Contar histórias é um dom, não exatamente um dom de escritor. Mas às vezes – raras – encontramos alguém com as duas verves, o talento para contar histórias e a capacidade de narrá-las em palavra escrita, na arte do romance ou do conto.
É assim García Márquez. E veja como começou, segundo ele, que mentia um pouco, afinal, era um ótimo contador de histórias, a tal ponto que deu a seu primeiro volume autobiográfico o título Viver para contar, justamente onde se encontra o trecho abaixo.
“Não consigo imaginar um meio familiar mais propício para a minha vocação que aquela casa lunática, em especial pelo caráter das numerosas mulheres que me criaram. Os únicos homens eram o avô e eu, e ele me iniciou na triste realidade dos adultos com relatos de batalhas sangrentas e explicações escolares para o voo dos pássaros e os trovões do entardecer, e estimulou minha afeição pelo desenho. No começo eu desenhava nas paredes, até que as mulheres de casa puseram a boca no mundo: a parede e os muros são o papel dos canalhas. Meu avô se enfureceu, e mandou pintar de branco uma parede de sua oficina de ourives, e me comprou lápis de cor, e mais tarde um estojo de aquarelas, para que eu pintasse à vontade enquanto ele fabricava seus célebres peixinhos de ouro. De vez em quando ouvia ele dizer que o neto ia ser pintor, o que não me chamou a atenção porque eu achava que pintores só pintavam portas.” Gabriel García Márquez (Viver para contar, p. 82)
É assim García Márquez. E veja como começou, segundo ele, que mentia um pouco, afinal, era um ótimo contador de histórias, a tal ponto que deu a seu primeiro volume autobiográfico o título Viver para contar, justamente onde se encontra o trecho abaixo.
“Não consigo imaginar um meio familiar mais propício para a minha vocação que aquela casa lunática, em especial pelo caráter das numerosas mulheres que me criaram. Os únicos homens eram o avô e eu, e ele me iniciou na triste realidade dos adultos com relatos de batalhas sangrentas e explicações escolares para o voo dos pássaros e os trovões do entardecer, e estimulou minha afeição pelo desenho. No começo eu desenhava nas paredes, até que as mulheres de casa puseram a boca no mundo: a parede e os muros são o papel dos canalhas. Meu avô se enfureceu, e mandou pintar de branco uma parede de sua oficina de ourives, e me comprou lápis de cor, e mais tarde um estojo de aquarelas, para que eu pintasse à vontade enquanto ele fabricava seus célebres peixinhos de ouro. De vez em quando ouvia ele dizer que o neto ia ser pintor, o que não me chamou a atenção porque eu achava que pintores só pintavam portas.” Gabriel García Márquez (Viver para contar, p. 82)
8 comentários:
Garcia Márques é fantastico. Sem palavras.
CURIOSIDADES À PARTE, QUAL SERIA O PAPEL DO ESCRITOR HOJE EM DIA? E MO PASSADO?
PARABÉNS PELO BLOG. SEMPRE QUE POSSO, DOU UMA OLHADA.
García é mesmo um dos grandes. Madame Poison, obrigado por seguir este humilde blog!
Abraço!
Jeferson, obrigado pela visita! Agora estamos na mesma cidade, porque acabei de chegar a Goiânia, de volta, depois de quase uma década no sul-suldeste do país.
Essa pergunta sua é uma boa pauta para um texto. Acho que o papel do escritor, como autor de literatura, continua o mesmo, ou seja, oferecer a via possível do encanto, criar ou despertar a emoção por meio da palavra, dos atributos construídos nos personagens. Tirar o homem da mesmice do cotidiano, e não porque o cotidiano seja monótono, o próprio homem é que se lança num mar de repetição da vida. A arte serve para retirar o homem desse eterno subir e descer à la Sísifo e mostrar a ele o que há em volta, mostrar como a paisagem da existência é bela, feia, triste, alegre, doce, azeda, estranha, normal, dura e suave, contraditoriamente humana, demasiadamente, irremediavelmente plena de tudo. O papel do escritor é nos contar, pelo ângulo da emoção, da estética, do conhecimento sensível e emotivo do mundo, a peripécia do grande parque humano. Se Pensarmos nos grandes textos literários, é o que vemos, desde sempre. Ao contrário do que muita gente pensa (Sartre parece que pensava assim), o papel do escritor, autor de literatura, não é de fato mudar o mundo, embora às vezes contribua mais do que qualquer político (que é o gestor por excelência da vida em sociedade). O papel do escritor, por meio dos procedimentos da arte, é mostrar ou o que é ou o que poderia ter sido numa vida particular, e ao lermos determinados autores nos damos conta de que tudo aqui é muito semelhante a algo de nós mesmos, ou do que pensamos, ou do que sentimos, ou até mesmo do que vemos, sentimos e pensamos, e por isso nos identificamos com alguns autores e com outros não. Na literatura, a palavra é só o meio, é como se fosse a tela. A carga de sentimento, de emoção que a palavra traz é o que vale. E é por isso que, para escrever literatura, os escritores se valem de procedimentos que ajudam a construir a certa imagem que eles querem construir.
É isso. Falar de literatura é um troço perigoso, porque o objeto literário é evasivo, escapa como a água que escorre pelos dedos ao fechar da mão.
Grande abraço!
Apesar de perigoso, falar do papel da literatura num mundo feito este é sempre válido. Gostei de suas palavras. Elas traduzem perfeitamente o sentido de literatura que deveria ser veiculado nas escolas e nas faculdades (sobretudo nas de letras).
abraço
Obrigado, Jeferson. Vindo de você, que é professor, é um baita elogio. Muito obrigado!
Um abraço!
Oi Giba, tão lindo e tão triste, né...esse texto do Cony! Bjs. Isaura
É mesmo Isaura. Cony com seus 81 anos parece não ter mais a mínima vontade de viver.
Um abraço e obrigado pela visita, minha querida amiga!
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