Indignação
parecia ser moeda sem valor no Brasil. Os gestores e legisladores do Estado,
eleitos para fazer a cidadania funcionar, há muito tempo vinham ignorando os
anseios da maioria. Até que um grupo de jovens corajosos e indignados
conseguiram despertar a vontade de lutar das pessoas. Com esse sem número de
protestos, a cidadania sai revigorada. À sociedade incorpora um tipo novo de
sentimento.
Não sei até
quando, mas neste momento, a multidão indo às ruas é uma espécie de ícone da
esperança, além de um luta concreta e legítima contra o descaso dos
governantes, que, ao lado da maioria dos gestores públicos, nunca estão nem aí
para os cidadãos, nunca ouvem ninguém, depois de serem eleitos e se esconderem
atrás de planilhas e discursos cínicos.
Se os protestos
começaram para forçar os governos a baixarem as tarifas do transporte coletivo,
isso foi apenas o pontapé inicial de uma série de reivindicações. Primeiro
porque a diminuição da tarifa não alivia os usuários da desgraça que é pegar
ônibus todos os dias com a qualidade abaixo do sofrível que o transporte coletivo
tem em todas as cidades do país que fazem uso desse serviço.
Depois, não há
em nenhum setor das coisas do Estado alguma coisa que funcione de forma pelo
menos satisfatória. As pessoas foram às ruas e cresceram em número, intensidade
e insistência, enfrentando a brutalidade da polícia, em vários momentos, porque
chegou-se ao limite dessa indignação.
A polícia,
incompetente sempre, do ponto de vista de lidar com o cidadão, só se eleva como
eficaz quando o assunto é espancar os indefesos (sem fazer distinção entre
cidadãos de bem e pequenos párias da sociedade, bandidinhos pés de chinelo). De
vez em quando prende bandidões, mas estes ganham o direito de não sofrer
violência policial quando são rendidos.
O atendimento
nos hospitais públicos é um display do horror e da negligência. Todo mundo, sem
exceção, que depende do Estado para se tratar, e um dia teve de recorrer aos
médicos e sua arrogância (nem todos fazem parte desse círculo) ou à estrutura
falida do serviço, já sofreu algum tipo de descaso, ou não foi atendido – porque
o médico saiu mais cedo, não veio, viajou, entrou em férias – ou ficou
esperando cinco horas porque a fila era enorme, foi medicado sem resultado de
exames, sem diagnóstico, sem uma conversa prévia, apenas perguntas
monossilábicas diante de um paciente indefeso.
Na Justiça, é a
mesma coisa. Na Previdência Social, na educação jogada às moscas, idem. Mas
nada acirra a indignação mais do que o cinismo dos governantes, eleitos para
resolver os problemas e nada fazem, deixam (e participam) a corrupção correr
solta nos trâmites do Estado. Não fazem nada porque são incompetentes? Pedem
pra sair. Não fazem porque não querem? Não deveriam estar lá, e aí, precisamos
repensar nossa maneira de avaliar os candidatos (dessa geração que está no
poder hoje, de cada 100, pelo menos 95 não merecem estar lá, contando os
executivos e os legislativos).
Não fazem nada
porque a estrutura social é complexa e a democracia exige um sem número de
ações e negociações com grupos de pressão, com grupos de interesse que têm
muito dinheiro e manipula o sistema? Incompetência do mesmo modo, porque
venderam ao eleitor, à sociedade, uma capacidade que não tinham.
O Leituras do
Giba é um exercício de análise literária, não é um blog político, mas também não se
pretende alienado. Este autor está ligado nos assuntos políticos, nas demandas sociais. E por isso
mesmo sabe que é bom distinguirmos Nação de Estado e de Governo.
A Nação somos
nós, o conjunto de valores que trazemos na nossa cultura, transportada pela
língua, somos o que pensamos, fazemos, a maneira como agimos e lidamos com
nossos problemas coletivos. O Estado é o conjunto de leis que asseguram a
existência dessa Nação no espaço, no território, formando o país, dentro do
qual há a sociedade. O Governo é a composição transitória escolhida pela
maioria para gerir os negócios do Estado. O Governo deve ser cobrado sempre,
porque é por meio dele que o Estado pode melhorar, tornar-se mais justo, e a sociedade
progredir.
Apoio as
manifestações no país inteiro porque também sou cidadão. Também sofro o descaso
nos serviços públicos, as ações de governantes que acham que depois do dia do
voto não há mais nada. Há, sim. Há o anseio dos cidadãos e precisa ser atendido.