Alexander Portnoy, 33 anos de idade, Vice-Presidente de oportunidade humana numa empresa de Nova York. Filho de Jack e Sophie Portnoy. Irmão de Hannah, quatro anos mais velha do que ele. Formado em direito, o primeiro da turma, Alex, como é conhecido, tem um Q.I. de 158 pontos, mais ou menos a pontuação de Jô Soares e menos do que a de Roger da banda Ultraje a Rigor.
Com exceção das duas últimas informações, as outras constam no perfil do protagonista do romance Complexo de Portnoy, de Philip Roth (1933 - ). Publicado em 1967, nos Estados Unidos, o livro causou um grande reboliço. Não era para menos; a obra, narrada em primeira pessoa, traz a revelação de uma consciência. Não de uma consciência qualquer, mas a de uma judeu em conflito existencial, que se autodefine como um onanista (punheteiro mesmo, com perdão da palavra), exibicionista, voyeurista e fetchichista.
O título em inglês é Portnoy’s Complaint, ou seja, trata-se de uma reclamação sem fim feita por Alex a um analista (freudiano, certamente, porque seu paciente fala sem parar, e nada de intervenção) chamado Dr. Spielvogel. É como se ouvíssemos Alex em sua análise.
Numa espécie de regressão, provavelmente deitado no divã, de pés cruzados, com o direito sobre o esquerdo, exercitando um vaivém, Alex diz: “Durante o meu primeiro ano na escola, minha mãe estava tão profundamente encravada em minha consciência que eu julgava que cada uma das minhas professoras era ela disfarçada”.
O pai de Alex era um judeu ambicioso que depositava no filho a expectativa do sucesso que ele próprio nunca tivera. “Via em mim a possibilidade de a família ser ‘tão boa como as outras’, a nossa probabilidade de adquirir honra e respeito”, dizia Alex.
O velho trabalhava duro para educar os filhos. Primeiro, vendia apólices de seguro para “poloneses xucros”, “irlandeses esquentados” e “negros analfabetos”, que moravam nos bairros pobres de Jersey City. Tinha educação primária e ganhava 5 mil dólares por ano. Depois se mudou para Newark e continuou a fazer a mesma coisa. “Da maneira feroz e auto-aniquiladora como tantos judeus de sua geração serviam ás suas famílias, meu pai serviu minha mãe, minha irmã Hannah, mas especialmente a mim. Naquilo em que fora mais estorvado, eu haveria de ser livre: esse era o seu sonho”.
Seu grilo se aprofundava quando se tratava da genitora. Alex nutria todo o amor e toda a admiração do mundo pela mãe: onipresente, cheia de energia, supercuidadosa, atenciosa etc. Ele via essas qualidades, mas enxergava também a contradição dela quando passava do discurso de tolerância e afeto para a prática, no trato com a empregada Dorothy, que era negra. O conflito maior nessa relação era porque ele fazia tudo direitinho, mas ela exigia ainda mais dele; e foi assim que Alex cresceu, na bifurcação do amor e do tormento.
Na adolescência, tinha masturbações exageradas, de todos os tipos, inclusive umas em que ele se curvava para receber o próprio sêmen na boca. Nessa época, ele se põe entre o prazer sexual, das masturbações, e as regras judaicas para a alimentação. Sua mãe sempre reclamando e regulando tudo. “Não podia sequer pensar em beber um copo de leite junto com o meu sanduíche de salame sem ofender seriamente o Deus todo-Poderoso. Imagine o que me custou na consciência todas aquelas ejaculações”, reclama, num tom sarcástico.
Aos 33 anos, morando em Nova York, repassando sua vida ao analista, fala do pai e da mãe, das bronhas, e pergunta: “Doutor, diga-me, de que será melhor livrar-me: do ódio ou do amor?”. Crise. Ainda solteiro, vivia de casos vários e muita bronha. Tudo contrário aos princípios morais do Ocidente, na década de 60, para judeus ou não, principalmente para alguém com um cargo como o de Alex.
