quinta-feira, 23 de agosto de 2007

ELOGIO DA METÁFORA


A vida não seria a mesma sem as metáforas. Não haveria entendimento entre razão e emoção, ciência e senso comum. Sem as metáforas a poesia estaria calada, e a literatura sequer haveria nascido. Nem mesmo a filosofia, principalmente esta, teria dado à luz idéias que explicam ou explicaram, ou tentaram explicar, o mundo convincentemente, fundindo o real com o espírito humano.

O mito da caverna, por exemplo, é uma metáfora acerca do discernimento racional, e não passaria de brumas, não fosse essa bifurcação da linguagem, não fora essa capacidade do homem de associar imagens, de superpor dois mundos, para clarear o significado das coisas, arrancando a substância de um e colocando em seu esqueleto a roupagem do outro.

Platão, no livro VII da República, coloca toda a condição humana, metaforicamente, dentro de uma caverna, e diz que a realidade nua não seria suportável para o homem comum, para aquele que não se ocupa das realizações do espírito, ou seja, para aquele que vive dentro da caverna e nunca encarou de frente a luz do sol, vendo apenas a sombra das coisas lá fora. A filosofia, senhora da razão, organizadora das idéias, seria a porta dessa caverna para o mundo lá fora, a realidade mesmo, pela qual o homem poderia sair, se banhar da luz do sol da verdade, e voltar para ensinar aos homens como são as coisas de fato.

O sol como metáfora aparece em tudo quanto é clichê, desde a filosofia até em poesias baratas e mal feitas. Mas, é notável como Schopenhauer descreveu seu conceito de gênio utilizando essa luz maior. Para ele, o homem comum utiliza o aparelho cognoscitivo como uma lanterna que ilumina o caminho. Já para o gênio, esse mesmo patrimônio é o sol que revela o mundo.

Vejamos outra. Para Freud, o sonho revela fatos verdadeiros, só que de forma distorcida, e para compreendê-los é preciso um certo malabarismo de linguagem. E tal compreensão complica muito mais por se tratar o sonho de uma luz menor no céu do humano. Para ele, é como se a nossa consciência fosse o universo: o sonho, a luz das estrelas; e a vigília, o clarão avassalador do sol. Daí a dificuldade de se lembrar dos pormenores do que se sonhou, daí a dificuldade da revelação.

A metáfora é o buraco da fechadura por onde passa Alice ao país das maravilhas. É a ponte de passagem para a dimensão do humano. A vida seria mesmo sem graça sem esse recurso de linguagem, que aqui representa todas as outras figuras lingüísticas. Seria chato se houvesse apenas tratados médicos, sem metáforas, registros cartoriais. Todas as formas de conhecimento, na verdade, fazem uso da metáfora para se explicarem: a religião, a filosofia, a ciência e a arte. É na arte, contudo, que ela, a metáfora, se sobressai mais.

Em uma de suas músicas, Chico César, o gênio paraibano, canta: “Se você olha pra mim, se me dá atenção, eu me derreto suave: neve no vulcão”. Não haveria frialdade, nem pureza, para suportar a veemência de tamanho pecado e calor.

Metafórico também é a madalena de Proust, aquela bolacha citada no primeiro volume de Em busca do tempo perdido, No Caminho de Swann, quando o jovem Marcel, o Narrador, já não se lembra de muita coisa de sua Combray de criança. Um dia, sua mãe lhe oferece chá, acompanhado de um desses bolinhos, cujo sabor, misturado ao do chá, faz o rapaz se recordar, em detalhes, do seu tempo de infância em meio à geografia da cidade. “Assim agora todas as flores de nosso jardim e as do parque do dr. Swann, e as ninféias do Vivonne, e a boa gente da aldeia e suas pequenas moradias e a igreja e toda a Combray e seus arredores, tudo isso que toma forma e solidez, saiu, cidades e jardins, de minha taça de chá”.


Nesse caso, a taça é uma espécie de metonímia da madalena, porque é ela – a bolachinha que ficou famosa depois desse reboliço literário de Proust –, embebida do líquido, que traz de volta a imagem do passado. Mas onde se caracteriza a bolacha como metáfora? No momento em que você, caro leitor, ao sentir o cheiro ou o sabor de alguma coisa, e reviver a delícia da lembrança, sobrepor nesta a imagem daquela, e dizer: isto é minha madalena.

Um comentário:

Anônimo disse...

necessario verificar:)