Em 2008 foram lançados dois livros cujos títulos chamaram a atenção para o detalhe da leitura.
O primeiro é Como falar de livros que não lemos?, do francês Pierre Bayard. Por sugestão do autor, não li e não gostei. Bayard alega que escreveu seu livro para os grandes leitores, mas desconfio que os grandes leitores tenham feeling próprio.
O segundo é do escritor brasileiro Joel Rufino, Quem ama literatura não estuda literatura (Rocco, 199 páginas). Em razão do título, a primeira pergunta que vem à cabeça é “Por quê?”
Mas, o autor não consegue respondê-la. Quem se importa? É um ótimo livro. Muitos querem crer que o título seja uma pseudoprovocação, mas no fundo trata-se de uma genuína provocação de quem sabe dar aula. Mesmo que o autor o negue.
O título não funciona no corpo dos ensaios justamente porque é uma centelha consumida no calor da discussão. Quando os argumentos são cuidadosamente expostos, a premissa se torna um nó górdio.
Rufino é um escritor polivalente. Doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, já escreveu livros de história, vários romances infanto-juvenis, romances históricos e ensaios, entre eles, O que é racismo, da coleção Primeiros Passos, da Brasiliense.
Agora ele apresenta este texto sobre a conduta literária do leitor, digamos assim. O melhor do livro não são os erros e acertos do autor, mas o fato de chamar a atenção para a pluralidade do interesse literário. Para ele, a literatura em si serve para encantar. O que importa como estudo, portanto, não é ela, mas as áreas que lhe dão suporte, ou seja, suas fontes.
Os fios que tecem e sustentam o conteúdo do texto literário são fornecidos por tudo quanto é tipo de produção humana. Rufino elege quatro grandes nomes da história da humanidade e os batiza de perturbadores do sono do mundo: Charles Darwin, com a teoria da evolução, Karl Marx, com sua teoria sobre o capitalismo e a sociedade, Sigmundo Freud, com a psicanálise, e Albert Enstein, com a teoria da Relatividade.
São suas obras que merecem ser estudadas e entendidas, porque na literatura moderna, do realismo pra cá, não há nada inventado que não seja embasado nas idéias desses homens, diz Rufino. É claro que isso envolve retórica e exemplos de estudos contemporâneos. Não quer dizer que não haja nada antes de Marx e Darwin. Há, sim, e muito.
O primeiro é Como falar de livros que não lemos?, do francês Pierre Bayard. Por sugestão do autor, não li e não gostei. Bayard alega que escreveu seu livro para os grandes leitores, mas desconfio que os grandes leitores tenham feeling próprio.
O segundo é do escritor brasileiro Joel Rufino, Quem ama literatura não estuda literatura (Rocco, 199 páginas). Em razão do título, a primeira pergunta que vem à cabeça é “Por quê?”
Mas, o autor não consegue respondê-la. Quem se importa? É um ótimo livro. Muitos querem crer que o título seja uma pseudoprovocação, mas no fundo trata-se de uma genuína provocação de quem sabe dar aula. Mesmo que o autor o negue.
O título não funciona no corpo dos ensaios justamente porque é uma centelha consumida no calor da discussão. Quando os argumentos são cuidadosamente expostos, a premissa se torna um nó górdio.
Rufino é um escritor polivalente. Doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, já escreveu livros de história, vários romances infanto-juvenis, romances históricos e ensaios, entre eles, O que é racismo, da coleção Primeiros Passos, da Brasiliense.
Agora ele apresenta este texto sobre a conduta literária do leitor, digamos assim. O melhor do livro não são os erros e acertos do autor, mas o fato de chamar a atenção para a pluralidade do interesse literário. Para ele, a literatura em si serve para encantar. O que importa como estudo, portanto, não é ela, mas as áreas que lhe dão suporte, ou seja, suas fontes.
Os fios que tecem e sustentam o conteúdo do texto literário são fornecidos por tudo quanto é tipo de produção humana. Rufino elege quatro grandes nomes da história da humanidade e os batiza de perturbadores do sono do mundo: Charles Darwin, com a teoria da evolução, Karl Marx, com sua teoria sobre o capitalismo e a sociedade, Sigmundo Freud, com a psicanálise, e Albert Enstein, com a teoria da Relatividade.
São suas obras que merecem ser estudadas e entendidas, porque na literatura moderna, do realismo pra cá, não há nada inventado que não seja embasado nas idéias desses homens, diz Rufino. É claro que isso envolve retórica e exemplos de estudos contemporâneos. Não quer dizer que não haja nada antes de Marx e Darwin. Há, sim, e muito.
O prazer do texto
Em compensação, segundo Rufino, quando se lê uma obra literária, o que importa é a fruição, é o prazer da leitura. “O gozo do texto em si não exige que se estude literatura (e vice-versa)”, afirma ele, para em seguida ressaltar, “contudo, o estudo da arte e literatura vitorianas não pode dispensar o do conteúdo de idéias vitoriano”, porque “àquele conteúdo é que estão referidos os livros de ficção ou poesia ingleses da segunda metade do século XIX”.
