Primeiro é preciso
responder à questão: a quem serve a literatura? Ela serve a quem tem
sensibilidade e inteligência e quer entender o mundo pela perspectiva da arte,
que não encerra uma verdade absoluta.
A arte permeia os poros do
mundo, escaneia suas esquinas, iluminando os cantos absconsos da alma humana,
aonde nem a psicologia, nem a filosofia conseguem chegar com tanta força. Suas
técnicas captam melhor a mensagem ambígua, os “olhos de cigana dissimulada”, as
alternâncias profundas do espírito.
É bom não duvidar do poder
do artista como revelador dos significados mais escondidos da vida. Por detrás
das manifestações sociais, há pensamentos solitários, reações, sentimentos e
vontades, individuais e coletivos, sobre os quais a literatura joga luz. A
princípio, o que se lê pode parecer uma mensagem difícil, por causa da
complexidade do próprio ser, mas há sempre uma revelação.
O que se lê em literatura,
os personagens em ação, suas qualidades e defeitos, virtudes e gênios, são
atributos, nada existe de fato, mas mostra como poderia ser, e sempre é. Há
sempre em algum lugar alguém semelhante ao que se lê, esteja o texto falando de
um bom príncipe ou de um crápula. No fim das contas, o sujeito e suas características
são o objeto literário.
O espírito humano é como o
mar, ora calmo, ora revolto, e às vezes, quando menos se espera, é jogado sobre
a terra firme arrastando milhões de coisas, em função de um abalo sísmico que
nasceu de alguma movimentação das placas num ponto distante e profundo. A
literatura como arte serve às pessoas que querem entrar nessa floresta da vida.
Não importa a origem
social, nem econômica, não importam posições ideológicas. A literatura aceita
servir a qualquer um que a busque. E mesmo no meio da multidão ignara, há
sempre aqueles ávidos pelo saber aberto na seara da literatura que, no primeiro
contato com ela, se iluminam.
A literatura como corpo de
saber, como obra humana desde o surgimento da escrita, e mesmo antes dela, a
arte da palavra tecendo o espírito, oscilando entre o poder e o chão da vida,
entre as iluminações do verbo e o silêncio, é capaz de abrir clarões, mostrar
caminhos inimagináveis de novas perspectivas, da capacidade de se saber olhar
para dentro.
É claro que saber olhar
para dentro de certas estruturas sociais, políticas, psíquicas, não é garantia
de saber o que fazer depois, o aftermath da leitura sedutora. Sempre dependerá
de como o sujeito se construiu. A literatura pode até ajudar nessa construção,
e ajuda. Ela ensina a se descobrir a própria voz e mostra como surgem e
funcionam as outras vozes. Mas há sempre muitos outros saberes em jogo, e,
principalmente, há sempre o poder, e sua microfísica, roçando a tessitura da
vida.
Texto é tecido.
Conhecimento é o tecido da alma. A literatura é um fio poderoso desse tecido
que, a rigor, junto com toda palavra, toda leitura de mundo, é o que erige a
consciência.
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