A democracia é
feita de um material desgastante, não descartável, mas de um material que se
não for cuidado com certos critérios de discernimento se desmancha como papel
na água. O uso da violência em protestos, de relinchos e coices em meio a uma
pauta enorme de reivindicações como a nossa, pode ser fatal.
Na calada da
noite vem um general de pijama, de tendências pirotécnicas, e faz um trabalho sujo.
Mas ninguém em sã consciência é capaz de negar que sabe de onde vem o fomento
da revolta que cresceu como massa em fermento, aos poucos, durante anos, sob os
descasos dos agentes do poder público, e que agora está explodindo.
A gente sabe
que a violência não traz nada que presta, porque se trouxesse, o Oriente Médio
seria o paraíso na terra. Mas não é. A gente sabe disso. Mas não vemos
deputados, governadores, senadores, vereadores, prefeitos, falando o quão são
responsáveis pela revolta, pela carência, pela dor, pela falta de absolutamente
tudo que depende do poder público, absolutamente tudo, não vemos ninguém
fazendo mea culpa. Difícil é imaginar como essa democracia ainda está de pé.
Aliás, a
democracia é um troço frágil, sempre foi, porque precisa acolher todas as
diferenças no mesmo nível de direitos. Mas não é bem assim que acontece em
nossa democracia. Sabemos disso.
Deputados,
governadores, senadores, vereadores, prefeitos, jornalistas bem informados,
formadores de opinião, sociólogos, todos sabem disso. O que fazem, muitos
destes, principalmente os que representam o poder público, o que fazem agora é
preparar discursos para colocar na conta de vândalos e arruaceiros toda a
desgraça do que está acontecendo.
Não é verdade.
Senhores políticos, do legislativo, do executivo, senhores magistrados,
senhores da alta patente militar, todos os senhores são responsáveis, em
primeiro lugar, antes de qualquer coisa, pela onda de violência nas ruas das
cidades brasileiras. Todos os senhores são responsáveis duas vezes. Na primeira
vez, porque todos nós cidadãos somos responsáveis pela lastimável violência que
foi para as ruas, junto com os protestos legítimos. Na segunda vez, são
responsáveis sozinhos, só o grupinho dos senhores, e esta responsabilidade é
maior.
Se é para prender
os vândalos, então prendamos. Mas mostrem a cara dos policiais que excedem a
força todo santo dia contra pretos e pobres, contra favelados. Pergunte para a
jornalista Mariana Albanese que levou um tapa na cara de um policial na
comunidade do Vidigal, no Rio de Janeiro. Ela vai explicar bem a sensação.
Depois pergunte para os garotos favelados como eles são tratados.
Converse com
Gilberto Kassab, o ex-prefeito de São Paulo, e pergunte porque ele chamou um
homem de safado, e repetiu safado com espuma na boca. Ou melhor: pergunte para
o homem que foi chamado de safado por Kassab qual foi a sensação que ele sentiu
ao ser chamado assim em público por um prefeito, uma autoridade. Ele estava
protestando contra a falta de ação do executivo de São Paulo, sob o comando de
Kassab na época.
Mil e um casos
de abuso de poder, de abuso de autoridade, de uso indevido do dinheiro público,
de roubo escancarado da verba pública, de cinismo em discursos políticos
diariamente, casos de homens que enriqueceram às custas do erário público e que
depois de rico são apontados como ladrões e se sentem ofendidos, ou são presos
e logo saem, ajeitando a gravata como cidadãos de bem.
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