É um ponto de vista interessante sobre o significado da literatura, principalmente porque faz severas críticas ao formalismo russo, escola de teoria literária que influenciou todo o mundo ocidental e trouxe uma nova concepção de estudos literários.
Segundo os formalistas russos, como Roman Jakobson, Mikhail Bakhtin, V. Chklovski, Vladimir Propp e O. Brik, o estudo da literatura tem de dar ênfase nos elementos formais, retirados somente da palavra, analisados e comparados entre si minuciosamente.
Seus primeiros trabalhos se deram entre 1914 e 1916, quando ainda eram radicais, afirmando que só a palavra interessava à análise literária, nada mais. Nesse contexto, não tinham valor nem a sociologia, nem a história, nem mesmo a psicologia. Depois abrandaram os ânimos e aceitaram recorrer aos recursos citados, mas sempre os tendo como secundários.
Rufino vai na contramão da linha teórica formalista. O que ele faz é dar uma aula de literatura pelo viés da cultura. O que não é pouco. O valor de Quem ama literatura não estuda literatura está aí. Rufino consegue dialogar com o leitor, valorizando a cultura e mostrando como de dentro dela sai o texto literário.
Num olhar mais aproximado, o livro nos causa reações diversas pela maneira como foi composto. Aliás, o próprio subtítulo já nos dá uma idéia: ensaios indisciplinados. Ora aprecia, ora desprestigia a literatura, em nome da Cultura com C maiúsculo, ora faz dela uma pérola aos porcos.
No fim das contas, o livro é um delicioso balaio de gato, em que encontramos epígrafes que vão desde Nelson Werneck Sodré a Carneiro Leão, passando por Suzane von Richthofen (que matou os pais, em 2002, num crime passional, com a ajuda do namorado) e Mário de Andrade.
O maior pecado de Rufino neste livro é o título. Ele não sustenta o conteúdo, que é bom. A provocação foi um tiro que saiu pela culatra. Afinal, como resolver o impasse do silogismo, que a rigor é um aforismo?
Dizer que quem ama literatura não estuda literatura é o mesmo que afirmar que quem estuda literatura não ama literatura. O que não é verdade. O estudo não castra o desejo. O grande erro talvez tenha sido conceituar o amor e a literatura, mas não o estudo.
Pequenos trechos:
“Os romances narram a não-determinação, a não-finalidade que caracteriza a aventura existencial humana.”
“Um farol (como dizem em São Paulo) só pode ser encarado de maneira única e inequívoca; se for transfigurado por alguma interpretação fantasiosa deixa de ser aquele sinal com aquele significado específico. Um texto literário (não qualquer texto) é justo o contrário: a forma se torna esteticamente válida na medida em que pode ser vista e compreendida segundo multíplices perspectivas, manifestando a riqueza de aspectos e ressonâncias, sem deixar de ser jamais ela própria.”
“Não podemos conceder a nenhum discurso científico, mesmo na idade da ciência e da técnica em que vivemos, a última palavra sobre nada.”
“A literatura desempenha o mesmo papel que a filosofia: desestabilizar a ciência.”
“Se focarmos a França, de que recebemos maior influência até a metade do século XX, se verá o mesmo: o conteúdo de idéias da sociedade industrial, no apogeu, mais do que as escolas literárias, organiza o mundo intelectual.”
“O senso comum acredita captar a evolução da literatura no século XIX por meio da sucessão romantismo, naturalismo. Esta é a superfície do fenômeno. As duas escolas literárias não passaram de variações sobre um mesmo sentimento: o vitorianismo.”
“A importância de Einstein para a literatura é que ele fez nascer a era da ciência, a que nada pode escapar.”
“Freud tem a ver diretamente com as maneiras atuais de sentir e pensar o principal dos temas literários.”
“Só para os formalistas o principal está na linguagem.”
“A literatura, no fundo, é quase nada além de aventura existencial.”
3 comentários:
o gilberto voltou!!
Grande Giba! Tenho a imensa satisfação de dizer que conheci o Joel Rufino pessoalmente certa vez e que ele é um cara muito legal, amante do futebol e da arte em geral. Ele esteve na UFG quando éramos estudantes para falar sobre um filme brasileiro - nem lembro mais qual. Bati um papo com ele na época (tava fazendo meu TCC) e trocamos alguns e-mails. Agora você comenta esse livro dele e, à medida em que vou lendo, penso no quanto isso pode ser aplicado ao cinema também. No fundo, parece ser aquele velho e sempre atual debate sobre forma e conteúdo. Ao que tudo indica, o Rufino fica do lado dos "cultural estudies", defenestrados por alguns. Só discordo de você no seguinte: eu gostei do título do livro! rs
Abraço, cara!
Grande Marco, supresa pra mim é saber que, logo ao voltar a escrever, já recebo um agradável comentário seu. Leio o Rufino desde O que é racismo, que li na década de 90 e já estemecia em algumas polêmicas em seu pequeno livro. Ele é da linha dos cultural studies mesmo, da forma e conteúdo, da linha de Raymond Wiliams e Stuart Hall, sem dúvida. Já a Laura, do blog www.pbdesinteressante.blogspot.com, é uma agradável constatação, apesar do sucinto comentário.
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