Há muitas situações que envolvem o pênis de Alex, desde suas masturbações, passando pelas altas transas, até as fantasias em que ele se imagina perdendo o bilau que a mamãe adorava quando ele era criança. Esses indícios de inquietação por causa do amor da mãe, que ao mesmo tempo é repressão, revela uma homossexualidade latente em Portnoy, que ele mesmo dá a chave para tal interpretação.
“Li o ensaio de Freud sobre Leonardo da Vinci, me desculpe a pretensão, mas as minhas fantasias são as mesmas: este pássaro enorme e asfixiante, batendo as asas frenéticas pelo meu rosto e pela minha boca de um jeito que não posso nem respirar”, desabafa. O fato é que Freud publicou um livro chamado Recordação da Infância de Leonardo da Vinci, em que ele analisa a tendência homossexual do gênio florentino pela lembrança que este tinha de um pássaro pousando em sua boca, o que representaria o ato da felação (sexo oral).
Com essa chave há que se duvidar da existência de seu psicanalista Spielvogel. O nome (que quer dizer alguma coisa parecida com “passarinho de brinquedo”, em alemão) indica que o doutor pode ser apenas uma criação do próprio analisando, principalmente porque no começo do livro há uma pequena introdução com apontamentos do psicanalista sob o título de “O pênis perplexo”. Quem sabe toda a análise não seja apenas Alex conversando com seu próprio órgão sexual!
A condição judaica também oprime o herói de Roth (ou anti-herói?). Sofre por ser judeu, por ser forçado a ser um judeu, com suas normas, preconceitos, sentimento de piedade por si mesmo. Há um conflito em sua alma pela dor do povo judeu que insiste em aparecer em todos os discursos judaicos, e ele, Alex, querendo sair dessa, desejando que o deixem em paz na sua condição de ateu. Ele se revolta porque está sempre ouvindo o discurso de que os judeus são um povo superior e que por isso sofrem perseguição.
Todo esse conflito talvez não existisse na cabeça de Alex se não houvesse a visível divisão entre o mundo judeu e o não judeu. É só lembrar da passagem em que ele deixa escapar que sua reclamação sobre os pais passa pela humilhação que sente ao ver seu genitor também se sentir humilhado por vender seguros para negros. Mas Alex encobre seu preconceito trabalhando numa instituição, como se sabe, humanitária, que pretende ser despida de qualquer preconceito. Ironia dos diabos. Um livro cutucante, até hoje.
Com exceção das duas últimas informações, as outras constam no perfil do protagonista do romance Complexo de Portnoy, de Philip Roth (1933 - ). Publicado em 1967, nos Estados Unidos, o livro causou um grande reboliço. Não era para menos; a obra, narrada em primeira pessoa, traz a revelação de uma consciência. Não de uma consciência qualquer, mas a de uma judeu em conflito existencial, que se autodefine como um onanista (punheteiro mesmo, com perdão da palavra), exibicionista, voyeurista e fetchichista.
O título em inglês é Portnoy’s Complaint, ou seja, trata-se de uma reclamação sem fim feita por Alex a um analista (freudiano, certamente, porque seu paciente fala sem parar, e nada de intervenção) chamado Dr. Spielvogel. É como se ouvíssemos Alex em sua análise.
Numa espécie de regressão, provavelmente deitado no divã, de pés cruzados, com o direito sobre o esquerdo, exercitando um vaivém, Alex diz: “Durante o meu primeiro ano na escola, minha mãe estava tão profundamente encravada em minha consciência que eu julgava que cada uma das minhas professoras era ela disfarçada”.
O pai de Alex era um judeu ambicioso que depositava no filho a expectativa do sucesso que ele próprio nunca tivera. “Via em mim a possibilidade de a família ser ‘tão boa como as outras’, a nossa probabilidade de adquirir honra e respeito”, dizia Alex.
O velho trabalhava duro para educar os filhos. Primeiro, vendia apólices de seguro para “poloneses xucros”, “irlandeses esquentados” e “negros analfabetos”, que moravam nos bairros pobres de Jersey City. Tinha educação primária e ganhava 5 mil dólares por ano. Depois se mudou para Newark e continuou a fazer a mesma coisa. “Da maneira feroz e auto-aniquiladora como tantos judeus de sua geração serviam ás suas famílias, meu pai serviu minha mãe, minha irmã Hannah, mas especialmente a mim. Naquilo em que fora mais estorvado, eu haveria de ser livre: esse era o seu sonho”.
