terça-feira, 4 de junho de 2013

Para que serve a literatura



Primeiro é preciso responder à questão: a quem serve a literatura? Ela serve a quem tem sensibilidade e inteligência e quer entender o mundo pela perspectiva da arte, que não encerra uma verdade absoluta.

A arte permeia os poros do mundo, escaneia suas esquinas, iluminando os cantos absconsos da alma humana, aonde nem a psicologia, nem a filosofia conseguem chegar com tanta força. Suas técnicas captam melhor a mensagem ambígua, os “olhos de cigana dissimulada”, as alternâncias profundas do espírito.

É bom não duvidar do poder do artista como revelador dos significados mais escondidos da vida. Por detrás das manifestações sociais, há pensamentos solitários, reações, sentimentos e vontades, individuais e coletivos, sobre os quais a literatura joga luz. A princípio, o que se lê pode parecer uma mensagem difícil, por causa da complexidade do próprio ser, mas há sempre uma revelação.

O que se lê em literatura, os personagens em ação, suas qualidades e defeitos, virtudes e gênios, são atributos, nada existe de fato, mas mostra como poderia ser, e sempre é. Há sempre em algum lugar alguém semelhante ao que se lê, esteja o texto falando de um bom príncipe ou de um crápula. No fim das contas, o sujeito e suas características são o objeto literário.

O espírito humano é como o mar, ora calmo, ora revolto, e às vezes, quando menos se espera, é jogado sobre a terra firme arrastando milhões de coisas, em função de um abalo sísmico que nasceu de alguma movimentação das placas num ponto distante e profundo. A literatura como arte serve às pessoas que querem entrar nessa floresta da vida.

Não importa a origem social, nem econômica, não importam posições ideológicas. A literatura aceita servir a qualquer um que a busque. E mesmo no meio da multidão ignara, há sempre aqueles ávidos pelo saber aberto na seara da literatura que, no primeiro contato com ela, se iluminam.

A literatura como corpo de saber, como obra humana desde o surgimento da escrita, e mesmo antes dela, a arte da palavra tecendo o espírito, oscilando entre o poder e o chão da vida, entre as iluminações do verbo e o silêncio, é capaz de abrir clarões, mostrar caminhos inimagináveis de novas perspectivas, da capacidade de se saber olhar para dentro.

É claro que saber olhar para dentro de certas estruturas sociais, políticas, psíquicas, não é garantia de saber o que fazer depois, o aftermath da leitura sedutora. Sempre dependerá de como o sujeito se construiu. A literatura pode até ajudar nessa construção, e ajuda. Ela ensina a se descobrir a própria voz e mostra como surgem e funcionam as outras vozes. Mas há sempre muitos outros saberes em jogo, e, principalmente, há sempre o poder, e sua microfísica, roçando a tessitura da vida.

Texto é tecido. Conhecimento é o tecido da alma. A literatura é um fio poderoso desse tecido que, a rigor, junto com toda palavra, toda leitura de mundo, é o que erige a consciência.

(Gilberto G. Pereira. Publicado originalmente em O Popular, 03/06/13)

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