“O mundo não é branco. Branco é uma metáfora de poder.” James Baldwin |
As
palavras de Baldwin - na voz de Samuel L. Jackson ou na sua própria, em vídeos
recuperados de entrevistas - cintilam ao longo do filme. Por causa de suas
palavras, o documentário se torna um grande objeto de reflexão.
O
racismo americano se manifesta de modo diferente do racismo à brasileira. Mas
em muitas ocasiões, ao longo do filme dirigido pelo haitiano Raoul Peck, podemos
tirar alguma lição para a análise de nossa própria realidade.
A tese
geral de Baldwin é a de que pretos e brancos precisam se entender, isso é ponto
pacífico. Mas os brancos, uma vez que o poder está com eles, é que precisam
analisar o ódio contra os negros e sua dificuldade de aceitá-los num projeto
integral de nação.
Para
os negros, a ideia de que os brancos é que precisam tomar a iniciativa de um
entendimento é mais fácil de ser assimilada. Somos nós que apanhamos de toda as
formas. Mas quem não consegue compreender essa tese, basta seguir as palavras
de Baldwin, enquanto imagens de negros sendo espancados ou humilhados por
brancos passam na tela. A sensibilidade encarrega de mostrar a força da obra.
A
violência é atual, tanto é que Raoul Peck utilizou vídeos da década de 1960 e
dos últimos anos, em que negros foram assassinados ou espancados por policiais em
várias cidades americanas, da mais cosmopolitana, Nova York, à mais
interiorana, como Falcon Heights, em Minnesota, Estado que faz divisa com o
Canadá, no Centro-Norte dos EUA.
O
documentário de Raoul Peck concorre ao Oscar 2017, e foi muito bem avaliado
pela crítica americana. A tensão fulcral da história narrada por Peck é a
ferocidade do racismo nos EUA que em poucos anos de diferença abateu três
grandes líderes da consciência negra: Medgar Evers (1963) Malcolm X (1965),
Martin Luther King Jr (1968).
A
reflexão sobre a luta contra o racismo e os assassinatos desses três líderes,
que eram amigos de Baldwin, fizeram-no escrever Remember this house, um
roteiro incompleto, que viraria filme dirigido pelo próprio Baldwin, mas este
morreu antes, em 1987, aos 63 anos, na França (Saint-Paul-de-Vence, litoral
mediterrâneo), onde morava havia 39 anos. Peck resgatou o texto inacabado e criou
a seu modo um filme indispensável para os negros da diáspora e para brancos que
não odeiam ninguém.
Peck é
haitiano, ou seja, vem de uma país cuja história de luta pela liberdade e de capacidade
intelectual é estupenda, mas que depois se perdeu, pela dizimação sistemática que
as potências imperiais do século XIX impuseram sobre o Haiti.
Entre
sua obra estão o bom documentário Lumumba, de 2000, sobre o líder anti-colonialista
congolês Patrice Lumumba, assassinado aos 26 anos, em 1961, e Abril sangrento,
um filme de 2005, sobre o genocídio de Ruanda impetrado pelos hutus aos tutsi.
E agora Peck aparece com Eu não sou seu negro, esta película estupenda,
merecedora de prêmios.
As
lições de Baldwin são fascinantes porque ele não demoniza os brancos, embora
nãos os coloque numa situação lisonjeira, como se lê na legenda da foto acima.
Ele questiona o ódio racial fria e racionalmente. Sua obra literária, com romances importantes como Giovanni e Numa terra estranha, é marcada
pelo conflito de cor, mas também pela tentativa de personagens brancos se
entenderem com personagens negros.
Segundo
ele mesmo diz, talvez o que o salvou do ódio contra os brancos tenham sido o
carinho e a atenção de uma professora branca quando ele era criança. A professora
Orilla Miller, que os alunos chamavam de Bill, dava livros para Baldwin e
conversava com ele sobre literatura e cinema.
Para
um garoto nova-iorquino de 10 anos, negro e pobre, numa terra que exalava o
enxofre do racismo, esse laço afetivo era uma emulação poderosa. Fez bem a
Baldwin. Sua história e convicções políticas deveriam servir de luz para o
caminho da consciência negra no Brasil. Por aqui, talvez seja mais fácil
debater sobre uma aproximação verdadeira. Difícil mesmo é derrubar o cinismo.
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