quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Cool Heart – diário de viagem a Nova York (5)


                                                                                                                                                                                                                          Foto: Gilberto G. Pereira
Charging Bull, no Bowling Green, severamente assediado, cujos colhões indefesos se misturam à aura nefasta do capitalismo

Dia 5 (10 de julho de 2016)

Por razões de diáspora de família, e depois de mim mesmo, conheço relativamente bem as paisagens brasileiras, tendo morado em lugares bem diferentes, como Ilha do Bananal e São Paulo, ou Goiânia e Curitiba, ou até mesmo Figueirópolis (onde nasci) e Porto Alegre do Norte, onde vivi toda minha segunda infância, no Mato Grosso.

Talvez por isso, um de meus fascínios, ao ler, é o de passear pelos ambientes diversos (muitos dos quais não conheço fisicamente), descritos ou codificados nos romances ou na poesia. Faço isso com o uso da imaginação, como todo leitor. A possibilidade de realizar esse passeio fisicamente (com trocadilho e tudo) é uma viagem e tanto.

Viajar para Nova York era, portanto, deflagrar uma oportunidade de explorar o máximo certos lugares e coisas que me eram caros desde a literatura. Mas foi o que menos fiz, porque precisava reconhecer também a macrogeografia da ilha, o tropo central de meu desejo, a saber, Manhattan.

Depois falarei de espacialização e o modo como nos deixamos ser tomados ou somos tomados involuntariamente pela cultura alheia. Mas na manhã do dia 10 (era um domingo), o que fiz foi comprar cartões de metrô para nós quatro (minha irmã, minha mulher, minha filha e eu).

Pegamos a linha 6 sentido downtown, na Avenida Lexington, e descemos na estação final dessa linha, Brooklyn Bridge (City Hall Park), onde há o portentoso Manhattan Municipal Building, aquele predião imenso de 40 andares, entre tantos prédios imensos de Manhattan, estilo art déco. É aquele com as inscrições em que na primeira se lê “New Amsterdam, MDCXXVI”, na segunda, “Manhattan”, e na terceira, “New York, MDCLXIV.”

Essas inscrições têm um significado histórico. A primeira data é do começo da colonização holandesa da ilha (1626), e a segunda é quando os holandeses entregaram o lugar para a colônia britânica, data que se tornou a verdadeira fundação da cidade (1664).

Esse quarteirão deve ser aquele com o maior número de prédios de art déco de Nova York. É uma das coisas que me interessam porque o coração de uma das cidades que eu amo é feito de art déco (Goiânia).

Apontando para o sul, a Ponte do Brooklyn fica à esquerda, e à direita, a Broadway, pela qual descemos até o Bowling Green, um pequeno e triangular terreno cercado (criado no século XVIII para se jogar boliche), bem perto do Battery Park, na curva da ilha, onde o Hudson se prepara para fazer suas águas se encontrarem com as do East River e depois, as duas juntas, abraçarem o Atlântico.

No caminho, paramos para conversar com uma moça que faz caricaturas de turistas. Há vários desses artistas de rua naquela região (como na Times Square e Central Park), pescando os aventureiros que embarcarão no ferry boat para a Estátua da Liberdade e a Ellis Island, ou que estão por ali reconhecendo a bela paisagem, passando a mão nos colhões ou nos chifres do Charging Bull, visitando algum ponto interessante, como o Museu Nacional do Índio Americano, enfim.

Minha filha e eu fizemos uma caricatura com a moça. Tivemos uma aprendizado e tanto sobre negócios turísticos. Eu me lembro de uma entrevista com o humorista Fábio Porchat, que gosta de viajar. Ele disse que, numa dessas viagens para o Egito, viu uma manobra de mestre dos administradores de camelos. Eles cobravam 1 dólar para a pessoa subir no camelo, mas para descer com a ajuda deles, a pessoa tinha de desembolsar dez dólares.

Ocorreu algo semelhante conosco no desenho das caricaturas. “Quanto custa para fazer um desenho”, perguntei. A moça, loira e simpática, disse “5 dólares”. Pedi que fizesse de mim e de minha filha. Ela disse, ok. Sentei num banquinho, fiquei olhando para uma linha imaginária de perfil para ela captar minha figura. Depois foi a vez da Penélope.

No fim, ela nos deus as folhas desenhadas. Eram frágeis, soltas daquele jeito. Daí veio a sacada genial. “Se você quiser, eu posso colocá-las nessa moldura de papel duro, que não pode enrolar, mas ela manterá o desenho plano e protegido, fácil de transportar. São 25 dólares cada uma.”

Eu me lembrei do humorista, e achei incrível. Eu tinha de ter pensado nisso antes. Então paguei os 60 dólares totais e saímos, felizes, por uma cara mas ótima aquisição. Chegamos ao Bowling Green. O Charging Bull estava lá, turístico, impávido e severamente assediado. Seus colhões indefesos se misturavam à aura nefasta do poder capitalista, exalando a ferocidade de Wall Street.

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