Foto: Gilberto G. Pereira
Charging Bull, no Bowling Green, severamente assediado, cujos colhões indefesos se misturam à aura nefasta do capitalismo |
Por razões de diáspora de família, e depois de mim mesmo,
conheço relativamente bem as paisagens brasileiras, tendo morado em lugares bem
diferentes, como Ilha do Bananal e São Paulo, ou Goiânia e Curitiba, ou até
mesmo Figueirópolis (onde nasci) e Porto Alegre do Norte, onde vivi toda minha
segunda infância, no Mato Grosso.
Talvez por isso, um de meus fascínios, ao ler, é o de passear
pelos ambientes diversos (muitos dos quais não conheço fisicamente), descritos
ou codificados nos romances ou na poesia. Faço isso com o uso da imaginação,
como todo leitor. A possibilidade de realizar esse passeio fisicamente (com
trocadilho e tudo) é uma viagem e tanto.
Viajar para Nova York era, portanto, deflagrar uma
oportunidade de explorar o máximo certos lugares e coisas que me eram caros
desde a literatura. Mas foi o que menos fiz, porque precisava reconhecer também
a macrogeografia da ilha, o tropo central de meu desejo, a saber, Manhattan.
Depois falarei de espacialização e o modo como nos
deixamos ser tomados ou somos tomados involuntariamente pela cultura alheia.
Mas na manhã do dia 10 (era um domingo), o que fiz foi comprar cartões de metrô
para nós quatro (minha irmã, minha mulher, minha filha e eu).
Pegamos a linha 6 sentido downtown, na Avenida Lexington, e
descemos na estação final dessa linha, Brooklyn Bridge (City Hall Park), onde
há o portentoso Manhattan Municipal Building, aquele predião imenso de 40
andares, entre tantos prédios imensos de Manhattan, estilo art déco. É aquele
com as inscrições em que na primeira se lê “New Amsterdam, MDCXXVI”, na
segunda, “Manhattan”, e na terceira, “New York, MDCLXIV.”
Essas inscrições têm um significado histórico. A primeira
data é do começo da colonização holandesa da ilha (1626), e a segunda é quando
os holandeses entregaram o lugar para a colônia britânica, data que se tornou a
verdadeira fundação da cidade (1664).
Esse quarteirão deve ser aquele com o maior número de
prédios de art déco de Nova York. É uma das coisas que me interessam porque o
coração de uma das cidades que eu amo é feito de art déco (Goiânia).
Apontando para o sul, a Ponte do Brooklyn fica à esquerda,
e à direita, a Broadway, pela qual descemos até o Bowling Green, um pequeno e
triangular terreno cercado (criado no século XVIII para se jogar boliche), bem
perto do Battery Park, na curva da ilha, onde o Hudson se prepara para fazer
suas águas se encontrarem com as do East River e depois, as duas juntas, abraçarem
o Atlântico.
No caminho, paramos para conversar com uma moça que faz
caricaturas de turistas. Há vários desses artistas de rua naquela região (como
na Times Square e Central Park), pescando os aventureiros que embarcarão no
ferry boat para a Estátua da Liberdade e a Ellis Island, ou que estão por ali
reconhecendo a bela paisagem, passando a mão nos colhões ou nos chifres do Charging
Bull, visitando algum ponto interessante, como o Museu Nacional do Índio
Americano, enfim.
Minha filha e eu fizemos uma caricatura com a moça.
Tivemos uma aprendizado e tanto sobre negócios turísticos. Eu me lembro de uma
entrevista com o humorista Fábio Porchat, que gosta de viajar. Ele disse que,
numa dessas viagens para o Egito, viu uma manobra de mestre dos administradores
de camelos. Eles cobravam 1 dólar para a pessoa subir no camelo, mas para
descer com a ajuda deles, a pessoa tinha de desembolsar dez dólares.
Ocorreu algo semelhante conosco no desenho das
caricaturas. “Quanto custa para fazer um desenho”, perguntei. A moça, loira e
simpática, disse “5 dólares”. Pedi que fizesse de mim e de minha filha. Ela
disse, ok. Sentei num banquinho, fiquei olhando para uma linha imaginária de
perfil para ela captar minha figura. Depois foi a vez da Penélope.
No fim, ela nos deus as folhas desenhadas. Eram frágeis,
soltas daquele jeito. Daí veio a sacada genial. “Se você quiser, eu posso colocá-las
nessa moldura de papel duro, que não pode enrolar, mas ela manterá o desenho
plano e protegido, fácil de transportar. São 25 dólares cada uma.”
Eu me lembrei do humorista, e achei incrível. Eu tinha de
ter pensado nisso antes. Então paguei os 60 dólares totais e saímos, felizes,
por uma cara mas ótima aquisição. Chegamos ao Bowling Green. O Charging Bull
estava lá, turístico, impávido e severamente assediado. Seus colhões indefesos
se misturavam à aura nefasta do poder capitalista, exalando a ferocidade de Wall
Street.
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