sábado, 22 de junho de 2013

A democracia é feita de um material desgastante


A democracia é feita de um material desgastante, não descartável, mas de um material que se não for cuidado com certos critérios de discernimento se desmancha como papel na água. O uso da violência em protestos, de relinchos e coices em meio a uma pauta enorme de reivindicações como a nossa, pode ser fatal.

Na calada da noite vem um general de pijama, de tendências pirotécnicas, e faz um trabalho sujo. Mas ninguém em sã consciência é capaz de negar que sabe de onde vem o fomento da revolta que cresceu como massa em fermento, aos poucos, durante anos, sob os descasos dos agentes do poder público, e que agora está explodindo.

A gente sabe que a violência não traz nada que presta, porque se trouxesse, o Oriente Médio seria o paraíso na terra. Mas não é. A gente sabe disso. Mas não vemos deputados, governadores, senadores, vereadores, prefeitos, falando o quão são responsáveis pela revolta, pela carência, pela dor, pela falta de absolutamente tudo que depende do poder público, absolutamente tudo, não vemos ninguém fazendo mea culpa. Difícil é imaginar como essa democracia ainda está de pé.

Aliás, a democracia é um troço frágil, sempre foi, porque precisa acolher todas as diferenças no mesmo nível de direitos. Mas não é bem assim que acontece em nossa democracia. Sabemos disso.

Deputados, governadores, senadores, vereadores, prefeitos, jornalistas bem informados, formadores de opinião, sociólogos, todos sabem disso. O que fazem, muitos destes, principalmente os que representam o poder público, o que fazem agora é preparar discursos para colocar na conta de vândalos e arruaceiros toda a desgraça do que está acontecendo.

Não é verdade. Senhores políticos, do legislativo, do executivo, senhores magistrados, senhores da alta patente militar, todos os senhores são responsáveis, em primeiro lugar, antes de qualquer coisa, pela onda de violência nas ruas das cidades brasileiras. Todos os senhores são responsáveis duas vezes. Na primeira vez, porque todos nós cidadãos somos responsáveis pela lastimável violência que foi para as ruas, junto com os protestos legítimos. Na segunda vez, são responsáveis sozinhos, só o grupinho dos senhores, e esta responsabilidade é maior.

Se é para prender os vândalos, então prendamos. Mas mostrem a cara dos policiais que excedem a força todo santo dia contra pretos e pobres, contra favelados. Pergunte para a jornalista Mariana Albanese que levou um tapa na cara de um policial na comunidade do Vidigal, no Rio de Janeiro. Ela vai explicar bem a sensação. Depois pergunte para os garotos favelados como eles são tratados.

Converse com Gilberto Kassab, o ex-prefeito de São Paulo, e pergunte porque ele chamou um homem de safado, e repetiu safado com espuma na boca. Ou melhor: pergunte para o homem que foi chamado de safado por Kassab qual foi a sensação que ele sentiu ao ser chamado assim em público por um prefeito, uma autoridade. Ele estava protestando contra a falta de ação do executivo de São Paulo, sob o comando de Kassab na época.

Mil e um casos de abuso de poder, de abuso de autoridade, de uso indevido do dinheiro público, de roubo escancarado da verba pública, de cinismo em discursos políticos diariamente, casos de homens que enriqueceram às custas do erário público e que depois de rico são apontados como ladrões e se sentem ofendidos, ou são presos e logo saem, ajeitando a gravata como cidadãos de bem.

Violência não resolve o problema dos cidadãos. Mas não apenas a violência física. Então porque ao longo da história, um grupelho de pessoas sempre fez uso dos aparelhos de repressão e ideológicos do Estado para cometer tudo quanto foi (e é) tipo de violência contra a maioria dos cidadãos e quase ninguém fala nada, e a mídia fica quieta, fala pela metade, como se sempre estivesse se rendendo ao medo da repressão, alegando sempre os direitos do cidadão, mas apenas quando o cidadão é aquele que dispõe de recursos para usar a Justiça  a seu favor.

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