quinta-feira, 23 de agosto de 2007

MEIA TAÇA, POR FAVOR: AMOR DEMAIS FAZ MAL


A jornalista uruguaia Carmen Posadas (1953 - ), radicada na Espanha desde que se entende por gente, é autora de um livrinho interessante e intrigante: Um veneno chamado amor: ensaios sobre paixões, ciúmes e mortes. Esta pequena obra se propõe a abordar o lado fatal do amor. A autora parte do princípio de que, a despeito de todo o revestimento civilizatório da humanidade, principalmente da sociedade ocidental, o amor ainda faz o homem perder as estribeiras. Segundo ela, pode-se ter perdido o prolongamento das relações, mas não a intensidade e a violência da paixão concomitante a isso que se chama sentimento nobre.

Seu livro começa com uma epígrafe de La Rochefoucauld: “Se julgarmos o amor pela maioria de seus efeitos, ele se parecerá mais ao ódio que à amizade”. E ainda na introdução Posadas diz: “Vivemos numa época estranha, em que perseguimos sonhos de paixões eternas, mas nos conformamos com amores efêmeros”. No entanto, apesar dessa efemeridade, ele não acabou, é “um sentimento que sempre existiu e sempre existirá. E não apenas um sentimento fictício. Um sentimento que leva aos melhores e aos piores extremos. Um sentimento que leva a cometer loucuras e até horrores”.

É sobre essas loucuras e esses horrores que ocupa a autora. A razão desse interesse, ela explica: “Porque amei e sofri, interessei-me por aquelas mulheres e por aqueles homens que foram capazes de atos e comportamento totalmente irracionais por amor”.

Posadas fala de tais sentimentos para defender a tese de que existe uma diferença entre amor e paixão. Esta última é a grande responsável por todo o destempero amoroso, e é chamada de Eros, em contraposição ao amor “calmo”, chamado de Ágape.

A autora vai à mitologia grega buscar esse saber. Para ela, essa tempestade amorosa é uma cultura que se absorve dos livros, da literatura. Está tudo lá, desde os gregos, embora o mito do amor-paixão tenha surgido no século XII, na França, diz a autora numa tácita releitura de Stendhal e Denis de Rougemont.

O ato de remoer a paixão por meio da literatura é que faz os fatos reais serem ainda mais pungentes. Os jornais estão cheios de loucura amorosa, de cenas reais da violência desencadeada por esse mito. Eis a tese da autora.

No íntimo, tudo que Posadas diz já está escrito em outros livros. O interessante de sua versão é que ela enumera uma infinidade de situações em que Eros se faz presente e bota pra quebrar. “A história foi testemunha de grandes amores passionais, mas a paixão não é classista. Todos os reis e vassalos, famosos e anônimos, pobres e ricos, podem contrair essa doença sensual-sexual-sentimentalmente transmissível”, conclui a autora na abertura da primeira parte de seu livro. Vê-se aqui que ela encontra no amor-paixão muito mais que um veneno. É uma doença.

“O mito da paixão disseminou-se tanto no inconsciente coletivo que parece que a vida sem amor não merece ser vivida. Se, por acaso, nos esquecemos disso, sempre há uma revista ou um programa da televisão que se encarrega de nos lembrar: você precisa é de amor”.

Duas coisas. Primeiro: essa senhora deve ter tido uma desilusão amorosa dos diabos. Segundo: No trecho citado acima, a autora parece não ter se debruçado muito sobre o sentido da palavra “amor”. Afinal, existe ou não existe um amor que não a paixão? Se existe, não há porque abordar este vocábulo tal como está sendo feito em sua consideração acima. Uma pequena falha de critério da autora que não trava a leitura do livrinho, mas incomoda.

Seu livro é dividido em quatro seções. A última parte trata das conseqüências trágicas do amor-paixão, não pelo que ele oferece, mas pelo que ele nega. Quando o medo de perder o ser amado toma conta da situação, quando um já não ama o outro e o amor é manco, o desfecho tende a ser o mais amargo possível.

Nesse caso, a tese de Posadas é que, ao se descobrir traído, o homem quer matar, e muitas vezes mata. Já a mulher, sente-se fracassada em seu papel de preservar o ser amado, e volta para si todo o ódio que “deveria” sentir dele e da mulher que o “roubou” dela. Desse modo, a preterida, abandonada, traída, ou se mata de uma vez (suicídio) ou mata-se aos pouquinhos, com um câncer, por exemplo. Trata-se de uma afirmação polêmica. O que diriam Camille Paglia e Susan Sontag?

Trecho:

“Em cada um de nós dorme um Édipo ou uma Eléctra desiludida”.

“... Quando o ser a quem entregamos nosso coração e nossa alma nos abandona, o ódio e os ciúmes renascem”.

“O mito da paixão não apenas proporciona altos lucros às editoras e à indústria cinematográfica, mas também rege nosso comportamento, queiramos ou não”.

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