The New Yorker
A revista The New Yorker publicou no dia 19 um texto muito bom, assinado por Daniel
Pollack-Pelzner, sobre a obra de Shakespeare e as novas considerações sobre sua
autoria e coautorias, que aumentaram de número. Antes se falava em seis peças
em que outras mãos se meteram a mexer na feitura das peças, agora são pelo
menos 15, e quase dez coautores.
Enquanto muitos leitores veem em
Shakespeare a rara perfeição do gênio (eu mesmo aprendi a lê-lo lendo Harold
Bloom, que o coloca quase como a um deus da linguagem), outros críticos, como Gary
Taylor, investigam a participação de contemporâneos como Christopher Marlowe
(coautor de Henry VI, Partes 1, 2 e 3), Ben Jonson, George
Peele e Thomas Heywood na cocriação das peças do bardo.
Segundo Pollack-Pelzner, a
improbabilidade da solidão de Shakespeare na criação de todas as suas peças se
deve a vários fatores, mas a um fundamental: todos os dramaturgos na corte elisabetana
colaboravam entre si; ou seja, “escrever uma peça no século XVI era meio
parecido com escrever um roteiro hoje em dia, com muitas mãos revisando o
produto de uma empresa.”
Peço licença à revista americana
para traduzir aqui um trecho de The radicalargument of The New Oxford Shakespeare (O argumento radical do Novo Oxford
Shakespeare, em tradução livre), o belíssimo e fluente texto de Pollack-Pelzner.
Quem quiser ir reto para o original, ainda deve estar aberto no site da New Yorker.
.......................................
“Em
1989, o então jovem professor Gary Taylor publicou o livro Reinventing Shakespeare (Reinventando Shakespeare, em tradução
livre), em que argumenta que o status de Shakespeare de autor sem rival provém
menos da absoluta grandeza de suas peças do que das instituições culturais que
mistificaram o bardo inglês, elevando-o acima dos dramaturgos igualmente
talentosos da Renascença. “Shakespeare foi uma estrela, mas nunca foi a única
em nossa galáxia”, disse Taylor.
O livro foi sua segunda grande tentativa
de contrariar a ideia de Shakespeare como gênio singular. Alguns anos antes,
ele já havia trabalhado como um dos editores- gerais do Oxford Shakespeare [Edição das obras completas do poeta e
dramaturgo inglês], que creditaram coautores para cinco peças de Shakespeare.
Em Reinventing Shakespeare, Taylor
escreveu que o Oxford Shakespeare
“choca sem parar seus leitores, e tem consciência disso.”
No ano passado, Taylor chocou os
leitores novamente. O Novo Oxford Shakespeare, do qual Taylor é editor-geral, é
a primeira edição das peças que dá crédito a Christopher Marlowe como coautor
de Henry VI, Partes 1, 2 e 3. A nova edição lista coautores para outras 14 peças,
conduzindo uma multidão de dramaturgos - Thomas Nashe, George Peele, Thomas
Heywood, Ben Jonson, George Wilkins, Thomas Middleton e John Fletcher, além de Marlowe
– na grande gama das obras completas.”
Neste último outono, manchetes
em todo o mundo proclamaram a conexão Marlowe-Shakespeare, e puseram nos
holofotes a metodologia dos editores: análises computadorizadas de padrões
linguísticos cruzando com o banco de dados de peças modernas recentes. ‘Shakespeare
agora entrou completamente na era do megadados’, disse Taylor em release para a
imprensa.”
O grande nome entre os coautores
é de fato Christopher Marlowe, que seria o maior rival de Shakespeare, se não
tivesse morrido tão jovem, aos 29 anos, em 1593, diz o jornalista da New Yorker.
Pollack-Pelzner finaliza seu
texto dizendo o seguinte:
“Não
há mais controversa em dar o crédito de outros autores como colaboradores nas
peças de Shakespeare – não porque ele foi apenas um rosto apropriada para um
aristocrata, como teóricos da conspiração desde Era Vitoriana vêm propondo, mas
porque os pesquisadores hoje reconhecem que escrever uma peça no século XVI era
meio parecido com escrever um roteiro hoje em dia, com muitas mãos revisando o
produto de uma empresa.
O Novo Oxford Shakespeare alega
que seus algoritmos podem destrinchar o trabalho de cada mão individual – uma
possibilidade, embora haja razões para se desafiarem esses métodos de
computador. Mas há ainda um argumento mais profundo feito pela edição que é tão
definitivo quanto muito mais interessante.
Não é só o fato de Shakespeare
ter colaborado com outros dramaturgos, nem ter sido aquele entre grandes
escritores da Renascença cuja fama atravessou os séculos subsequentes. É que a
canonização de Shakespeare fizera seu modo de contar histórias – especialmente
sua visão monarquista da história – parecer a norma para nós, quando na verdade
há outros modos de contar histórias, e outras maneiras de se encenar a
história, que outros dramaturgos fizeram melhor.
Se os cultuadores de Shakespeare
contaram uma história de modo a desacreditar os rivais contemporâneos do bardo
inglês, o Novo Oxford está agora contando uma história que alega recuperar
esses créditos aos outros dramaturgos.”
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