Seu grilo se aprofundava quando se tratava da genitora. Alex nutria todo o amor e toda a admiração do mundo pela mãe: onipresente, cheia de energia, supercuidadosa, atenciosa etc. Ele via essas qualidades, mas enxergava também a contradição dela quando passava do discurso de tolerância e afeto para a prática, no trato com a empregada Dorothy, que era negra. O conflito maior nessa relação era porque ele fazia tudo direitinho, mas ela exigia ainda mais dele; e foi assim que Alex cresceu, na bifurcação do amor e do tormento.
Na adolescência, tinha masturbações exageradas, de todos os tipos, inclusive umas em que ele se curvava para receber o próprio sêmen na boca. Nessa época, ele se põe entre o prazer sexual, das masturbações, e as regras judaicas para a alimentação. Sua mãe sempre reclamando e regulando tudo. “Não podia sequer pensar em beber um copo de leite junto com o meu sanduíche de salame sem ofender seriamente o Deus todo-Poderoso. Imagine o que me custou na consciência todas aquelas ejaculações”, reclama, num tom sarcástico.
Aos 33 anos, morando em Nova York, repassando sua vida ao analista, fala do pai e da mãe, das bronhas, e pergunta: “Doutor, diga-me, de que será melhor livrar-me: do ódio ou do amor?”. Crise. Ainda solteiro, vivia de casos vários e muita bronha. Tudo contrário aos princípios morais do Ocidente, na década de 60, para judeus ou não, principalmente para alguém com um cargo como o de Alex.
Há muitas situações que envolvem o pênis de Alex, desde suas masturbações, passando pelas altas transas, até as fantasias em que ele se imagina perdendo o bilau que a mamãe adorava quando ele era criança. Esses indícios de inquietação por causa do amor da mãe, que ao mesmo tempo é repressão, revela uma homossexualidade latente em Portnoy, que ele mesmo dá a chave para tal interpretação.
“Li o ensaio de Freud sobre Leonardo da Vinci, me desculpe a pretensão, mas as minhas fantasias são as mesmas: este pássaro enorme e asfixiante, batendo as asas frenéticas pelo meu rosto e pela minha boca de um jeito que não posso nem respirar”, desabafa. O fato é que Freud publicou um livro chamado Recordação da Infância de Leonardo da Vinci, em que ele analisa a tendência homossexual do gênio florentino pela lembrança que este tinha de um pássaro pousando em sua boca, o que representaria o ato da felação (sexo oral).
Com essa chave há que se duvidar da existência de seu psicanalista Spielvogel. O nome (que quer dizer alguma coisa parecida com “passarinho de brinquedo”, em alemão) indica que o doutor pode ser apenas uma criação do próprio analisando, principalmente porque no começo do livro há uma pequena introdução com apontamentos do psicanalista sob o título de “O pênis perplexo”. Quem sabe toda a análise não seja apenas Alex conversando com seu próprio órgão sexual!
A condição judaica também oprime o herói de Roth (ou anti-herói?). Sofre por ser judeu, por ser forçado a ser um judeu, com suas normas, preconceitos, sentimento de piedade por si mesmo. Há um conflito em sua alma pela dor do povo judeu que insiste em aparecer em todos os discursos judaicos, e ele, Alex, querendo sair dessa, desejando que o deixem em paz na sua condição de ateu. Ele se revolta porque está sempre ouvindo o discurso de que os judeus são um povo superior e que por isso sofrem perseguição.
Todo esse conflito talvez não existisse na cabeça de Alex se não houvesse a visível divisão entre o mundo judeu e o não judeu. É só lembrar da passagem em que ele deixa escapar que sua reclamação sobre os pais passa pela humilhação que sente ao ver seu genitor também se sentir humilhado por vender seguros para negros. Mas Alex encobre seu preconceito trabalhando numa instituição, como se sabe, humanitária, que pretende ser despida de qualquer preconceito. Ironia dos diabos. Um livro cutucante, até hoje.
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