nova onda de Lispector nos Estados Unidos é tão frenética quanto aquela que se fez em torno do chileno Roberto Bolaño.
Mas antes de falar de Clarice, Martinez tece os elogios de praxe ao Olimpo de nossa literatura.
“Em meados do século 20, o grande nome da literatura brasileira continuava sendo o de Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908), que escreveu uma sucessão de obras mestras mediante o simples recurso de observar atentamente a paisagem interior dos pensamentos e dos sentimentos para contá-los de uma maneira incomum, inesperada. Um de seus maiores herdeiros é João Guimarães Rosa, que impressiona mais do que tudo por seu virtuosismo verbal e pelo ouvido finíssimo com que capta a música das vozes do sertão, no nordeste profundo de seu gigantesco país.
Entretanto, a única filha direta e legítima de Machado de Assis é Clarice Lispector, cuja obra misteriosa começa a difundir-se nos Estados Unidos com tanto ímpeto quanto a de Roberto Bolaño. O chileno foi consagrado pela revista The New Yorker, e o influente The New York Review of Books rendeu tributo a Lispector com um ensaio extenso de Lorrie Moore, a jovem deusa do minimalismo.”
(...)
Depois faz o perfil imaginativo de Clarice:
“Dar uma ideia de sua imaginação só é possível através de algumas citações. O começo do romance ‘Uma Aprendizagem...’ (1969) é uma frase que vem do nada. A porta de entrada desse livro é uma vírgula: ‘, estando tão ocupada, viera das compras de casa que a empregada fizera às pressas porque cada vez mais matava o serviço, embora só viesse para deixar almoço e jantar prontos...’.
Antes desse comentário doméstico e trivial, Lispector surpreendeu o leitor com uma advertência que é também uma afirmação de seu ser:
‘Este livro se pediu uma liberdade maior que tive medo de dar. Ele está muito acima de mim. Humildemente tentei escrevê-lo. Eu sou mais forte que eu. C.L.’
E no final de ‘Água Viva’, ergue a voz: ‘Não vou morrer, ouviu, Deus? Não tenho coragem, ouviu? Não me mate, ouviu? Porque é uma infâmia nascer para morrer não se sabe quando nem onde. Vou ficar muito alegre, ouviu? Como resposta, como insulto’.
Seu desmedido desafio à morte impregna muitas das crônicas reunidas em ‘Revelación del Mundo’, que incluem todas as que escreveu para o Jornal do Brasil entre 1967 e 1973. Outras, inéditas, serão publicadas no ano que vem em espanhol sob o título de ‘Descubrimientos’.
Lispector continua sendo um enigma velado que assombra em cada frase, em cada desvio da vida. Morreu aos 57 anos de um câncer nos ovários, depois de ter passado os últimos anos fechada na solidão de sua casa do Leme, perto das areias de Copacabana.
Seu autorretrato cabe em uma frase: ‘Olhar-se ao espelho e dizer-se deslumbrada: Como sou misteriosa’.”
Mas antes de falar de Clarice, Martinez tece os elogios de praxe ao Olimpo de nossa literatura.
“Em meados do século 20, o grande nome da literatura brasileira continuava sendo o de Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908), que escreveu uma sucessão de obras mestras mediante o simples recurso de observar atentamente a paisagem interior dos pensamentos e dos sentimentos para contá-los de uma maneira incomum, inesperada. Um de seus maiores herdeiros é João Guimarães Rosa, que impressiona mais do que tudo por seu virtuosismo verbal e pelo ouvido finíssimo com que capta a música das vozes do sertão, no nordeste profundo de seu gigantesco país.
Entretanto, a única filha direta e legítima de Machado de Assis é Clarice Lispector, cuja obra misteriosa começa a difundir-se nos Estados Unidos com tanto ímpeto quanto a de Roberto Bolaño. O chileno foi consagrado pela revista The New Yorker, e o influente The New York Review of Books rendeu tributo a Lispector com um ensaio extenso de Lorrie Moore, a jovem deusa do minimalismo.”
(...)
Depois faz o perfil imaginativo de Clarice:
“Dar uma ideia de sua imaginação só é possível através de algumas citações. O começo do romance ‘Uma Aprendizagem...’ (1969) é uma frase que vem do nada. A porta de entrada desse livro é uma vírgula: ‘, estando tão ocupada, viera das compras de casa que a empregada fizera às pressas porque cada vez mais matava o serviço, embora só viesse para deixar almoço e jantar prontos...’.
Antes desse comentário doméstico e trivial, Lispector surpreendeu o leitor com uma advertência que é também uma afirmação de seu ser:
‘Este livro se pediu uma liberdade maior que tive medo de dar. Ele está muito acima de mim. Humildemente tentei escrevê-lo. Eu sou mais forte que eu. C.L.’
E no final de ‘Água Viva’, ergue a voz: ‘Não vou morrer, ouviu, Deus? Não tenho coragem, ouviu? Não me mate, ouviu? Porque é uma infâmia nascer para morrer não se sabe quando nem onde. Vou ficar muito alegre, ouviu? Como resposta, como insulto’.
Seu desmedido desafio à morte impregna muitas das crônicas reunidas em ‘Revelación del Mundo’, que incluem todas as que escreveu para o Jornal do Brasil entre 1967 e 1973. Outras, inéditas, serão publicadas no ano que vem em espanhol sob o título de ‘Descubrimientos’.
Lispector continua sendo um enigma velado que assombra em cada frase, em cada desvio da vida. Morreu aos 57 anos de um câncer nos ovários, depois de ter passado os últimos anos fechada na solidão de sua casa do Leme, perto das areias de Copacabana.
Seu autorretrato cabe em uma frase: ‘Olhar-se ao espelho e dizer-se deslumbrada: Como sou misteriosa’.”
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